domingo, março 09, 2008

Quadros que se ouvem

Depois da amplamente elogiada (e premiada) gravação de Ein Deutsches Requiem, de Brahms, que a EMI Classics lançou em 2007, Simon Rattle acaba de apresentar mais uma gravação com a Filarmónica de Berlim (que dirige desde 2002). Trata-se de um registo, de concerto, de um programa apresentado em finais do ano, juntando obras de dois compositores nacionalistas russos, Modest Mussorgsky (1839-1881) e Alexander Borodin (1833-1887). Membros do grupo dos Cinco (que a eles juntava ainda Balakriev, Cui e Rimsky-Korsakov), Mussorgsky e Borodin procuraram, com centro de trabalho e reflexão na cidade de São Petesburgo, definir novos caminhos para a música russa, contrariando fundamentalmente uma série de regras e modelos “importados” da música ocidental então em voga. A sua demanda procurava a criação de uma identidade russa na música, o que foram definindo através do recurso a elementos da sua história, folclore e outras temáticas com vincado fundo nacionalista. Uma das obras que hoje retrata essa mesma procura, e que representa também uma das mais reconhecidas manifestações do talento de Mussorgsky, é o conjunto de peças para piano que compôs em 1874 sob o nome como Quadros Numa Exposição, em homenagem ao seu amigo Viktor Hartman, artista e arquitecto, falecido um ano antes. Originalmente compostas ao piano, estas peças foram, já depois da morte do compositor, alvo de vários arranjos e adaptações. Mikhail Tushmalov foi, em 1886, o primeiro a assinar arranjos sobre estas peças. Mas coube a Maruice Ravel, em 1922, o arranjo que hoje é quase tido por canónico, tantas vezes que foi gravado e apresentado ao vivo desde então. Estes ‘quadros’ de Mussorgsky continuaram a atrair a curiosidade de músicos de outras gerações e géneros. Em 1971 os Emmerson Lake & Palmer levaram a obra a disco. O músico japonês Isao Tomita trabalhou um arranjo electrónico em 1978. E, em 2002, Amon Tobin usou um fragmento da obra de Mussorgsky no seu álbum Out From Where. No disco que agora edita, Simon Rattle usa o arranjo de Ravel e junta a Mussorgsky a Sinfonia Nº 2 de Borodin para compor o alinhamento.

Foram as pinturas e a grande amizade de Mussorgsky com Viktor Hartmann (1834-1873) quem inspirou Quadros Numa Exposição. Antigo estudante de Belas Artes em São Petesburgo, trabalhou essencialmente como ilustrador de livros e como arquitecto. As aguarelas e desenhos “livres” que deixou foram, na sua maioria, pintadas em viagem. De comum com a música de Mussorgsky, que conheceu em 1870, esta pintura revelava uma atenção por motivos tradicionais russos. A sua morte, causada por um aneurisma, em 1973, motivou uma exposição de perto de 400 obras suas em São Petesburgo um ano depois. Foi nessa exposição, e em quadros concretos, que Mussorgsky se inspirou para criar Quadros Numa Exposição. A maioria dos quadros expostos nessa ocasião estão hoje dados como desaparecidos. Dos poucos cujo paradeiro é conhecido estão identificados seis que, se pensa, terão inspirado a música de Mussorgsky. Um deles, incluido neste post, representa o desenho de um portão idealizado para a cidade de Kiev.