segunda-feira, julho 07, 2008

Em conversa: Sparks (1/3)

Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com Ron Mael, dos Sparks. Esta é uma versão editada de um texto originalmente publicado no DN, em 2003.

Têm quase 40 anos de carreira e, contudo, muitas pessoas não vos conhecem. Isso incomoda-vos?
É verdade que há muita gente que não sabe quem somos. Poderíamos até sentir que isso seria uma ofensa, mas na realidade até achamos graça ao facto de muitos escutarem a nossa música pela primeira vez sem qualquer preconceito. Já tivemos canções com alguma exposição, inclusivamente nos últimos anos. Mas é verdade que muitas pessoas não ligam as canções a quem somos e à nossa história. Preferimos ser conhecidos até pelo que estamos a fazer neste momento e não pela história já vivida...

Pode dizer-se que têm, contudo, um culto formado à vossa volta?
Só não gosto daquela característica dos "cultos" que tende a ser confundida com públicos de dimensão restrita... Temos tanto empenho e prazer ao fazer uma canção para um grupo muito restrito de pessoas ou para grandes públicos... O peso de sermos ou não uma força lendária do passado também não me pareça que seja preocupação nossa. E não trabalhamos em função do que quer que seja o nosso eventual lugar na história da música. Concentramo-nos, sim, no presente.

Mas é inevitável olhar para a vossa discografia e reparar que todos os dez anos lançam pelo menos um disco que merece ser citado na história...
Bom... Creio que em certos momentos sentimos uma certa motivação para tentar partir para lá do tédio em que muitas vezes se transforma o cenário musical que nos rodeia. Não quer isto dizer que não nos esforçamos nos outros álbuns, mas há momentos em que o que nos rodeia é tão entediante e inconsequente que sentimos vontade em fazer algo... Foi o que aconteceu com Lil’ Beethoven. Todos estavam fazer álbuns previsíveis e sentimos um certo orgulho ao ver que muita gente diz que é um disco impossível de classificar. E essa era, na verdade, uma das intenções do próprio disco. Gostamos de trabalhar num clima em que muitas coisas acontecem... Mas muitas vezes perguntam-nos o que mais estamos a ouvir e na verdade não podemos responder muito. Não é arrogância minha, mas há poucas coisas a acontecer de facto neste momento.

Uma das evidências de Lil’ Beethoven era uma vontade em abordar a repetição como base para qualquer canção...
É verdade. Em alguns momentos do disco tentámos aplicar ideias apreendidas na música de dança e no hip hop, sobretudo ao nível da forma como as palavras se encaixam na música. Aí a repetição costuma ser um facto... Mas os cenários que depois usámos não têm nada a ver com esses géneros. No fundo tentámos procurar outra forma de trabalhar a canção. Não era uma intenção firme e definida quando começámos a trabalhar no disco, até porque na verdade só sabíamos que queríamos tentar fazer um disco realmente diferente dos anteriores. E acabámos a trabalhar as vozes como ferramenta para descobrir essa diferença.

As palavras tanto parecem ter uma função meramente plástica como por vezes procuram passar ideias nas entrelinhas...
Creio que isso funcionou, sim. Há frases que podem até ter mais que uma leitura possível. Por exemplo, Your call is very important to us - please hold tanto pode sugerir directamente a resposta automática dos atendedores de chamadas de uma empresa qualquer, como pode sugerir uma necessidade de esperar e pensar os momentos numa relação a dois... Procurámos sempre usar palavras com várias leituras possíveis.
(continua amanhã)