quinta-feira, março 01, 2007

O idólatra pagão

Ano Bowie - 31
'Heathen' - Álbum, 2002

O primeiro álbum de Bowie no século XXI nasceu na ressaca da frustração de ter visto rejeitada, pela sua editora, a Virgin Records, a edição de Toy, um álbum (que chegou a gravar na íntegra) no qual reencontrava canções e ideias dos seus primeiros tempos como artista, na Inglaterra pré-Space Oddity... Enquanto a editora vacilava (antes mesmo do definitivo “não”), Bowie começou a trabalhar em novas canções, compreendendo a dada altura que era chegado o momento para um reencontro, em pleno, com o velho parceiro Tony Visconti, a última grande colaboração entre ambos, Scarry Monsters, datada já de 1980. As novas canções reflectiam sobretudo uma série de sentimentos de angústia e ansiedade provocados pela consciência diferente de uma segunda paternidade em idade adulta, bem como o sentido de perda e dor provocado por duas mortes de pessoas muito próximas, nomeadamente a sua mãe e o velho amigo Freddi Buretti. A ansiedade que dominaria este álbum dominado por temáticas de fé, incerteza e perda não era contudo a mesma reflectida pela alma oprimida e paranóica que anos antes assinara Diamond Dogs (1974) ou o espírito de espiritualidade abalada que escutáramos em Station To Station (1976). Em Heathen (tradução próxima de “pagão” ou “idólatra”) encontramos, sobretudo, um homem consciente da intimação da sua própria mortalidade.
O álbum retomou, além de Visconti, velhos parceiros, entre os quais o guitarrista Carlos Alomar e convocou a estúdio uma multidão de colaboradores, entre os quais Dave Grohl, Lisa Germano, Kirtseen Young ou Pete Townshend (dos The Who), este último tendo colaborado em Slow Burn, mais tarde escolhido como single de apresentação. Visconti fez questão de devolver a Bowie algumas das características da etapa 1977-79, nomeadamente na captação e tratamento vocal. De resto, e apesar de ter aproveitado pontuais elementos de Toy (entre os quais um tema integralmente regravado, com novo título, Slip Away) e apresentar versões de originais dos Pixies ou do Legendary Stardust Cowboy (a quem, muitos anos antes, Ziggy “roubara” o nome), o álbum exala evidentes ligações com a etapa Low/Heroes, revelando-se um dos melhores da colheita posterior ao desaire Tin Machine.
Heathen assinalou ainda o afastamento da Virgin e criação de uma editora própria (a ISO Records), que a Columbia a si chamou para um contrato milionário de distribuição. E garantiu a Bowie nomesções para prémios (do Mercury Prize aos Grammys) como há muito não acontecia.