terça-feira, setembro 01, 2015

Wes Craven (1939 - 2015)

Figura de culto do género de terror, argumentista, produtor e realizador, o americano Wes Craven faleceu no dia 30 de Agosto, em Los Angeles, vitimado por um tumor no cérebro — contava 76 anos.
Os Olhos da Montanha (1977) foi o título que o projectou como um novo experimentador do terror. Explorando um universo em que qualquer fronteira entre a vida vivida e a vida sonhada é sempre instável, para não dizer inexistente, o seu trabalho ficou marcado por duas séries: Pesadelo em Elm Street, cujo primeiro título, de 1984, lançou a carreira de Johnny Depp, e Scream/Gritos, iniciada em 1996; a primeira série impôs a figura de Freddy Krueger (Robert Englund), o assassino de dedos com lâminas que persegue as suas vítimas nos sonhos, acabando por tornar-se uma das mais conhecidas personagens do terror das últimas décadas. Num registo bem diferente, Craven assinou Melodia do Coração (1999), sobre uma professora de violino numa escola do Harlem, interpretada por Meryl Streep. Em 2012, o Festival de Cinema de Terror de Nova Iorque distinguiu-o com um prémio de carreira.

>>> Trailer do primeiro Pesadelo em Elm Street e extracto de uma entrevista em que Wes Craven dá o seu conselho aos jovens cineastas.




>>> Obituário no New York Times.
>>> Site oficial de Wes Craven.

segunda-feira, agosto 31, 2015

Oliver Sacks (1933 - 2015)

Neurologista inglês, famoso pelos livros em que abordou histórias dos seus pacientes, Oliver Sacks faleceu em Nova Iorque, a 30 de Agosto, vítima de melanoma — contava 82 anos.
O facto de ter transformado muitos casos que acompanhou em obras literárias conferiu-lhe uma dimensão, e também uma popularidade, muito para além do seu domínio de especialização. O cinema constitui um eco fundamental do seu trabalho, nomeadamente através da adaptação do livro Awakenings (1973), transformado em filme em 1990, com Robert De Niro e Robin Williams sob a direcção de Penny Marshall — foi lançado entre nós como Despertares. Já em 2015, editara a autobiografia On the Move - A Life.

>>> A intervenção de Oliver Sacks nas TED Talks.


>>> Obituário no New York Times.

O futebol contra a língua portuguesa

REMBRANDT
Auto-retrato
1630
As agressões contra a língua portuguesa continuam a proliferar no espaço tele-futebolístico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Agosto), com o título 'Contra a língua portuguesa'.

1. A violência contra a língua portuguesa vinda da área televisiva do futebol é cada vez mais chocante. Escusado será repetir que não se trata de penalizar os erros de construção ou concordância que se cometem naturalmente, em especial na tensão dos directos. Não é esse o problema. O problema é a normalização de lamentáveis atentados à riqueza do nosso falar.

2. Como é possível que, em debates sobre futebol ou transmissões de jogos, haja cada vez mais vozes que aplicam o infinito dos verbos como se fosse uma matriz gramatical para todas as situações? “Dizer que a equipa vai começar o jogo em 4x3x3...” Como é possível que tal monstruosidade tenha ganho estatuto de norma? “Lembrar que se disputa outro jogo importante...” Dentro das televisões, já ninguém escuta? Pior um pouco: já ninguém se escuta?

3. E que dizer do ridículo anglicismo que leva a generalizar a tradução do “you” inglês por “tu”?... “Se jogas com três defesas, tens de organizar o resto da equipa...” Mais do que isso: em nome de quê se anda a traduzir a palavra espanhola “ilusión” por “ilusão”? “Temos a ilusão de poder ganhar o jogo...” Como? Ainda ninguém reparou que, muitas vezes, a palavra significa “esperança”, “expectativa”, “forte desejo”?

4. Um dias destes, algures na televisão, assistiremos a um debate muito sério sobre a dimensão histórica, social e cultural da língua portuguesa. E não tenhamos dúvidas: se alguém fizer notar que há protagonistas do futebol televisivo que estão a destruí-la, haverá sempre um moderador atento para lembrar que “não é isso que estamos a discutir”...

5. Na televisão inglesa, José Mourinho fala inglês. Na televisão espanhola, Cristiano Ronaldo fala espanhol. Na televisão portuguesa, Julen Lopetegui fala... espanhol. São factos que nada nos dizem sobre os méritos dos respectivos protagonistas. Em todo o caso, são bastante reveladores dos valores que (não) prevalecem no nosso espaço audiovisual.

Ver e ouvir segundo Pascal Niggenkemper

FOTO: Natasha Lébedeva
Poderá parecer uma desqualificação, mas é antes uma apaixonada valorização que está em jogo no primeiro registo a solo do contrabaixista germano-francês, sediado em Nova Iorque, Pascal Niggenkemper. Ou seja: quando escutamos os magníficos contrastes do seu contrabaixo, somos impelidos a redefinir o instrumento como um objecto que está muito para além da sua sonoridade "oficial", por assim dizer oscilando entre os mistérios do violino e a contundência da bateria, passando pelo magnanimidade do piano — 'Look with Thine Ears', edição com chancela Clean Feed, é uma apoteose de transfigurações que, em boa verdade, se podem escutar como compassos de uma longa frase de introspecção musical. Em direcção a quê? Pois bem, aproximando-se, e aproximando-nos, desse "ver com as orelhas" que está no título que Niggenkemper foi buscar ao Rei Lear:

GLOUCESTER
I do understand, by touch.

LEAR
What, are you crazy? You don’t need eyes to see how the world works. Look with your ears [texto original: Look with thine ears]. Look how the judge yells at a simple thief. Listen. But mix them up, have them switch places, and do you think you’d be able to tell which one is which? Have you seen a farmer’s dog bark at a beggar?

Na tradução portuguesa do Dr. Domingos Ramos (Lello & Irmão, Porto, 1988):

GLOUCESTER
Vejo-o, porque o sinto.

LEAR
Pois quê? estais doido? Um homem pode ver sem olhos como vai o mundo. Olhai com as vossas orelhas: vedes como aquele juiz se zanga com este ratoneiro? Prestai atenção: trocai os lugares e depois adivinhai qual é o juiz e qual é o ratoneiro. Tendes visto um cão de quinta ladrar a um mendigo?

Eis, justamente, a faixa 1 que dá o título ao álbum:


Nas magníficas notas de apresentação do disco, Stuart Broomer evoca a herança do Free Jazz (1961), de Ornette Coleman. E não é caso para menos: dir-se-ia que a duplicidade que Coleman colocou em cena, com dois quartetos, cada um para um dos canais do stereo — os contrabaixistas foram Scott LaFaro e Charlie Haden — se prolonga, aqui, através da múltipla "esquizofrenia" do contrabaixo, num labor tão radicalmente concreto que se revela capaz de tocar as fronteiras da mais fina abstracção. Um exemplo mais, para ver com as orelhas bem abertas: o apoteótico This Shall Not Be Revoked; logo a seguir, um registo de Niggenkemper, em 2009, em ambiente de trio, com Robin Verheyen (saxofone) e Tyshawn Sorey (bateria).



domingo, agosto 30, 2015

Elogio de T. S. Spivet (1/2)

Apesar de chegar às salas portuguesas quase dois anos passados sobre o seu lançamento em França, O Jovem Prodígio T. S. Spivet é um dos grandes acontecimentos do Verão cinematográfico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Agosto), com o título 'Jean-Pierre Jeunet celebra os prodígios da imaginação infantil'.

É bem verdade que, para o melhor ou para o pior, o Verão cinematográfico continua a ser dominado pelo lançamento das grandes máquinas de Hollywood. Ao mesmo tempo, o panorama das novidades surge sempre marcado por contrastes mais ou menos desconcertantes. Assim acontece, agora, com O Jovem Prodígio T. S. Spivet [estreia: 27 Agosto], dirigido por Jean-Pierre Jeunet a partir do “best-seller” de Reif Larsen, entre nós publicado com o título As Obras-Primas de T. S. Spivet (ed. Presença).
Uma aventura épica de uma criança de 10 anos, uma produção sofisticada aplicando os mais modernos recursos digitais, enfim, um objecto pensado para a dimensão espectacular dos ecrãs das grandes salas — dir-se-ia, precisamente, uma produção de um estúdio americano visando o período de férias. Mas não: para além de ser assinado por um cineasta francês, O Jovem Prodígio T. S. Spivet resulta de uma aliança de entidades da França, Canadá e Austrália.
A história da sua difusão daria, por certo, para fazer um outro filme, igualmente épico, porventura não tão radioso. Isto porque se passaram quase dois anos desde a primeira apresentação pública do filme no Festival de San Sebastián. O Jovem Prodígio T. S. Spivet teria a sua estreia francesa em Outubro de 2013, aparentemente antecipando um lançamento americano antes do final desse ano, de modo a poder concorrer às nomeações para os Oscars.
Nada disso aconteceu. O filme foi sendo estreado em diversos países, na Europa e na Ásia, mas o distribuidor americano, a Weinstein Company, dos irmãos Harvey e Bob Weinstein, quis alterar a montagem. Jeunet não abdicou das suas opções, tanto mais que, por contrato, garantira o controle da montagem final (final cut). Na prática, abriu-se um conflito cujo desenlace ocorreu há poucas semanas, a 31 de Julho, quando O Jovem Prodígio T. S. Spivet surgiu, finalmente, nas salas dos EUA (Portugal é, assim, um dos derradeiros países a poder descobri-lo).
Em entrevistas recentes, Jeunet reafirmou que nunca abdicaria da sua montagem, ao mesmo tempo não poupando os Weinsteins — segundo ele, o filme só foi mesmo lançado nos EUA para cumprir a cláusula contratual que obriga a uma passagem por um determinado número de salas para depois ser integrado nas listas de programação da Netflix.
Conflitos à parte, seria uma pena que o trabalho de Jeunet fosse reduzido às peripécias dos bastidores industriais. De facto, estamos perante um dos poucos projectos recentes que procura recuperar uma certa dimensão encantada e encantatória do cinema, sem passar pelas sagas “obrigatórias” de super-heróis ou personagens mais ou menos excêntricas de galáxias distantes.
T. S. Spivet (Kyle Catlett, brilhante) é o nome do mais heterodoxo dos aventureiros. Porque é uma criança, mas sobretudo porque o seu génio científico o leva a “entrar” no mundo dos adultos de forma bizarra. Os trabalhos científicos que envia para diversas instituições e competições (sem esclarecer a sua idade) acabam por lhe valer uma chamada do Instituto Smithsonian: a sua prodigiosa invenção, uma “máquina de movimento perpétuo”, foi distinguida com um prémio altamente prestigiado, sendo convocado para discursar na respectiva cerimónia de entrega... Daí a sua odisseia: como viajar das paisagens rurais do estado de Montana, onde vive com os pais, até Washington?
Jeunet celebra a prodigiosa imaginação do seu pequeno herói, não apenas no plano científico, mas na sua aplicação a todas as circunstâncias da vida. Esta é, de facto, uma fábula sobre a arte de viver através daquilo que apetece chamar imaginação científica: por um lado, aplicando o conhecimento racional para compreender o mundo; por outro lado, mostrando a máxima disponibilidade para adequar esse conhecimento aos detalhes mais enigmáticos, sem dúvida mais poéticos, dos destinos individuais.
Para além das peculiaridades de cada um dos seus filmes, Jeunet sempre foi um apaixonado por estas histórias que envolvem os limites, físicos ou espirituais, da experiência humana. Bastará lembrar os títulos que dirigiu em associação com Marc Caro — Delicatessen (1991) e A Cidade das Crianças Perdidas (1995) —, sem esquecer, já a solo, essa enorme sucesso internacional que foi O Fabuloso Destino de Amélie (2001). Para ele, o cinema está colado às emoções vividas por cada um, mas é sempre maior que a vida.

A herança viva do 11 de Setembro

A 9/11 Day é uma organização de solidariedade inspirada no espírito de comunhão e partilha gerado em reacção aos atentados do 11 de Setembro. Recentemente, divulgou um notável video centrado naqueles que nasceram no dia 11 de Setembro de 2001 — eis um exemplo admirável de uma estratégia enraizada no universo publicitário (com chancela da agência Grey), recusando a facilidade dos clichés ou das efemérides, celebrando antes a herança viva das pessoas e das suas ideias.

sábado, agosto 29, 2015

David Bowie + Mick Jagger
30 anos depois...



A ideia inicial era a de fazerem um dueto no Live Aid. Bowie em Londres. Jagger em Filadélfia. Mas a ligação por satélite obrigava a um segundo de delay. E para não obrigar nenhum deles a fazer um playback, optaram por um plano B. Bowie estava então a gravar em Abbey Road as canções para a banda sonora de Absolute Beginners e, numa tarde, Mick Jagger voou e ali passou para que gravassem uma versão de Dancing in The Streets, original de 1964 de Martha and The Vandellas. Na mesma noite, com David Mallett, foram para a rua e, nas Docklands, numa série de takes, nascia o teledisco. Em meio dia um single e um teledisco nasceram assim. As imagens foram exibidas no Live Aid. Semanas depois era o single que estava na rua. Faz agora 30 anos.

sexta-feira, agosto 28, 2015

Cécile McLorin Salvant, "Look at Me"

É mesmo a sério: depois de WomanChild, a americana Cécile McLorin Salvant aí está com For One to Love, reafirmando a sua radiosa conjugação de composições pessoais com recriações de referências do mais depurado classicismo. Numa galeria de doze faixas, encontramos, assim, cinco novas composições, a par, por exemplo, de The Trolley Song (Hugh Martin/Ralph Blane), cantada por Judy Garland no musical Meet Me in St. Louis/Não Há como a Nossa Casa (1944), de Vincente Minnelli, e Something's Coming (Sondheim/Bersntein), tema de West Side Story aqui recriado numa verdadeira jam session de mais de 10 minutos. O álbum pode ser escutado na NPR; este é o teledisco, simples e sedutor, de Look at Me, uma das peças compostas pela própria cantora.

Zac Efron à procura de Zac Efron

Dir-se-ia que, tal como a sua personagem em Nós Somos Teus Amigos, Zac Efron continua à procura de um lugar em Hollywood — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Agosto), com o título 'Aventuras de um DJ no país de Hollywood'.

Ciclicamente, cedemos a uma certa nostalgia que nos leva a lamentar o desaparecimento do musical como matriz regular do cinema. Temos mesmo esse vício que, face a um musical isolado, nos leva a perguntar: será desta que o género é relançado?... Não é, não pode ser. E uma das (muitas) razões que pode ajudar a explicar o seu esvaziamento é o facto de as gerações mais novas não terem sido educadas nos seus artifícios e valores de espectáculo.
O assunto ressurge a propósito da estreia de Nós Somos Teus Amigos, primeira longa-metragem de Max Joseph, ele próprio de uma geração “thirtysomething” (nasceu em 1982, em Nova Iorque) que já não conheceu o musical como presença regular nas salas. Na verdade, os protagonistas são símbolos de uma outra relação (bem diferente!) com as matérias musicais: esta é a saga de Cole Carter, um DJ especializado em música electrónica de dança que, juntamente com os três melhores amigos, alimenta o sonho de transcender os limites da sua zona de Los Angeles, conquistando um lugar na indústria e na mitologia de Hollywood.
O filme tem a seu favor a energia de alguns actores. E não deixa de ser curioso sublinhar que o intérprete de Carter é Zac Efron (n. 1987), precisamente um nome cujo talento descobrimos através de um musical — foi em 2007, em Hairspray, de Adam Shankman (inspirado num espectáculo da Broadway que, por sua vez, tinha como ponto de partida o filme homónimo de 1988, dirigido por John Waters). O certo é que, apesar de alguns momentos invulgares — lembremos a participação em The Paperboy (2012), de Lee Daniels, contracenando com Nicole Kidman —, a carreira de Efron tem sido tudo menos consistente.
Nós Somos Teus Amigos pode ser tomado como um emblema perverso da indefinição a que Efron chegou — e que, afinal, o filme duplica. Por vezes, Max Joseph parece querer citar o negrume de sexo e drogas que perpassa na visão de um Bret Easton Ellis, em particular no seu primeiro romance, Menos que Zero (adaptado ao cinema em 1987, por Marek Kanievska); noutros momentos, o filme confunde-se com uma colagem de telediscos mais ou menos agitados e pueris; enfim, a relação de Cole com o seu mentor, James (Wes Bentley), constitui uma derivação dramática saturada de clichés.
Estamos perante um filme cujo valor sintomático nunca consegue transcender uma certa superficialidade “sociológica”. É pena, tanto mais que, por detrás do esforço de Max Joseph, pressentimos a vontade de conseguir criar um objecto de culto da (e para a) geração retratada.

Uma canção para o verão (2015.05)


C Duncan e o seu álbum Architecture são uma das grandes revelações de 2015. Este é um dos temas do alinhamento do álbum. Garden é um belo tema para ouvir por estas tardes de verão: