![]() |
NANNA HEITMANN / Magnum Moscovo 26 Março 2020 |
segunda-feira, abril 13, 2020
Victor Skrebneski (1929 - 2020)
![]() |
[Auto-retrato] |
Brilhante retratista e fotógrafo de moda, o americano Victor Skrebneski faleceu no dia 4 de Abril, em Chicago, sua cidade natal — contava 90 anos.
Foi ao longo da década de 50 que se estabeleceu como um nome de referência, por um lado, captando o glamour da alta costura, por outro lado, assinando retratos de personalidades do mundo artístico, em particular do cinema e da música. Entre os seus retratos icónicos inclui-se o de Vanessa Redgrave que serviu de base ao cartaz do filme Isadora (1968), de Karel Reisz. Para o Festival Internacional de Cinema de Chicago fez muitos retratos de actores e realizadores — Orson Welles, Faye Dunaway, François Truffaut, etc. — celebrizados pelos cartazes oficiais do certame.
![]() |
Bette Davis (1972) |
![]() |
Town and Country Magazine (1990) |
>>> Obituário no Variety.
>>> Festival Internacional de Cinema de Chicago.
>>> Site oficial de Victor Skrebneski.
domingo, abril 12, 2020
Zemeckis reinventa os bonecos animados
![]() |
Steve Carell x 2 |
Com Bem-vindos a Marwen, o realizador americano Robert Zemeckis volta a mostrar as suas invulgares qualidades para aplicar os mais modernos efeitos especiais: o filme teve lançamento directo num canal televisivo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Abril).
Assim vai o mundo cinematográfico: a pandemia faz de nós espectadores absolutamente caseiros, o que, entenda-se, não anula as descobertas mais ou menos fascinantes. Por amargura ironia, esta nem sequer é uma estreia televisiva motivada pelo encerramento das salas de cinema: como em muitos outros países, Bem-vindos a Marwen (2018), de Robert Zemeckis, foi colocado directamente nos circuitos televisivos (podendo ser visto no canal TvCine Top).
O filme não será melhor nem pior por causa desta “despromoção” comercial. O certo é que, em sua defesa, não poderemos deixar de formular uma pergunta muito básica: será que chegámos a um ponto de atrofia da oferta do mercado que faz com que um nome consagrado e tão popular como Zemeckis — autor de grandes sucessos como a trilogia de Regresso ao Futuro (1985-89-90) ou Forrest Gump (1994) — já não encontre lugar nas salas escuras? A pergunta não procura “culpados”, antes carece de respostas que evitem moralismos fáceis, podendo ganhar especial pertinência quando voltarmos a consumir os filmes nessas mesmas salas.
Não simplifiquemos. Importa também acrescentar que Bem-vindos a Marwen é um objecto artisticamente “selvagem”, estranho aos valores actualmente dominantes no mercado global. Não há aqui heróis de videojogo, muito menos super-heróis a derrubar arranha-céus… “apenas” uma história delicada e comovente de um homem enredado num trauma brutal.
Na origem do filme está a personagem verídica de Mark Hogankamp, vítima de um violentíssimo ataque, no ano 2000, num bar, depois de confessar a cinco desconhecidos que gostava de usar elementos do vestuário feminino, em especial sapatos. A agressão deixou-o em coma durante 40 dias, saindo do hospital com escassas memórias da sua existência. De tal modo que inventou um universo de bonecos e pequenas construções — uma cidadezinha fictícia na Bélgica, durante a Segunda Guerra Mundial — que acabou por funcionar como um verdadeiro teatro “psicológico” para a reconstrução da sua identidade.
Zemeckis escreveu o argumento do filme com Caroline Thompson, tendo como ponto de partida um documentário sobre Hogankamp, realizado por Jeff Malmberg em 2010. E não deixa de ser sugestivo considerar que existe, aqui, uma paradoxal dimensão “documental” sobre tão singular ser humano: Zemeckis toma à letra as figurinhas que ele cria e fotografa, observando-as não como personagens de um mundo imaginário, antes como seres verdadeiros, concretos e abstractos, realmente animados, que habitam o mundo interior de Hogankamp.
Daí a sensação bizarra, visceralmente cinematográfica, de estarmos a penetrar num universo de radical surrealismo, mas também marcado por uma verdade afectiva e palpável, numa palavra, humana. A combinação da imagem de Hogankamp com os seus bonecos é tanto mais envolvente quanto Bem-vindos a Marwen aplica técnicas de figuração que confirmam Zemeckis como um dos mais ousados experimentadores de Hollywood: os efeitos especiais reflectem os recursos mais avançados da tecnologia, ao mesmo tempo preservando um gosto primitivo da manipulação dos objectos e das formas que faz pensar na herança de Georges Méliès.
Estamos a falar, afinal, do cineasta que dirigiu Quem Tramou Roger Rabbit? (1988), filme charneira na história moderna da figuração dos corpos, combinando de modo fulgurante os actores humanos e as personagens de desenhos animados. Bem-vindos a Marwen é uma nova derivação da sedução simbólica desse universo, não por acaso oferecendo-nos um Hogankamp que resulta da inclassificável sofisticação de um actor também para lá das normas — é ele Steve Carell, cómico e dramático, humano em todos os detalhes.
sábado, abril 11, 2020
Sting + The Roots + Jimmy Fallon
Foi o primeiro single de Zenyatta Mondatta, terceiro álbum dos Police: lançada há quase 40 anos (Setembro 1980), a canção Don't Stand So Close to Me, sobre a indevida proximidade de uma aluna e o seu professor, adquire agora, com as regras da distância social, um divertido suplemento de significação. Aí está o festivo resultado de tal ambivalência: no seu The Tonight Show feito a partir de casa, Jimmy Fallon reuniu Sting e os elementos de The Roots para uma exuberante performance — o resultado é um video de doze quadradinhos.
sexta-feira, abril 10, 2020
Alison Mosshart, solo
Não, não é o reencontro com The Kills (cujo último registo, o EP Echo Home - Non Electric, data de 2017). Mas não nos podemos queixar: temos direito a metade de The Kills, ou seja, Alison Mosshart. Não está Jamie Hince. Mas também não surgem Jack White e os outros companheiros de The Dead Weather. Esta é uma estreia a solo — chama-se Rise e tem energia rock q.b., temperada com a elegância terna e cruel que tão bem conhecemos. Uma boa notícia, enfim. E outra, tão boa ou ainda melhor: Mosshart e Hince estão a trabalhar num novo álbum.
Luís Noronha da Costa (1942 - 2020)
![]() |
[ FOTO: Global Imagens/JN ] |
A sua obra pictórica faz dele um dos maiores criadores portugueses da segunda metade do século XX: Luís Noronha da Costa faleceu no dia 9 de Abril, no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, após doença prolongada — contava 77 anos.
O arranque da sua pintura é indissociável, porque contemporâneo, da sua formação em arquitectura na Escola Superior de Belas Artes. No limite, pode mesmo dizer-se que a sua trajectória — das convulsões da água (na série 'Mares Portuguesas') até às muitas personagens romanescas em estado de perdição figurativa — se deixa resumir numa interrogação de natureza arquitectónica: como encontrar um espaço de expressão e sensualidade, algures entre a (des)ordem do mundo visível e a vocação transcendental da própria tela?
Certamente não por acaso, Noronha da Costa desenvolveu nos seus quadros uma pesquisa, de uma só vez formal e existencial, em que a presença de ecrãs, explícitos ou imaginados, constitui um decisivo factor de amostragem e ocultação, construção e desconstrução. Próximo de Jean-Luc Godard, que reconhecia como um dos seus mestres — tal como o inglês Terence Fisher, derradeiro romântico a servir-se das convenções do género de terror —, sempre se interessou pelo cinema, inclusive através da realização (lembremos O Construtor de Anjos, 1978). Em última instância, a fulgurante serenidade da sua obra nunca foi tão actual — Noronha da Costa pergunta-nos o que vemos, como vemos, como aprendemos a ver, como podemos reaparender a libertar o olhar.
![]() |
1982 — Mar Português (da série 'Mares Portugueses') |
![]() |
1973 — S/Título |
![]() |
1971 - Composição |
![]() |
1964 — S/Título (Branco) |
>>> Exposição de 2003 no CCB [reportagem de João Almeida / SIC, 01-12-2003].
>>> Obituário no Sapo24.
>>> A Representação das Imagens, livro de Bernardo Pinto de Almeida.
quinta-feira, abril 09, 2020
O medo aqui tão perto
O clássico M - Matou, de Fritz Lang, persiste como um testemunho perturbante da Alemanha do começo da década de 1930, ao mesmo tempo que a sua abordagem do medo continua a ecoar nos espectadores que somos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 Abril).
Reencontrei, há dias, a imagem de Peter Lorre, interpretando o assassino de crianças na obra-prima de Fritz Lang, M - Matou (1931), o seu primeiro filme sonoro. A partir do momento em que, num espelho, vê que alguém desenhou a letra “M” nas costas do seu sobretudo, a personagem de Hans Beckert descobre-se habitada por um medo radical. Porquê? Porque sabe assim que outras personagens já pressentiram a sua condição de assassino (“Mörder”) e, mais do que isso, porque uma simples letra o transformou em símbolo ambulante dos seus próprios crimes.
![]() |
Fritz Lang |
O medo de Beckert é um fascinante objecto narrativo. E, não tenhamos dúvidas, um instrumento fulcral no edifício moral de Lang, aliás expondo uma ambivalência dramática que iria contaminar vários títulos admiráveis do seu período em Hollywood, incluindo Fúria (1936) O Segredo da Porta Fechada (1947) e A Verdade e o Medo (1956).
Que acontece, então? Abominamos os crimes de Beckert, ao mesmo tempo que sentimos o seu medo como entidade palpável, humana, insuportavelmente humana. Não por acaso, M - Matou viria a inscrever-se no imaginário cinéfilo — e, mais do que isso, nas memórias da Alemanha do começo da década de 30 — como um objecto premonitório da ascensão do nazismo. O que nele vemos não é, porém, qualquer “figuração” do poder nazi, antes a exposição de um estado das coisas em que o medo circula como uma verdadeira moeda de troca comunitária, cristalina e perversa: cada um reconhece o outro como peça do mesmo xadrez em que se joga o jogo do medo, sem que ninguém saiba muito bem qual o seu lugar no tabuleiro social, que movimentos pode ou deve executar.
Os registos históricos recordam-nos que Lang estava longe de ser um simples observador dessa teia social e política enredada em muitas formas de medo. Em meados de 1933, pouco tempo depois de o ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, o ter convidado para dirigir os célebres estúdios da UFA, acabaria mesmo por deixar a Alemanha, primeiro para Paris (onde ainda rodou Liliom, datado de 1934), depois para os EUA (estreando-se em Hollywood com o citado Fúria, protagonizado por Spencer Tracy e Sylvia Sydney).
O envolvente poder emocional de M - Matou transcende a sua condição fundamental de testemunho de uma época, inclusive na genial utilização dos recursos nascentes do cinema sonoro. O tratamento do medo é tanto mais efectivo sobre a nossa condição de espectadores quanto o sentimos, não como uma abstracção teórica, antes como um elemento visceral da história de Beckert. Dito de outro modo: ele é o monstro que faz medo, e é também um monstro que tem medo.
É bem possível que a história dos filmes, em paralelo com a história das sociedades, possa ser percorrida como um sistema de variações sobre o medo, suas figuras, efeitos, imaginários e imaginações. Penso, por exemplo, em momentos emblemáticos da atribulada década de 70 como Tubarão (1975), de Steven Spielberg, ou Alien - O Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott.
Para lá de tudo aquilo que os distingue, por ambos perpassa o mesmo desencantado esgotamento de qualquer imagem redentora da mãe Natureza: no primeiro caso, com a sua expressão mais poderosa (tubarão) a expor a vulnerabilidade dos humanos; no segundo, levando essa vulnerabilidade ao ponto de o corpo humano poder acolher o próprio objecto (“alien”) do medo.
Receio que muitas generalizações correntes, a começar pela que define o medo como “tema” exclusivo do género de terror, sejam inadequadas para dar conta destas nossas relações com o medo cinematográfico. De facto, não parece suficiente encarar o medo como algo que seja gerado, ou esteja ligado, a “objectos” específicos — por exemplo, a obra de um cineasta tão genial como Alfred Hitchcock pode ser vista como um conjunto de variações sobre o vazio de que o medo nasce, ou onde se pode instalar.
O que encontramos em filmes como M - Matou é, afinal, essa proximidade do medo como “coisa” que não existe como uma excepção da identidade humana, antes como uma presença que nunca nos abandona. Saber e partilhar tal reconhecimento, eis uma arte difícil para a qual alguns filmes nos convocam.
quarta-feira, abril 08, 2020
Randy Newman em quarentena
Dias de COVID-19: Randy Newman escreveu uma canção de quarentena, para a quarentena — uma bela história de amor em que a ordem para "ficar longe" tem a suavidade de uma carícia.
>>> Venus in sweatpants. That's who you are. And when this mess is over. I'll buy you a car. We'll drive that car. So fast and so far. All your stupid friends. Will be left behind. Stay away from me. Baby, keep your distance, please. Stay away from me. Words of love in times like these. I'm gonna be with you 24 hours a day. A lot of people couldn't stand that. But you can. You'll be with me 24 hours a day. What a lucky man I am. Stay away from me. Wash your hands. Don't touch your face. How do you like that. Wash your hands. Don't touch your face, I saw you. Thirty years together. And we're still having funOnce we were two, now we are one. Let's go out and get a burger. When you're done, you're done. Memories of the past. Be kind to one another. Tell her you love her every day. If you're angry about something, let it go. If the kids are frightened, tell them not to be afraid. But don't let them touch your face. Don't let them touch your face. All right. Thank you very much.
Godard no Instagram
Assim se faz a história — do cinema, das imagens, para lá do cinema e das imagens, aí onde a escolha de uma linguagem envolve uma postura existencial, uma hipótese política, uma reconfiguração dos modos de existir, pensar e fazer política. Dito de outro modo: Jean-Luc Godard acedeu às delícias do Instagram, mantendo um diálogo de um pouco mais de hora e meia na conta da ECAL [École Cantonale d'Art de Lausanne]. Conversando com Lionel Baier, responsável pelo departamento de cinema da ECAL, Godard dissertou a partir da nossa situação de confinamento, lembrando sempre a escassez da língua para dar conta dos nossos actos e, por isso mesmo, a importância do gesto como algo que está além (ou aquém) da palavra. Além do mais, ficámos a saber que Niépce é assunto do seu próximo filme. Eis um novo objecto: filme-telefonema-lição.
"Quarentinamente Apaixonado"
— Portugalex
Hélas! Para mal dos nosso pecados, alguém se esqueceu de fechar a porta das traseiras e, para lá do seu devastador poder audiovisual, as novelas triunfaram como uma das instituições mais influentes na nossa identidade cultural, escapando a qualquer gestão ministerial, aliás suscitando a apoteótica indiferença de todas as sensibilidades políticas — já lá vão 43 anos...
Para combater tão pesada rotina, eis "Quarentinamente Apaixonado", ficção realmente profilática, não apenas pedagógica em tempos de COVID-19, mas também invocando a magna inspiração de Shakespeare — é mais um maravilhoso episódio de Portugalex [Antena 1].
Subscrever:
Mensagens (Atom)