quarta-feira, maio 23, 2007

Postal de Cannes, 22 de Maio de 2007

Para além dos títulos marcantes desta edição — e o Paranoid Park, de Gus Van Sant é um daqueles que vai crescendo dentro de nós... —, Cannes 2007 vai ficar também como o festival dos filmes empenhados em valorizar o seu próprio estilo. Estilo? O que é "estilo", hoje em dia? Muitas vezes não passa da preocupação de exibir uma certa evidência formal (e sobretudo formalista) que, por assim dizer, tenta funcionar como caução de "verdade" artística — na pior das hipóteses, os filmes já não falam de nada, a não ser da ostentação do seu próprio "estilo" (Tarantino, voilà...).
Neste contexto, apesar de tudo, a maior surpresa vem do mexicano Carlos Reygadas e do seu enigmático Luz Silenciosa [foto em cima], uma história de amor e paixão no interior do mundo fechado, hiper-religioso e fascinante, dos menonitas: Reygadas consegue impor uma visão austera e envolvente, sem nunca perder de vista as singularidades do mundo que retrata.
O mesmo não se poderá dizer de Le Scaphandre et le Papillon, do americano Julian Schnabel, ou The Man from London, do húngaro Bela Tarr. O primeiro adapta o livro homónimo de Jean-Dominique Bauby, jornalista vítima de um acidente que o paralizou para o resto da vida, mas que apenas através do movimento codificado de um olho conseguiu ditar esse mesmo livro; o segundo [foto a preto e branco] transpõe o romance homónimo de Georges Simenon. Em ambos os casos parece ter prevalecido a preocupação de afirmar uma especificidade do olhar e da "mensagem" que tende a sobrepor-se a todas as personagens e todas as situações — são filmes sedutores, por vezes brilhantes nas suas "invenções" formais, mas estranhamente vazios e, no limite, descrentes nos poderes particular do cinema.