segunda-feira, setembro 05, 2005

Sufjan Stevens "Illinoise"

Há dois anos Sufjan Stevens lançou-se na megalómana aventura conceptual que deseja criar um álbum com um ciclo de canções para cada um dos 50 estados norte-americanos. Começou em terra segura, retratando paisgens, gentes, lugares e histórias do Michigan de onde é nativo. Agora, depois de um intervalo no ciclo conceptual assinalado em 2004 no álbum Seven Swans, no qual procurava antes reflectir sobre matérias de fé entretanto descoberta, Sufjan Stevens regressa ao seu mapa musical dos EUA com um soberbo disco dedicado ao Illinois. Se, formalmente, aceita os vectores definidos em Greetings From Michigan: The Great Lakes State, já estética e liricamente assume que, sendo a matéria prima diferente, a sua tranformação em canções deverá, necessariamente projectar concretizações distintas.
Com a lição bem estudada, revelando conhecimentos de geografia, hábitos, vidas e figuras do Illinois (e sem procurar nunca o registo fácil do guia turtístico feito de curiosidades e factos já estafados de tanto falados), Sufjan faz do disco um percurso livre por um terreno fértil em ideias e relatos. Passa por Abraham Lincoln, Frank Lloyd Wright, o fantasma de Carl Sandburg (que o visita num sonho) e mesmo o assassino John Wayne Gacy (este gerando uma das mais poderosas canções do álbum). Reflecte sobre avistamentos de ovnis sobre o Illinois, os trabalhadores do Rock River Valley, de zombies que o perseguem ou de Mary Todd que enlouqueceu. Retrata Chicago (na canção central do disco, um devaneio sinfonista de fazer inveja a Neil Hannon e que expressa a pujança de uma cidade economica e culturalmente activa) e Jacksonville (aqui visitando pontualmente memórias de Neil Young). Musicalmente o disco é um primor de versatilidade e ambição pictórica bem concretizada, ora bastando-se a voz da companhia de um banjo, ora aceitando a presença de uma orquestra, não escondendo o gosto por contaminações de além-pop e folk ora visitando a herança dos metais do jazz de Chicago, a escola Broadway ou o prontuário minimalista, cortesia Steve Reich (a faixa que fecha o disco quase parece uma respeitosa citação, condensada, a Music For 18 Musicians). A voz, como as palavras, são de subtil beleza, conquistando-nos pelo sentido e inteligência. O contista que Sufjan sonha em ser um dia, afinal, mora nestas canções.
Um sabor a teatro, com texto capaz de sustentar uma narrativa consequente e bem sequenciada, corre nas entrelinhas de Illinois, disco que como poucos mostra sagaz capacidade de evocar e materializar a lógica conceptual tantas vezes mal empregue. N.G. (excerto de crítica publicada a 12 de Agosto no DN:música)
SUFJAN STEVENS "Illinoise" (Rough Trade, 2005)

Se gostou, experimente
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Site oficial: www.sufjan.com