sábado, setembro 24, 2005

Cunningham "Days"

O escritor norte-americano Michael Cunningham tem mantido uma relação peculiar com o cinema. Isto porque dois dos seus romances deram origem a filmes marcados por um romanesco reminiscente do melhor classicismo de Hollywood: As Horas (Stephen Daldry, 2002, argumento de David Hare) e Uma Casa no Fim do Mundo (Michael Mayer, 2004, argumento do próprio Cunningham) — ambos os livros (e ainda Sangue do Meu Sangue) estão traduzidos em português, com a chancela da Gradiva.
Entretanto, não será de admirar que, um dia destes, o novo romance de Cunningham — Specimen Days, editado pela Farrar, Straus and Giroux — venha a ser transformado em filme. Quer isso aconteça, quer não, o certo é que estamos perante um prodigioso acontecimento literário, um desses livros que nos devolve ao mais radical pulsar da vida e nos faz querer responder à questão de como continuar a viver.
Tal como em As Horas, são três histórias que ecoam entre si, embora desta vez de modo autónomo e sucessivo: a primeira, situada há cerca de um século, em plena Revolução Industrial, reflecte o início das relações modernas homem/máquina; a segunda, na nossa actualidade, tem um espírito de thriller sobre um estranho bando terrorista; a terceira acontece, algures, no século XXII, e fala-nos de um futuro habitado por corpos fabricados e extraterrestres integrados — intitulam-se, respectivamente, In the Machine, The Children's Crusade e Like Beauty.
Cunningham escreve como se estivesse a refazer a vocação épica dos EUA, contemplando-a, agora, nas margens das suas crenças e ilusões, aí onde o concreto e o abstracto coexistem de modo inesperado e vertiginoso. Uma obra-prima, para ler com paciência, a uma velocidade que contrarie a lógica temporal do nosso dia a dia.
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