terça-feira, abril 04, 2006

'Blitz': Histórias na primeira pessoa

Ia a caminho do autódromo do Estoril, numa manhã de chuva, para ver a primeira sessão de treinos do regressado GP de Portugal de Fórmula 1 no final do Verão de 1984, cartaz de fabrico caseiro, em cartolina, a berrar “Keke Rosberg” nas mãos. E deram-me um flyer anunciando um novo jornal de música. Chamar-se-ia Blitz, com estreia apontada no mês de Novembro. Bela notícia, num país que ia lendo sobre música nos raros e importados (e caros) Melody Maker, NME ou The Face e, em português, no Se7e, Música & Som, na cada vez menos frequente Mundo da Canção, e aos sábados, no Som 80 (do Portugal Hoje), suplemento de resto na génese do Blitz.
O jornal chegou, Siouxsie na capa, e uma postura aberta às diversas frentes da música pop, com particular atenção para com a “música moderna portuguesa” (como então se chamava), acompanhando de perto desde então o nascimento, evolução (e às vezes morte) do que por cá se foi fazendo. Em pouco tempo o Blitz tornou-se indispensável e, juntamente com o Som da Frente de António Sérgio (na Rádio Comercial), o Rock Rendez Vous, mais tarde o jornal LP e mais alguns programas na rádio, contribuiu para o desenvolvimento de uma sólida cultura musical alternativa entre nós, da qual nasceram nomes de referência como uns Pop Dell’Arte, Mão Morta, Mler Ife Dada, entre muitos mais.
O Blitz passou a fazer parte ainda mais importante da minha vida a partir de 1992, quando, depois de uma conversa telefónica com o António Pires (então Chefe de Redacção) me apresentei na redacção na tarde seguinte, sala escura nas mais escuras ainda velhas instalações no Dafundo. Com o António, o Rui Monteiro (director), o Miguel Francisco Cadete, a Rita Duarte, a Cristina Duarte, a Cândida Teresa (directora gráfica), o Paulo Sardinha e a Quicas (designer), vivi as páginas daquele jornal sete dias por semana durante dois anos. Ali aprendi a ouvir discos de outra maneira, a equilibrar o novo com a memória. Escrevia em doses familiares (como sempre, eu sei), sobretudo nas áreas do hip hop e música de dança, com algumas incursões pela cena pop/rock alternativa, e um ou outro mergulho na memória pop. E sobre o Star Trek, dinossáurios (na fase Jurassic Park) e os demais sabores daquela semana. E quando não me deixavam escrever sobre o que queria, "metia" em página um pregão de contestação, à má fila, claro… Os pregões, de resto, passaram a ser revistos depois de um particularmente óbvio… Foram dois anos de formação pessoal fundamental, nos quais o jornal foi adquirido pelo grupo que actualmente o detém, e então substancialmente profissionalizado.
Saí do Blitz (para o DN) na semana da morte de Kurt Cobain. Mas o Rui Monteiro, que não nasceu ontem e já andava nisto há algum tempo, manteve a capa anteriormente marcada, e que assinalou o meu último trabalho para o jornal. Era uma entrevista com um promissor talento em tempo de estreia em disco e que prometia ser notícia esse ano e ali tinha a primeira capa, chamado… Pedro Abrunhosa.
Acompanhei sempre o jornal desde então. Nos melhores e nos piores dias. Das fases de equívocos (e por vezes quase desisti) às tentativas de inteligente reinvenção com o Pedro Gonçalves e, mais recentemente, o Miguel Francisco Cadete (cujo Blitz dava novamente prazer de ler).
Mas agora anuncia-se o fim. E uma revista como destino em Junho que, naturalmente, deverá procurar outros caminhos e abrangência, já que o aumento do número de vendas parece na mesa das prioridades. Mas é um projecto do Miguel, pelo que dele podemos esperar jornalismo musical (e talvez não só) sólido, sério e atento a vários públicos.
Mas o fim é triste, na sequência de um período difícil, descaracterizado e com inevitáveis quebras de vendas. Num país onde o jornalismo musical não existe (uns suplementos, mais página aqui e ali e uns blogues não fazem, por si, um meio), o Blitz era farol protagonista. A pedir outros rumos, alargamento de visão (e de públicos) há já muito tempo, é verdade. Mas, ainda, espaço determinante para a música ser notícia entre nós. Que venha a revista. Que seja o que o Blitz queria voltar a ser. Que empregue os seus jornalistas (apesar da ameaça dos despedimentos que sobre a maioria paira). Que faça da música notícia capaz de estimular mais que os telemóveis, as novelas com açúcar e afins, que isto de carpir males em velórios não vale a pena, se há nova vida anunciada.
Arriba avanti!

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