
Claro que Santana Lopes não é alvo único deste tipo de divertimento pueril disfarçado de jornalismo (e escusado será dizer que nada disto exclui a defesa de um jornalismo sério e exigente). A proliferação de situações do género tem mesmo imposto a noção segundo a qual as figuras públicas não passam de potenciais alvos de manipulação: tais figuras são literalmente encurraladas em situações incómodas, ao mesmo tempo que lhes é exigido que digam coisas concisas, cristalinas e sem mácula sobre este mundo e o outro... Tendo em conta que a maior parte dos visados pertence à cena política, pode mesmo dizer-se que este modo selvagem de fingir que se está em reportagem contribui todos os dias, activamente, para menorizar a nobre arte de fazer política (isto sem pretender escamotear o contributo que alguns políticos dão para a má imagem da sua própria classe).
No plano simbólico, o momento de Santana Lopes foi mesmo mais radical e corajoso que o celebrado episódio da SIC Notícias, com a sua “interrupção” por um directo sobre José Mourinho. Isto, claro, em função de um ponto de vista (minoritário, eu sei) que partilho: Santana Lopes empolou ingloriamente aquilo que era um momento normal da informação em televisão, acabando por suscitar um imenso coro de apoios, confundindo a linguagem corrente do dispositivo televisivo com o regresso institucional da censura.
Observe-se, aliás, o curioso sintoma. Agora que Santana Lopes fez literalmente frente à retórica das câmaras televisivas, onde estão os mesmos discursos de apoio à sua salutar contundência? Zero, obviamente. O pitoresco é sempre fácil. A reflexão sobre as linguagens não está na moda.