segunda-feira, setembro 24, 2012

Amy Winehouse: memórias da BBC

Vai ser, por certo, uma das edições marcantes do final de 2012: uma colecção de três DVD e um CD contendo os registos de Amy Winehouse na BBC e para a BBC — inclui algumas das primeiras performances da cantora, entrevistas, "covers" e interpretações ao vivo inéditas, além de um livro apresentado por Nas, com um depoimento do produtor Mark Cooper e notas assinadas por Dan Cairns, de The Sunday Times. Os direitos de autor das vendas revertarão para a Fundação Amy Winehouse — eis o material de divulgação de Amy Winehouse at the BBC, nas lojas a partir de 12 de Novembro.


>>> Site oficial de Amy Winehouse.
>>> Site oficial da Fundação Amy Winehouse.

domingo, setembro 23, 2012

Uma coisa chamada Divine Fits

O título do seu primeiro álbum, A Thing Called Divine Fits, assenta-lhes especialmente bem: os Divine Fits são uma coisa que parece ter sobrado das atribulações de um rock indie que teima em preservar os laços com a atitude visceralmente independente de outras coisas como os Dinosaur Jr. ou os Spoon. Não por acaso: um dos seus membros, Britt Daniel, vem dos Spoon. E os outros dois têm também um passado exemplar na tribo dos "não-alinhados": Sam Brown, nos New Bom Turks, e Dan Boeckner, nos Wolf Parade e Handsome Furs. Este é um registo do Late Night With Jimmy Fallon, com a canção Would That Not be Nice.


>>> Site oficial dos Divine Fits.

Prokofiev, em tempo de guerra

A Sinfonia Nº 5 e a suite O Ano 1941, de Prokofiev, em gravação pela Orquestra Sinfónica de São Paulo, dirigida por Marin Alsop.

Num estado que domina a vida de tudo e todos, inclusivamente a de quem cria arte, o tempão pode fazer silêncio sobre o que decide não mostrar. Mas não apaga as vozes que resolve calar. Por isso, apesar de silenciada durante anos a fio pelo regime soviético, impedida de ser apresentada e gravada, e gravada, a suite sinfónica O Ano 1941, de Sergei Prokofiev é hoje propriedade intelectual da humanidade.

Recuemos no tempo. Em 1941, perante o avanço das tropas alemãs, muitos artistas foram levados para zonas mais distantes da frente. Prokofiev foi um dos muitos que por um tempo encontrou nova casa no Cáucaso, onde cria uma suite onde sugere um retrato daqueles tempos. Peça relativamente curta, em três andamentos, sugerindo um lirismo que chamou algumas críticas (nomeadamente do compatriota Shostakovich, que pela mesma altura trabalhava na Sinfonia Nº 7 que, com outro fulgor, retrata o mesmo tempo, mas segundo um ponto de vista de resistência, numa Leningrado cercada e assombrada pelo medo, a escassez de recursos e o isolamento). Acusada de formalismo, como tantas obras de tantos outros compositores da época por um sistema que via a arte como elemento de um processo político, a suite viveu silenciada, o que não impediu o tempo de a recuperar. Prokofiev, que morreu em 1953 no mesmo dia em que Estaline, não conheceu já o levantar de algumas amarras, mas hoje esta e tantas outras obras são peças que se juntam no retrato de uma obra que reconhecemos ser central na música do século XX.

A maestrina Marin Alsop grava esta suite com a Orquestra de São Paulo, no ano em que se estreia como sua dirigente principal. E para completar o alinhamento junta a magnífica Sinfonia Nº 5 do mesmo compositor, composta ainda em tempo de guerra e estreada em 1944 no Conservatório de Moscovo.

Queer Lisboa 16 - dia (3)

Terceiro dia do Queer Lisboa 16, propõe hoje, entre a programação, a repetição de Weekend, de Andrew Haig (17.00 – Sala Manoel de Oliveira), que foi o filme de abertura do festival na noite de sexta. Ainda hoje é mostrado um panorama de telediscos de 2011 e 2012 (18.00 – Sala Montepio, com entrada gratuita), com apresentação pelos autores deste blogue. E o filme Joshua Tree, 1951: A Portrait of James Dean, de Matthew Mishory (22.00 – Sala Manoel de Oliveira).

Nem só de verão viveram os Beach Boys (5)

Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.

A reunião de peças soltas de Smile e versões novamente gravadas (e menores) de algumas canções originaram em finais de 1967 o inconsistente Smiley Smile, o álbum que finalmente viu a luz do dia em 1967. Que em nada correspondeu à visão imaginada e representou o maior fracasso comercial até então vivido pelo grupo. A derrota no confronto direto Sgt. Peppers dos Beatles e, sobretudo, a recusa em atuar no Monterey Pop Festival, ditaram um estatuto nada favorável aos Beach Boys. O desvio de atenções da nova música californiana de Los Angeles para San Francisco e o aparente não alinhamento da banda com um novo mapa de contestação juvenil aprofundou o fosso com o grande público americano. Ao ponto de em 1968, perante Friends, um disco simples, mas que representa uma das mais belas coleções de canções do grupo na etapa pós-Smile, o disco não ter subido acima do número 126 na tabela de vendas.

Apesar de alguns (e muito poucos) episódios pontuais, a obra dos Beach Boys tornou--se inconsequente depois do final da década que os viu nascer. Em 1970 encetam nova etapa na sua vida editorial (através de um acordo da sua Brother Records com a Reprise Records) com Sunflower, que tenta abrir vários horizontes de trabalho, e lembra pontualmente em This Whole World o génio de Brian Wilson. De 1971, Surf’s Up (que tem como tema-título uma das canções nascidas nas sessões de Smile) é o último disco verdadeiramente interessante na obra do grupo, da restante produção de 70 destacando-se apenas os resultados comerciais de 15 Big Ones (que corresponde também ao primeiro álbum produzido por Brian Wilson desde Pet Sounds e é o primeiro disco de originais depois da antologia de 1974 Endless Summer, que foi três vezes platina nos EUA).

Depois, segue-se um vazio criativo, aos poucos a banda transformando-se num cliché de si mesma, pensado todavia segundo o menor denominador que é a sua imagem de praia, festa e verão dos primeiros tempos. Sobre M.I.U. Album, de 1978, Dennis Wilson (que em 1977 tinha editado a solo Pacific Ocean Blue, um dos melhores discos criados por elementos da banda nas suas carreiras a solo) chegou mesmo a afirmar que era um constrangimento.

Apesar do pontual e estrondoso êxito comercial de Kokomo (1988), tornaram-se progressivamente quase invisíveis, até que, depois do flirt com a country de Stars and Stripes Vol. 1, de 1996, resolvem colocar um ponto final. Dando o dito por não dito já este ano com That’s Why God Made The Radio, um disco que reúne a formação clássica (salvo Dennis e Carl, que morreram respetivamente em 1983 e 1998), mas que mais não fez senão revisitar memórias e modelos. Conseguindo mesmo assim ser o seu “melhor” disco desde meados dos anos 70!

Hoje, se as memórias das canções de praia e surf dos primeiros anos são clássicos globalmente reconhecidos, álbuns como Pet Sounds ou o finalmente (re)descoberto Smile ganharam estatuto de respeitada referência, ao mesmo tempo que discos como The Beach Boys Today!, Friends ou Surf’s Up esperam pelo momento em que, também eles, terão direito a um merecido aplauso mais visível. Os Beach Boys perderam a capacidade de agir sobre o mundo (o da música e o de quem a escuta) com a chegada dos anos 70 e grande parte da sua discografia posterior a 1967 é risível. Mas 50 anos depois do álbum de estreia Surfin’ Safari, a banda que saiu um dia de uma casa em Hawthorne para gravar uma canção sobre surf está novamente viva. E mesmo ciente de que não voltará a inventar (como Brian fez entre 65 e 67), sabe, pelos feitos dos anos 60, que tem um lugar merecido no Olimpo da história da música popular.

Sob os horrores da "Casa dos Segredos"

A actualidade televisiva faz-se tanto de algumas séries brilhantes como da violência discursiva da Casa dos Segredos (sobre a qual os nossos comentadores políticos mantêm um lamentável silêncio...) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Setembro), com o título 'Algum realismo televisivo'

1. A série Wallander (AXN Black) é um curioso exemplo de transposição cultural. Estamos perante um genuíno produto britânico, com chancela da BBC, acompanhando o quotidiano do inspector da polícia Kurt Wallander; ao mesmo tempo, a série preserva as paisagens e referências da sua origem sueca, já que se trata de uma adaptação dos livros de Henning Mankell, por sua vez na base de uma série e vários filmes de produção sueca. A composição de Kenneth Branagh (também produtor executivo) concentra o essencial da dramaturgia realista: Wallander é um homem marcado pelas convulsões da sua história pessoal, em particular pela dependência do álcool, projectando nos casos em que trabalha as marcas de muitos anos de desencanto. Daí a subtileza: quando mais nos entranhamos num enigma policial, mais participamos do desnudamento psicológico do protagonista.

2. A quinta temporada de Mad Men (RTP2) é uma sucessão de admiráveis exercícios de revisão do imaginário, não apenas da publicidade, mas de toda a década de 1960. Nunca, em nenhum momento, a série cai no pecado (muito televisivo) de tratar as referências históricas como sinais de um pitoresco mais ou menos nostálgico. Desde a música dos Beatles até à evolução dos carros Jaguar, passando pelas metódicas variações do vestuário, cada elemento faz parte de uma teia eminentemente realista de ideias e sentimentos. E é também por causa do seu realismo que, não poucas vezes, Mad Men integra com admirável contundência as forças do sonho e as hipóteses de assombramento.

3. A Casa do Segredos (TVI) regressou com os horrores de um imaginário que consagra o arrivismo torpe, a manipulação moral e a obscena instrumentalização da sexualidade, tudo sem o mínimo de respeito pela dignidade humana. Massacrando os cidadãos com este tipo de narrativas, alimenta-se uma dependência consumista, mas não se pode esperar a construção de uma verdadeira comunidade de espectadores. Já era altura de os comentadores políticos dizerem alguma coisa sobre esta hecatombe (política, precisamente). A crise também é isto.

sábado, setembro 22, 2012

Marilyn: memórias cruzadas (2/3)

Marilyn Monroe faleceu há meio século... Em boa verdade, as suas memórias e imagens estão sempre a reaparecer, como se nunca soubéssemos encerrar a sua história — este texto foi publicado no suplemento "QI", do Diário de Notícias (15 Setembro), com o título 'A inocência perdida de Marilyn Monroe'.

[ 1 ]

André de Dienes (2) nunca se casou com Norma Jeane. Mas talvez se possa dizer que foi com ele, através das suas fotografias, que nasceu Marilyn Monroe. Nos EUA desde 1938, a trabalhar para a Esquire e a Vogue, terá visto na “menina-mulher” que era Norma Jeane uma promessa de glamour e, no limite, um sonho radical de Hollywood e para Hollywood.
Quando os dois empreenderam a sua primeira viagem, em 1946, não se pode dizer que qualquer um deles soubesse que destino procurar. Dito de outro modo: mesmo que pelas suas cabeças passasse a miragem de Hollywood (e podemos ter a certeza que passava...), não havia maneira segura de saber em que modelo encaixar Norma Jeane. Nas suas memórias, publicadas no duplo álbum Marilyn (Taschen, 2011), Dienes recorda o seu projecto de um livro de “nus artísticos” e evoca o primeiro encontro com Norman Jeane, uma das candidatas a seu futuro modelo. Descreve a figura angelical que lhe apareceu (“um anjo terreno e sexy!”), mas a chave de tudo estará nas palavras que abrem o seu relato: “A realidade pode ser mais estranha que a ficção.”
Em 1946, fotografada por Dienes nas paisagens da célebre Route 101, a norte de Hollywood, Norma Jeane era, de facto, uma nova realidade iconográfica e, por certo, também um novíssimo apelo de ficção. Aquela rapariga de sorriso aberto e cristalino, sem poses ambivalentes ou subentendidos pecaminosos, não se confundia, por exemplo, com o glamour frio, hiper-clássico, de Lana Turner (3), uma das estrelas desse mesmo ano através da sua inesquecível ‘Cora Smith’ em The Postman Always Rings Twice (O Destino Bate à Porta), sob a direcção de Tay Garnett.
Além do mais, outro sucesso do ano, Os Melhores Anos da Nossa Vida, de William Wyler, que os Oscars viriam a consagrar alguns meses mais tarde, pouco ou nada tinha a ver com os labirintos do glamour e da sedução: com um par eminentemente tradicional – Myrna Loy e Fredric March –, o seu programa era simultaneamente afectivo e ideológico, tentando reavaliar as feridas da Segunda Guerra Mundial através das memórias cruzadas de três militares.
É certo que 1946 foi também o ano de Gilda, um delírio romanesco (não necessariamente romântico) em que Charles Vidor dirigia Rita Hayworth (4) na personagem que lhe deu um lugar eterno no panteão feminino de Hollywood. Ou ainda de Duelo ao Sol, de King Vidor, variação surreal sobre as regras tradicionais do western, contaminado por um erotismo “diabólico” que começa na mítica performance de Jennifer Jones. Seja como for, a Marilyn que estava a nascer nas fotografias de Norma Jeane não se confundia com nenhuma dessas emblemáticas figuras femininas do entertainment do pós-guerra.
Numa frase que entrou para a lenda, Rita Hayworth definiu assim a cruel ilusão gerada pela femme fatale que interpretou: “Os homens vão para a cama com Gilda e... acordam comigo.” Norma Jeane, fotografada por Dienes, era uma promessa, se não de mais realismo, em todo o caso de uma outra realidade: para além da ânsia cega do desejo, aquela mulher, ainda exibindo as résteas de uma alegria infantil, parecia prometer a cada olhar masculino não deixar de ser igual a si própria.
Talvez seja inevitável sublinhar que, entre as fotografias de André de Dienes e o filme final de Marilyn Monroe – The Misfits/Os Inadaptados (1961), de John Huston (5) –, aquilo que se perde não é exactamente a inocência, mas a crença na sua possibilidade.
Tinham passado apenas 15 anos sobre o encontro de Norma Jeane com Dienes. Mas foram 15 anos, ao mesmo tempo fulgurantes e terríveis, em que o mundo se foi abrindo a todas as ilusões e desilusões que desembocaram nas convulsões dos sixties, com Hollywood a viver a amarga desagregação da sua arquitectura clássica. E tudo isso vivido com um desencanto francamente pouco poético: as mais populares figuras femininas do cinema no ano da morte de Marilyn (1962) já não pertenciam à galeria etérea de Gilda ou Rita Hayworth. Nada disso: num dos maiores sucessos do ano, o muito negro Que Teria Acontecido a Baby Jane?, Robert Aldrich filmava duas estrelas vindas dos primórdios do cinema sonoro – Bette Davis e Joan Crawford –, encenando-as como fantasmas quase burlescos do seu próprio envelhecimento.

(2) ANDRE DE DIENES (1913-1985) – Nascido em Turia, Transilvânia (actual Roménia), começou como fotógrafo, em França, trabalhando para o jornal L’Humanité, do Partido Comunista, e a Associated Press. A viver nos EUA a partir de 1938, fotografou muitas celebridades de Hollywood, incluindo, além de Marilyn, Marlon Brando, Henry Fonda e Jane Russell.

(3) LANA TURNER (1921-1995) – Um dos símbolos mais puros do glamour clássico de Hollywood. Além de O Destino Bate à Porta, entre os seus títulos mais célebres incluem-se Os Três Mosqueteiros (George Sidney, 1948), Cativos do Mal (Vincente Minnelli, 1952) e Imitação da Vida (Douglas Sirk, 1959).

(4) RITA HAYWORTH (1918-1987) – Dois filmes bastaram para lhe conferir um lugar na mitologia de Hollywood: Gilda (1946) e A Dama de Xangai (1947), este um exercício de ternura e crueldade em que o realizador Orson Welles (então seu marido) desmonta a imagem de Gilda. Sangue e Arena (1941), de Rouben Mamoulian, e Pal Joey (1957), de George Sidney, são outros momentos marcantes da sua filmografia.

(5) JOHN HUSTON (1906-1987) – Um dos mestres clássicos de Hollywood, autor de títulos tão célebres como Relíquia Macabra (1941), O Tesouro de Sierra Madre (1948) ou A Rainha Africana (1951). Dirigiu Marilyn Monroe num dos seus primeiros pequenos papéis, em Quando a Cidade Dorme (1950).

Depeche Mode, 1987

Há 25 anos, em setembro de 1987, este single anunciava a edição de Music For The Masses, um dos melhores discos da obra dos Depeche Mode. 25 anos depois recordamos o teledisco que então acompanhou Never Let Me Down, uma das primeiras colaborações do grupo com o realizador e fotógrafo Anton Corbijn.

Queer Lisboa 16: dia 2

Segundo dia 16ª edição do Queer Lisboa, que decorre até dia 29 no Cinema S. Jorge. Entre a programação da Sala Manoel de Oliveira para o dia de hoje contam-se os filmes North Sea Texas, de Bravo Defurne (17.15), o documentário Marina Abramovic - The Artist Is Present, de Mathew Akers (19.30) e ainda Keep The Lights On, de Ira Sachs (22.00). Este último foi o vencedor do Teddy Award para Melhor Longa Metragem de Ficção na edição deste ano da Berlinale.

Podem ver aqui a restante programação para o dia de hoje.

Nem só de verão viveram os Beach Boys (4)

Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.

Em finais de 1965, com o grupo novamente na estrada e já com Bruce Johnston (18) integrado no coletivo, Brian Wilson tem pela frente terreno livre para se entregar ao seu maior desafio até então. Encara o estúdio como laboratório e, ciente de que as letras de Mike Love não servem o conceito que procura, encontra novo parceiro de escrita em Tony Archer, que escrevia essencialmente textos para jingles. Quem lho apresentou foi, uma vez mais, Loren Schwartz. E, como recorda Bryan Hoskins, inicialmente Archer não se mostrou muito impressionando pelo “misticismo marshmallow” de Brian Wilson, mas ficou encantado pela beleza das composições. (19)

Grande parte da etapa de composição decorreu entre dezembro de 1965 e janeiro de 1966. Ainda sem os arranjos mais elaborados que chegariam depois ao disco, as canções não só sugeriam novos caminhos nas formas como as palavras estavam definitivamente longe de cantar os sonhos de praia e sol que haviam feito a sua agenda cinco anos antes. Mas nem tudo foram rosas.

Brian continuou a trabalhar nas canções, do seu entendimento com Tony Archer nascendo gradualmente um corpo de temas que definiria uma noção de ciclo concetual, refletindo sobre os dramas e ansiedades da transição da juventude para a vida adulta, os desafios do futuro e a natureza do amor... A tal coesão que Brian tanto admirara em Rubber Soul ganhava forma num disco dos Beach Boys.

Entre fevereiro e março, em nova intensa série de sessões, Brian grava os instrumentais, juntando em estúdio alguns músicos que tinham trabalhado com Phil Spector (20). À experiência e à capacidade técnica (dos instrumentistas e do staff do estúdio) juntou então a vontade em experimentar, o que lhe abre portas a novas descobertas e ideias, com resultados depois bem visíveis em disco. O seu cão ouve-se em Caroline No (presença que acabaria por sugerir o título para o álbum). E em Pet Sounds Brian usa uma lata de Coca-Cola para definir o ritmo.

O “milagre de Pet Sounds está na sua música e nas suas letras, que são simultaneamente simples e espantosamente complexas, assim como são capazes de gerar uma certa assombração logo depois” (21), diz Jim Fusili, que explica que este é um disco não apenas sobre os medos, as aspirações, os sonhos e as desilusões de Brian, mas do ouvinte também. Sugere ainda que Tony Archer conseguiu ter uma palavra a dizer no quadro do conceito temático, muitas vezes acabando por ser capaz de interpretar os sentimentos do músico. E defende que Pet Sounds traduz uma noção de desconforto do próprio Brian Wilson face ao mundo, onde não tem a mesma capacidade de controlo que conhece quando está no estúdio. (22) Dennis Wilson reconheceu o carácter profundamente pessoal que Pet Sounds representou para o irmão. “As pessoas achavam que o Brian era um tipo alegre até ele começar a editar aquelas canções mais pesadas, de busca pessoal, no Pet Sounds e por ali... Mas aquele material estava mais perto da sua personalidade e perceções.” E acrescenta que, com Pet Sounds, o irmão “foi capaz de organizar os seus pensamentos a um ponto em que eles se tornaram hipnóticos, mas ainda assim capazes de entreter, de ter significado e espiritualidade” (23).

Pet Sounds é, na essência, mais um álbum a solo de Brian Wilson com os Beach Boys que um disco da banda. Nenhum dos músicos tocou instrumentos, a sua contribuição limitando-se à prestação vocal, sob as ordens exigentes do “maestro” Brian. Procurando uma ideia, aperfeiçoando take atrás de take, obrigando a repetições e mais repetições, como de resto as sessões de gravação entretanto disponibilizadas em disco tão bem documentam.

Uma expressão evidente desse protagonismo de Brian Wilson ganhou forma na edição, em março de 1966, de Caroline No como single editado em nome do músico. Foi um fracasso nas vendas, mas em nada demoveu Brian de continuar a criar a música segundo a visão que imaginava para o álbum. Apesar de hoje reconhecido como a obra-prima do grupo e um dos maiores discos da história da música popular, Pet Sounds não foi coisa pacífica. Internamente gerou controvérsia (Mike Love não gostou da nova orientação da música (24)). E a editora, como descreve Brian Hoskins, entrou em “pânico”, e lançou um best of no que parecia uma operação de controlo de danos esperados... Mas Pet Sounds esteve longe de ser um desastre. Não repetiu inicialmente o patamar de vendas de álbuns anteriores do grupo. Mas gerou dois singles de considerável sucesso – Sloop John B e Wouldn’t It be Nice –, atingiu o top 10 e esteve 21 semanas entre os 40 mais vendidos. No Reino Unido, onde foi acolhido com outro entusiasmo, valeu mesmo ao grupo ser considerado a banda do ano pelo jornal de música NME, ultrapassando inclusivamente os Beatles. De tal forma que contribuiu para inspirar o seu passo seguinte: o clássico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. E é o próprio George Martin (produtor da maioria dos discos dos Beatles, inclusivamente desse clássico de 1967) quem o reconhece: “Sem Pet Sounds o Sgt. Pepper não teria acontecido. Revolver fora o princípio de tudo aquilo. Mas o Sgt. Peppers foi a tentativa de igualar o Pet Sounds.” (25) Por seu lado, Paul McCartney, que é frequentemente citado como um dos maiores admiradores do álbum, partilhou memórias numa reedição de Pet Sounds: “Aqueles primeiros discos surf... Estava ciente deles como banda, e até gostava, mas não me interessavam por aí além... Era um belo som... Admirávamos o canto, aquelas vozes em falsetto e as letras muito californianas... Foi mais tarde. Foi com Pet Sounds que me arrebataram. Em primeiro lugar pela escrita do Brian.” (26)

18 – Bruce Johnston (n. 1942) Juntou-se aos Beach Boys para tocar inicialmente nos concertos em 1965, acabando por integrar a banda. 
19 - in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 106 
20 – Phil Spector (n. 1940) Autor e produtor norte-americano, criou novas técnicas de trabalho e captação de som em estúdio. Era um dos músicos que Brian Wilson mais admirava nos anos 60. 
21 – - in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 11 
22 – ibidem, pág 69 
23 – in 'The Making of Pet Sounds', livro que integra a caixa 'Pet Sound Sessions' 
24 – O mesmo Mike Love tinha já reagido à letra de Hang on To Your Ego, na qual criticou o que reconhecia como uma sugestão de que era positiva a ação sobre o ego das drogas alucinogénicas. A letra acabaria por ser mudada, com nova versão assinada por Terry Sachen (que na época era road manager da banda), e a canção ganharia forma definitiva como I Know There's An Answer (se bem que na reedição em CD de 1990 a versão original seria finalmente editada, como faixa bónus). 
25 - in 'The Making of Pet Sounds', livro que integra a caixa 'Pet Sound Sessions', pág 120 
26 – ibidem, pág 123