segunda-feira, outubro 29, 2007

Um café em Lisboa

Esta imagem de Patti Smith tem mais de vinte (ou trinta) anos. Em todo o caso, a sua intensidade e verdade talvez possam ajudar a sugerir o que foi o seu concerto, no Coliseu dos Recreios. Digamos, para simplificar, que passa a haver um "antes-de-28-de-Outubro-de-2007" e um "pós": a autora de Horses (já lá vão 32 anos...) veio mostrar porque é — e como é — um dos ícones mais genuínos de um rock que se destrói e reconstrói no punk, ao mesmo tempo que integra a pulsão mágica da palavra poética e a contundência do discurso político.
Estaríamos porventura à espera de um concerto mais centrado nas covers que fazem o seu álbum deste ano, Twelve. O certo é que, mesmo com as memórias de Jimi Hendrix (Are You Experienced?) ou dos Nirvana (Smells Like Teen Spirit), o evento foi mais um vibrante e sentido best of que esteve, todo ele, ligado à energia do presente, não a uma mera nostalgia do passado. Acima de tudo, Patti Smith, aos 60 anos (completa 61 a 30 de Dezembro) mantém-se fiel aos poderes singulares da palavra poética, sempre cúmplice da teatralidade da performance, tudo encontrando o eco, a melodia e o ruído adequados na iniludível electricidade das guitarras.
Houve mesmo espaço e tempo para evocar a dimensão portuguesa da sua personalidade artística e, mais do que isso, a miragem de um café, em Lisboa, na companhia de Pessoa. O poeta, aliás, pode ajudar-nos a fechar este primeiro gesto de fixação de um concerto no labirinto de uma memória comovida: "Não sei quantas almas tenho / Cada momento mudei / Continuamente me estranho / Nunca me vi nem acabei."