Editado em timing correcto, aproveitando a euforia que envolveu a terceira vista dos U2 a Lisboa, Bono por Bono não é uma biografia no mais convencional sentido do termo. É, antes, uma longa e cativante entrevista registada em episódios regulares entre 2002 e 2004 pelo jornalista francês Michka Assayas, que não esconde a já antiga e evidente relação de amizade e familiaridade com Bono. Ao longo de 350 empolgantes páginas, com fluência e ritmo, entre ideias e factos, ora a falar muito a sério, ora sob evidente facada de humor, a mais global das estrelas rock dos nossos dias fala de si, dos políticos com quem contacta (relata como conheceu Clinton, o que pensa de Bush, fala de visitas de Gorbachev a sua casa, com peluches para os filhos nos braços, e da reconhecida amizade com Blair, que decreve como um "bom guitarrista"), de activismo social, de religião (aqui centrando-se sobretudo na sua fé cristã e num desejo de ecumenismo), do casamento, da natureza humana, da infância, da perda dos pais, de como usa a fama como plataforma em favor de outros valores... e pontualmente, dos U2.A conversa é informal, todavia sempre correcta e frontal, revelando um homem com sólida visão do mundo e do seu lugar nele. Com o inevitável filtro que a primeira pessoa coloca quando dela se fala, não deixa de representar um dos mais completos retratos de uma figura que hoje transcende, pela visibilidade e acção, o universo da música em que nasceu e se afirmou. A tradução, correcta e atenta, optou pelo tratamento "tu-cá-tu-lá", procurando assim reforçar a familiaridade entre entrevistador e entrevistado. Uma opção discutível (a proximidade entre ambos não precisa do "tu" no texto original, cortesia da língua inglesa), mas que em nada diminui a verdade e eficácia do diálogo. N.G. (excerto de crítica publicada no DN a 3 de Setembro de 2005)
MICHKA ASSYAS, "Bono Por Bono" (Ulisseia, 2005)