terça-feira, novembro 27, 2007

Discos da semana, 26 de Novembro

Se há um ano a estreia de Burial justificou entusiasmo e atenção, o seu segundo disco confirma em pleno a sua afirmação como um dos mais interessantes criadores musicais do presente. Mantendo firme o anonimato (sabe-se apenas que reside em Inglaterra), não como jogo para concentração de discurso mediático, antes como opção que visa destacar esta música de uma história de vida concreta, mantendo intacta a sua identidade abstracta, Burial consegue em Untrue novos e espantos feitos plásticos sem que, na verdade, se tenha afastado dos métodos e formas que nos deram o álbum de estreia. Aqui se cruzam ecos das genéticas dubstep com um sentido ambiental, sobretudo textural, que muito deve também ao mais remoto, mas não menos influente, tom sombrio que brotou, via trip hop, de alguma produção inglesa de inícios de 90. As vozes são um elemento fulcral na definição dos acontecimentos em Untrue. Aqui escutamos canções que não são canções, porque evitam a sua estrutura e formas. Antes, paisagens onde vozes (que não escondem provir de escola R&B) se perdem entre batidas, samples (Jean Michel Jarre é um dos “pilhados”), sugestões melodistas e cenografias. Untrue é uma colecção de pequenos ladrilhos que, juntos, pavimentam um espaço que, no fim, revela técnicas e ideias mais próximas da composição visual em artes plásticas que nas habituais mecânicas de construção musical na idade do laptop. Esta é uma música misteriosa, intrigante que, audição a audição, pede que nela nos percamos. A cada reencontro aprofunda-se uma intimidade, mas as sombras e mistérios na verdade nunca se dissipam, tal como a luz do dia nunca se acende a meio de uma viagem tardia, noite dentro, a meio de uma cidade adormecida. Na verdade, Untrue é como uma viagem como esta que se sugere. Nocturna, desgastada, sonolenta, talvez narcotizada. E por isso, apesar de abstracta e anónima, esta é a música que mais bem hoje descreve a geografia onde nasce. Ou seja, sem o parecer, uma polaroid turva da noite, fora de horas, na Londres neste início de milénio. Um dos melhores discos do ano. E uma obra pela qual, um dia, o nosso tempo poderá ser recordado.
Burial
“Untrue”

Hyperdub Records / Flur
5/5
Para saber mais: Site da editora


Editado nos EUA há já alguns meses, mas só agora lançado em Portugal, o álbum de estreia do duo The Bird And The Bee revela novos sinais de abertura a horizontes pop por parte da editora Blue Note. O duo é constituído pela cantora Inara George (a “abelha”) e pelo produtor e instrumentista Greg Kurstin (o “pássaro”), este último com trabalhos de estúdio assinados para Lilly Allen ou os Flaming Lips e membro dos Geggy Tah (uma das bandas mais interessantes reveladas pela Luaka Bop, de David Byrne). O jazz mora na história musical de ambos os músicos. Porém, The Bird and The Bee revela antes uma pop melodista, luminosa, discreta. Apesar de eventuais traços de familiaridade com umas Au Revoir Simone e, eventualmente, Broadcast e Bjork (fase Vespertine, sobretudo em Spark), esta é uma música que, passado a estranheza do primeiro encontro, acaba por conquistar, pedindo a curiosidade, não saciada, que a ela regressemos. Na verdade, este é um álbum que usou como cartão de visita (leia-se singles) as suas canções menos interessantes. E é, depois de passado o apenas interessante Again & Again e o ainda menos surpreendente (mas extremamente bem sucedido) Fucking Boyfriend, que as surpresas mais suculentas do disco se revelam, numa sucessão de canções doces, ternas, sedutoras. É portanto, para lá dos apenas medianos singles daqui extraídos, que se revela uma pop de requinte gourmet, feita do encontro de electrónicas e melodias com uma voz cativante e sugestiva. É nestas canções, mediaticamente “escondidas”, e com espantosos (mas discretos) arranjos, que saboreamos a forma como o duo recontectualiza heranças da canção dos anos 50 e 60, transforma genéticas do jazz vocal em pop, revela afinal um sentido de elegância que não esconde um gosto pelas obras de Burt Bacharah ou Brian Wilson.
The Bird and The Bee
“The Bird and The Bee”

3/5
Blue Note / EMI Music Porugal
Para ouvir: MySpace


O nunca editado Chrome Dreams, de 1977, é um dos mitos da obra de Neil Young. O disco, que reunia peças dispersas, representando vários caminhos e demandas musicais, acabou por não conhecer nunca a luz do dia como um todo, apesar de muitas das canções nele supostamente contidas terem, depois, encontrado segundas vidas em posteriores álbuns, revelando assim pérolas que hoje são clássicos, entre os quais Like a Hurricane ou Powderfinger. Chrome Dreams ficou assim, um pouco para a história dos mitos rock’n’roll como o célebre Smile dos Beach Boys (na verdade nunca editado na sua versão original, apesar da regravação recente de Brian Wilson). E ao longo dos últimos 30 contam-se os admiradores que criaram versões bootleg, cada qual tentando alcançar, por soma de peças soltas, o álbum nunca editado. 30 anos depois, o Chrome Dreams II que Neil Young agora edita é como que uma sequela do original. Sequela porque, como no álbum perdido de 1977, Neil Young aqui recolhe uma série de peças soltas, algumas, na verdade, remontando até a inícios da década de 80, regravando-as com uma banda na qual junta vários parceiros, entre os quais o baterista dos Crazy Horse, Ralph Molina. Sem o fulgor do sublime Prarie Wind (2005) nem o viço da agenda política do díptico Living In War (2006), Chrome Dreams II é, ao mesmo tempo que uma espécie de celebração dos 30 anos de um mito, um compasso de espera no qual Neil Young parece aproveitar um título histórico (e o conceito que lhe era subjacente) para reagrupar uma colecção de peças do seu baú de notas esquecidas, mas não ignoradas. Nada contra, está no seu direito. E, mesmo com uma colecção irregular de canções, que vão desde as latitudes da folk e country aos terrenos mais eléctricos, em Chrome Dreams II temos uma saudável alternantiva ao vulgar “best of” ou ao “raridades e inéditos” agrupados nem que uma ideia os justifique reundidos. A peça central de Chrome Dreams II é o longo (porque com 18 minutos de duração) Ordinary People, um conto em forma de canção sobre vidas de gente comum. Porém, o melhor do disco reside em esquecidas notas soltas como Beautiful Bluebird ou Boxcar. Peças avulso de uma obra maior, que aqui conhece um menos vulgar processo de revisão e que, afinal, revelam que nem tudo o que é esquecido é, necessariamente, menor.
Neil Young
“Chrome Dreams II”
Reprise / Warner
4/5
Para ouvir: MySpace


Os ingleses não perderam ainda para as MTVs e afins a face mais genuína de uma tradição juvenil e festiva na sua história rock’n’roll. Animados por uma certa pose mordaz, talvez com escola no clássico humor corrosivo conhecido por aquelas latitudes, esta identidade provocadora ganha frequentemente ali novos cultores, como parece ser o caso dos The Wombats. Eles são dois rapazes de Liverpool e um amigo norueguês. Encontraram-se no Institute For Performing Arts e, depois de uma sucessão de discretos singles em pequenas independentes, começam a arrecadar entusiasmos com álbum de estreia que agora editam, e com os hinos pop que dele começam a ser extraídos, nomeadamente os irresistíveis Kill The Director e o mais recente Let’s Dance To Joy Division, este uma hilariante paródia às multidões que dançam, bebem e sorriem ao som de verdadeiros monumentos à sombra, dor e solidão. Ao contrário de muitos dos ícones indie do presente, os Wombats redescobriram um sentido de verdadeiro prazer e festa na pop que nos oferecem. A sua música (e os adjectivos de franco entusiasmo que a tem acompanhado nos últimos meses) sublinha contudo que festa não é sinónimo de prazer vazio. As suas canções ostentam essa rara capacidade de falar claro, ir direito aos assuntos, usar o humor e a boa disposição ao serviço da partilha de ideias e histórias. Neste seu álbum mostram várias canções que revelam uma “fórmula” ganhadora que junta escolas indie, pulsão dançável e a demais condimentação em tons maiores que faz os hinos. Resta ver se, depois, haverá vida além desta festa. Ou se, como em tantos outros casos (e os Kaiser Chiefs são recente exemplo disso mesmo), as ideias se esgotam e as visões de outrora cedem ao mais do mesmo de que se faz a esmagadora maioria da produção pop/rock...
The Wombats
“A Guide To Love, Loss & Desperation”
14th Floor Records / Compact
3/5
Para ouvir: MySpace


O reconhecimento dos feitos de bandas como os Animal Collective e TV On The Radio abriu entretanto alas à entrada em cena de uma multidão de novos criadores de híbridos que, sob uma mesma promovem encontros de músicas que provém dos mais diversos tempos e lugares. Com os preços das rendas em Manhattan em verdadeira euforia upa-upa, Brooklyn tornou-se o pólo mais vivo da nova música que brota em Nova Iorque. E é de Brooklyn que chegam os Yeasayer, quarteto a fechar o primeiro ano de vida discográfica com um álbum de estreia que em tudo parece confirmar as expectativas de há alguns meses quando o seu single de estreia Sunrise/2080 entrou em cena sob o entusiasmo dos novos pólos de difusão do gosto indie. Herdeiros, de certa forma, da panculturalidade sob medula pop que David Byrne explora desde finais de 70 (nos Talking Heads, com Brian Eno ou a solo), mostram ser gente de horizontes vastos nas canções que registam em All Hour Cymbals. Sunrise, que abre o disco, revela novo solo fértil para velhas sementeiras gospel. Wait For The Summer, logo a seguir, cenógrafa cantos e ritmos de ascendência nativa num clima que herda sabores e tons do grande livro do psicadelismo. Segue-se 2080, onde África aflora, por via do dedilhar de uma guitarra, num clima pop de genética indie. Sente-se a presença dos Beatles, Beach Boys, dos Tears For Fears, Black Sabbath...! Reconhece-se a dada altura um gosto pelo progressivo... E os dados estão lançados... A paleta de referências consultada é vasta. Demasiado vasta, revelando o híbrido final uma surpreendente coesão entre tamanho potencial de dispersão. Este é um álbum que pede tempo a quem o escuta. Sugere uma relação que se constrói de reencontros. E que no fim compensa em pleno a sede de quem procura, sob condimentos conhecidos, um sabor a novo. As canções são interessantes, alimentando desde já a curiosidade para acompanhar futuras manifestações de uma personalidade que, para já, se apresenta com um álbum que sabe surpreender. Magnífica estreia!
Yeasayer
“All Hour Cymbals”
We Are Free / Sabotage
4/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Scissor Sisters (DVD), GNR (reedição), Jorge Palma (reedição), Tantra (reedição), Manuela Moura Guedes (reedição), Sheiks (antologia), Gorillaz (compilação), Live Earth, Ryan Adams (EP), Damien Rice, Nine Inch Nails, Whitest Boy Alive, Mazgani

Brevemente:
3 de Dezembro: Rufus Wainwright (DVD – Judy Garland), U2 (reedição), Jean Michel Jarre (regravação de Oxygene), Gravenhurst, The Magnificents, Echo & The Bunnymen (best of), The Wedding Present (live), Siousxie & The Banshees (reedições), Monkees (best of), Tom Tom Club (reedição)
10 de Dezembro: Rufus Wainwright (CD – Judy Garland), Muse live), Pink Floyd (caixa), Happy Mondays (reedições), Sylvain Chauveau, John Lennon (reedição), Caetano Veloso (DVD)

Dezembro: Johnny Greenwood, Radiohead, Montag
Janeiro: Magnetic Fields, British Sea Power