domingo, setembro 30, 2007

Entre Santana Lopes e José Mourinho

Na última edição de O Eixo do Mal, na SIC Notícias, falava-se do caso da entrevista abandonada por Santana Lopes (depois da interrupção por um directo com a chegada de José Mourinho ao aeroporto da Portela), alguns dias antes, naquele mesmo canal. Se outros méritos não tivesse, o diálogo deixou uma lição básica: falou-se do assunto de forma directa e contundente, sem que o facto de se estar na SIC Notícias funcinasse como limitação ou incómodo — é o mínimo, claro, mas o ambiente de degradação televisiva em que vivemos justifica que o sublinhemos.
Na mesma edição, e a propósito da mesma ocorrência, foi nítido que a maioria dos participantes não tem grande estima pela personalidade de José Mourinho. O facto, em si mesmo, faz parte de todo o nosso espaço mediático e social — por mim, tenho enorme admiração por Mourinho, tanto no plano profissional como até por causa das suas relações com os meios de comunicação, sobretudo porque, mesmo com contradições (e não é minha intenção santificar ninguém), ele tem sabido confrontar esses mesmos meios com alguns dos seus abusos deontológicos.
O que me choca é o facto de, no meio de uma conversa naturalmente cheia de impasses e frases incompletas (que fazem parte da matriz coloquial do programa), alguém utilize o poder televisivo de que ali desfruta para aplicar um discurso de mero menosprezo pelos que não se reconhecem no seu sistema mental — aconteceu com Daniel Oliveira que, ao referir-se àqueles que admiram Mourinho, achou por bem deixar cair que são uns... "coitados".
Penso sempre que, no plano da ética filosófica, o poder argumentativo e a terminologia que cada um aplica decorre do reconhecimento implícito de que aceita que o seu interlocutor aplique o mesmo poder e a mesma terminologia. Como se Daniel Oliveira pudesse aceitar discutir, leal e inteligentemente, com alguém que começasse por lhe dizer que os eleitores do Bloco de Esquerda são uns "coitados". Acontece que a televisão faz-se também desta constante vacilação das matrizes de locução e pensamento que, voluntariamente ou não, valorizamos através do nosso próprio discurso.
E é uma ilusão infantil (aliás, muito favorecida pela ideologia domi-nante na televisão) julgar que o diálogo se enriquece com este "alar-gamento" para as esferas da banalidade intelectual ou do achincalhar de um qualquer interlocutor potencial. Por vezes, face à abertura democrática da televisão — e, sobretudo, por causa dela — é preciso dizer que há modelos de diálogo que importa recusar. Quanto mais não seja porque, até prova em contrário, ninguém é "coitado" apenas por pensar o que pensa ou sentir o que sente — incluindo os militantes do Bloco de Esquerda.