sábado, fevereiro 10, 2007

Amy Winehouse, opus 2

Num título pleno de ironia, a BBC já lhe chamou uma "Billie Holliday para o século XXI" — e só se não a ouvimos poderemos ficar surpreendidos com o desafio que a afirmação envolve: Amy Winehouse possui uma alma soul (a redundância é menos inadequada do que poderá parecer) que a faz ter uma pose que seria absolutamente pop se não dependesse, afinal, de uma arqueologia lendária e intocável (por mim, convocaria sobretudo o património sagrado de Sarah Vaughan). Aliado a isso, há na sua arte um misto de orgulho e vulnerabilidade que leva o ouvinte mais incauto a cair no pecado de acreditar que ela canta apenas para si próprio.
Começou tudo com Frank (2003), álbum que exibia o "inacabamento" sem remorso de uma jam session, sem que isso o impedisse, bem pelo contrário, de coleccionar pérolas de intimisto e ironia como Stronger Than Me, Fuck Me Pumps e I Heard Love Is Blind. Agora, face ao novo e esplendoroso Back to Black, podemos descobrir Rehab, Back to Black, Love Is a Losing Game, etc. e dizer apenas que se trata de... mais do mesmo. Com a verdade nos enganaremos. Porque Winehouse tem esse dom raro de transfigurar cada canção num acontecimento único, como se se tratasse de inventar pequenas cortinas de fumo com que ocultamos e revelamos os sobressaltos dos nossos vulneráveis corações e pensamentos. Para os mais dados às biografias, talvez seja importante não esquecer que a senhora nasceu em Inglaterra, tem 23 anos e canta com a crueza desencantada de uma veterana que sobreviveu a todas as reformas. Oxalá saiba envelhecer.