quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Ciberpolítica

Que é hoje a política?
Não necessariamente (sobretudo: não apenas) os tristes combates parlamentares sobre coisa nenhuma a que, ciclicamente, se prestam personalidades tão inteligentes como José Sócrates e Santana Lopes, aliás com a conivência mediática de todos os estilos mais preguiçosos de fazer televisão. Não é um problema português, entenda-se, mesmo se os exemplos mais próximos nos tocam, nem que sejam pela tristeza de vermos o nosso espaço de pensamento reduzido a uma rotina de reality show.
Insistamos na evidência cristalina: algo da política contemporânea está a passar cada vez mais pelos circuitos da Internet e, em particular, por essa lógica — ora exuberantemente criativa, ora irremediavelmente simplista — do "broadcast yourself" que o YouTube consagrou com o aparato, e também a influência, que conhecemos.
Assistimos, agora, a um acontecimento muito particular (e particularmente fascinante) no interior dessa dinâmica — chama-se Yes We Can e é uma canção de Will-i-am, dos Black Eyed Peas, de apoio a Barack Obama, senador do estado americano do Illinois, actualmente na corrida para a nomeação do candidato democrata à presidência dos EUA. O video de Yes We Can, dirigido por Jesse Dylan (filho mais velho de Bob Dylan), arrisca-se a transformar-se num evento histórico, desses que são capazes de sintetizar os vectores essenciais de toda uma conjuntura artística, política e mediática.
Yes We Can foi revelado a 1 de Fevereiro, no programa ABC News Now, surgindo depois no YouTube e em sites como o ThinkMTV. Nele assistimos a uma prodigiosa colagem, reconvertendo as palavras de Obama em matéria da própria canção, num jogo de alternâncias e reverberações que tem tanto de drama teatral como de peculiar exercício de hip-hop. Will-i-am e mais cerca de três dezenas de notáveis — incluindo Scarlet Johansson, John Legend, Amber Valetta e vários actores dos elencos das séries CSI e Anatomia de Grey — apresentam-se num novo (ciber)espaço que, de facto, nos obriga a repensar os mecanismos tradicionais de concepção, elaboração e transmissão do discurso político.
No limite, este é um video que desmente a noção corrente segundo a qual vivemos numa "civilização da imagem". Na verdade, como se prova, a importância comunicacional das imagens é (ou pode ser) cada vez mais inseparável da revalorização da palavra. E do piano, já agora, porque perto do final aparece também o grande Herbie Hancock. Vejam, por favor. - J.L.


O teledisco de Yes We Can traduz a visão de quem, no discurso de Barack Obama, na cadência das palavras, na utilização da pausa e, acima de tudo, na construção de um refrão (o tal "yes we can"), afinal encontrou uma estrutura subliminar de canção pop. E não é por acaso. Há toda uma tradição de oratória, com raiz antiga nos pregadores religiosos negros norte-americanos, que segue esta cadência que, rítmica e pausada, se escuta e entranha, desperta empatia e adesão. E festa. Sim, festa. A voz e o ritmo das palavras de Barack Obama são uma das muitas características de "estrela pop" que constroem o carisma do homem-surpresa destas eleições. Esta noite, apesar de ter somado menos delegados que Hillary Clinton (que venceu nos pesos-pesados Nova Iorque e Califórnia, podendo em ambos agradecer ao voto latino), Obama mostrou que está na firme na luta pela nomeação democrata. Este teledisco é prova de como um sentido de modernidade o apoia, não só a ele, mas a uma forma mais cativante, viva e comunicativa de fazer política. - N.G.