sexta-feira, junho 23, 2006

Querido DVD...

Com marés de estreias de segunda (e pior) a chegar às nossas salas, o que dizer quando vemos, sucessivamente, algumas boas ideias a seguir directamente para o circuito de DVD? Aconteceu recentemente com o soberbo Segredos Urbanos (de que aqui daremos notícia brevemente, filme já disponível entre nós em lançamento Lusomundo). Acontece agora, por enquanto ainda sem certeza de edição local, com o magnífico Dear Wendy, de Thomas Vinterberg (sim, o mesmo de A Festa e do soberbo teledisco No Distance Left To Run, dos Blur). Com argumento de Lars Von Trier, e produção da sua equipa na Dinamarca, Dear Wendy é um Dogville “em bom”, com sentido de corpo, espaço, vencendo o dispositivo teatral que até parecia interessante nesse filme de Von Trier, mas que acabou em (literal) massacre.

Tal como em Dogville estamos numa pequena cidade americana, da qual só conhecemos um largo central, uma mina em laboração e uma mina desactivada (estas naturalmente nas imediações do mesmo largo). Nesse largo moram ou cruzam-se todas as personagens, casas, lojas, locais de passagem, carros. Nesse largo encontramos Dick Dandelion (Jamie Bell), um rapaz tímido, um looser, cuja vida se cruza com a de outros espíritos desmotivados, gozados pelos colegas, relegados para as zonas de sombra de uma vida citadina onde, na verdade, nunca entra muita luz. Dick e o seu colega de trabalho num mini-mercado descobrem uma paixão mútua por armas de fogo e do seu potencial de aumento de auto-confiança pela simples presença de as ter por perto, no bolso das calças ou bata de trabalho. A eles juntar-se-ão outros loosers da cidade, todos eles escolhendo a sua arma, estudando-a, aprendendo a conhecer os seus efeitos. Lêem livros, vêem filmes, treinam num campo de tiro privado, tudo isto no espaço subterrâneo de uma mina abandonada. Auto-intitulam-se “dandies” e regem-se por um código de honra que autoriza o porte de arma, mas nunca a sua utilização fora da sede deste clube secreto. Até ao dia em que um acidente que lhes é exterior os coloca em confronto com a comunidade e, ao bom jeito de Von Trier, de uma sucessão de erros de comunicação e mal entendidos, a tragédia acaba por acontecer. Dear Wendy não quer ser um manifesto contra o livre porte de arma. Nem um estudo sobre a timidez patológica que se abate sobre franjas da população juvenil onde não mora a arrogância musculada dos dominantes. É apenas uma fábula (ostensivamente tida enquanto exercício de ficção, o que nos é sugerido pela claustrofobia não realista do espaço em que decorre a acção) na qual a ideia do mal-entendido e a não integração nos hábitos “banais” da sociedade dos “normais” são matéria prima para um filme absolutamente deslumbrante. E necessariamente perturbante. O DVD foi recentemente editado em Espanha, numa edição que infelizmente não nos permite “apagar” do ecrã as legendas de nuestros hermanos.
P.S. Junte-se ainda ao magnífico filme uma espantosa banda sonora essencialmente centdada em canções dos Zombies. Que mais se poderia pedir?

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