sábado, setembro 09, 2006

Almodóvar em serviços mínimos

Há muito que não vemos no cinema de Pedro Almodóvar mais que coloridas releituras do seu livro de estilo, devidamente adaptadas a pequenas ou médias sacudidelas de anca de argumentos mais ou menos inspirados. O seu último momento de génio data de 1999 (Tudo Sobre A Minha Mãe), de então para cá mais não tendo havido que meros exercícios de ginástica de manutenção, entre o melhor (Má Educação) e o pior (Fala Com Ela). Voltar, sem fugir a esta norma recente, é mesmo assim o melhor Almodóvar dos últimos sete anos, cabendo todavia os maiores dos seus feitos a um elenco de excepção, essencialmente feminino, de resto colectivamente premiado este ano em Cannes.
Voltar devolve aos ecrãs duas das “chicas” mais emblemáticas do cinema de Almodóvar: a veterana Carmen Maura (que consigo não colaborava desde o inesquecível Mulheres À Beira de Um Ataque de Nervos, de 1987) e Penélope Cruz (última presença em Tudo Sobre A Minha Mãe), e recorre uma vez mais, mesmo que por poucos minutos, à inseparável (e sempre hilariante) Chus Lampreave, num papel que, mesmo com personagem diferente de filme a filme, acaba por ser sempre o mesmo.Era uma vez uma ex-empregada de restaurante cuja filha mata o marido quando este a tenta violar. Como se não bastasse, uma Tia acabou de morrer. E diz-se que o fantasma da mãe tem feito aparições… A trama, em serviços mínimos, convoca os ingredientes característicos dos filmes mais clássicos de Almodóvar, do crime inesperado aos jogos para o esconder, do confronto entre a ruralidade e a vida urbana à alma garrida das espanholas, do humor em tempo de drama ao twist sempre infalível… E acrescenta temperos não menos habituais como pontuais relações com o mundo do espectáculo (neste caso uma equipa de rodagem de um filme), a força dos laços de sangue, a caricatura da mulher espanhola. O realizador continua a ser um bom retratista, por via do exagero robbialac, da vida comum de nuestros hermanos, e sabe dosear frases de gargalhada assassina nos momentos certos. Mas não fosse o brilhantismo das suas “chicas”, não haveria grandes justificações para voltar…

Versão editada de um texto publicado na edição de 8 de Setembro da revista '6ª', do DN