quarta-feira, dezembro 28, 2005

2 x Duras (hoje na Cinemateca)

Na história do cinema moderno, Marguerite Duras (1914-1996) ocupa um lugar único — como se tivesse edificado um país onde todos podemos circular mas que, em boa verdade, apenas ela conhece e pode dar a conhecer nas suas mais remotas significações. O impacto internacional da adaptação cinematográfica do seu romance O Amante (Jean-Jacques Annaud, 1992) terá sido importante para a sua divulgação junto de um público mais alargado; em todo o caso, tal adaptação não faz justiça ao radicalismo interior da sua escrita e à sua deslumbrada entrega aos desígnios mais insensatos do amor.
Daí a oportunidade magnífica de poder descobrir, na Cinemateca, dois dos seus filmes, por ela rodados a partir de um dos seus textos mais luminosos: India Song. Ao filmar India Song (1975) — na foto —, Duras criou uma espécie de nova música narrativa: é algo que passa pela espantosa banda sonora de Carlos D'Alessio, mas que se sustenta do paradoxo vivo das palavras, cristalinas e enredadas em repetições cada vez mais sedutoras e encantatórias.
De tal modo assim é que Duras decidiu "duplicar" o seu filme: conservando o texto tal e qual, mas dispensando os actores. Resultado: uma espécie de ópera ciciada em que a espessura das palavras circula pelas desencantadas ruínas dos cenários (ou pelos cenários entendidos como o resto que fica sempre por dizer). O título do filme retoma uma das frases mais célebres do livro: Son Nom de Venise dans Calcuttá Désert (1976) — e pode também ser visto na Cinemateca.
* Hoje na Cinemateca: India Song (19h30) e Son Nom de Venise dans Calcuttá Désert (22h00).