domingo, janeiro 28, 2007

A ficção e as suas máscaras

Estranha fraqueza a de Contado Ninguém Acredita/Stranger Than Fiction: a de um filme que se fundamenta num efeito de "modernidade" — um cidadão (Will Ferrell) que descobre que não passa de uma personagem de um romance ainda a ser escrito — e que, a pouco e pouco, se instala num "academismo" parcimonioso. Como se apenas pretendesse dizer-nos que "uma ficção é uma ficção" e que, portanto, podemos brincar com a sua ambiguidade... como se isso fosse uma novidade para todos nós.
Estranho porque, além do mais, se trata de um objecto gerado por gente com evidentes e muito respeitáveis talentos — o elenco inclui ainda, entre outros, Emma Thompson (a escritora) e Dustin Hoffmann, pertencendo a realização a Marc Forster (Monster's Ball, À Procura da Terra do Nunca). Dir-se-ia que há uma certa sensibilidade muito pós-moderna que "denuncia" o artifício das formas como se isso fosse o grau zero do cinema contemporâneo. Como se, do cinema ao romance, passando pela pintura, as máscaras da ficção não fossem, afinal, um dos temas nucleares de toda a arte do século XX...
Sendo Dennis Potter (1935-1994) um dos mestres desse mesmo tema — sobretudo através de séries televisivas que foram passadas ao cinema: Dinheiro do Céu e O Detective Cantor —, vale a pena chamar a atenção para um dos seus romances, Hide and Seek (1973), precisamente um livro sobre as especificidades internas da narrativa, com dois narradores cujas palavras se opõem, tentando cada um deles seduzir o leitor para a sua verdade. Vale também a pena passar pelo site oficial de Potter e por algumas das suas magníficas entrevistas à BBC.