terça-feira, setembro 17, 2024

So Sorry So Slow
— melhor álbum de 2024?

Uma década depois de Gist Is (2014), oito anos passados sobre Earrings Off! (2016), os Adult Jazz continuam a provar que pertencem a um território de fascinantes ambiguidades, dir-se-ia a mais ancestral das vanguardas: So Sorry So Slow (2024), Opus 3 dos ingleses de Leeds, prolonga um gosto experimental que tende a gerar canções como contidos exercícios de música de câmara, clássicos na sensibilidade e, ao mesmo tempo, genuinamente experimentais.
Uma proeza de imaculada verdade criativa, para continuar a ouvir, descobrindo novos enigmas e revelações em cada audição, porventura deparando com aquele que poderá ser, de longe, o melhor álbum do ano — eis o poema e o teledisco de Bleat Melisma.

How long?
How long ‘til I am won?
A constant roam through combination
A saddlebag
The moor alone
Remove the bone, desire
Undecorated

How heartless, how heartless, how heartless you are
Who would pitch up his tent next to me?

Cannot sustain
Snacking alone
Nor holy bread, that threat of manna makes it
So hard to slow
Or call a home
Impossible to hope with breath unbaited

How heartless, how heartless, how heartless you are
Who would you pitch up his tent next to me?

It could be me
That lucky bolt
All sadness smote
All lame with hope
I’m waiting
Who?

In this day, all of them
A bleat of happiness!
This day, more of them
A bleat of happiness!

So brick me in
The chapel wall
A quatrefoil
To frame the world
I’m waiving

Baby Reindeer
— a solidão segundo Richard Gadd

Richard Gadd e o seu ecrã: quem és tu?

A série Baby Reindeer é um caso invulgar de enfrentamento da complexidade das relações humanas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 agosto).

Nos últimos largos meses, a mais surpreendente ficção audiovisual que descobri foi Baby Reindeer, mini-série escrita e protagonizada pelo actor escocês Richard Gadd (n. 1989), estreada em abril na Netflix. Surpreendente de modo muito literal: que dizer? Aliás, o que pensar? E, sobretudo, como pensar?
[FOTO: Stanley Morgan]
Partindo de vivências do próprio autor, é ele que assume a personagem central de Donny Dunn, empregado de um bar que quer construir uma carreira como comediante. Donny conhece Martha Scott, interpretada por Jessica Gunning, quando, um dia, ela lhe aparece, no bar onde ele trabalha, num estado de prostração que desencadeia a sua compaixão. Oferece-lhe uma bebida para mais tarde, a pouco e pouco, Martha se transformar numa stalker que o persegue e ameaça, em frente de sua casa, em lugares públicos, através dos circuitos da Internet — 40 mil e-mails são a crua contabilidade desse processo em que o sarcasmo da comédia de costumes vai sendo contaminado por elementos de descarnado horror.
Em termos “sociais”, a série foi rapidamente catalogada através do “tema” do assédio, desaparecendo no caldeirão mediático em que tudo decorre de uma equívoca homogeneidade — os chamados assuntos fracturantes passaram a ser rentabilizados como mercadoria “informativa”.
Lembremos, por isso, que, a par de Martha, há em Baby Reindeer outra figura particularmente maléfica para os destinos do protagonista: Darrien (Tom Goodman-Hill), um argumentista de televisão que se assume como mentor de Donny e que, de facto, através do uso de drogas e uma violenta manipulação sexual, o explora de modo brutal. Li um número razoável de abordagens de Baby Reindeer na imprensa de vários países e fui reparando que uma aparente omissão acidental correspondia, de facto, a um padrão “descritivo”: não exagero se disser que, nuns bons 90% de tais abordagens, a personagem de Darrien não é sequer citada.
Dito de outro modo: as formas correntes do primarismo jornalístico (incluindo algumas formas de intervenção crítica) passaram a tratar os objectos de televisão, cinema ou literatura em função de uma importância mecânica, sem pensamento, previamente atribuída aos respectivos “temas”. Na prática, isso significa que as maiores mediocridades e os trabalhos mais sérios e complexos (como é o caso de Baby Reindeer) são metidos no mesmo saco, anulando-se mutuamente.
Entenda-se: nada se trata de sugerir que houve uma vontade consciente de apagar as componentes malignas da história contada por Gadd. Não estamos perante uma questão de consciência, mas de algo oposto: inconsciência. O tratamento da ficção, não como uma textura específica de relação com um leitor/espectador, mas uma mera acumulação de “temas”, faz com que se desconheçam as singularidades do trabalho narrativo — toda a gente fala de “narrativas”, quase ninguém as pensa.
Nem mesmo as próprias declarações de Gadd conseguiram alterar os lugares-comuns que se abateram sobre Baby Reindeer. No passado mês de abril, numa entrevista à edição britânica da revista GQ, ele lembrava que podemos compreender a atitude indulgente de Donny em relação a Martha, acrescentando: “Quis mostrar que Darrien foi violentamente maligno, enquanto o comportamento de Martha provém de um universo de profunda vulnerabilidade.”
No panorama das actuais narrativas, Baby Reindeer surgiu, assim, como um invulgar enfrentamento dos enigmas das nossas relações, mesmo (ou sobretudo) os mais bizarros e perturbantes. O certo é que, à sua volta, prevaleceu a lógica dos “talk shows” mais moralistas em que apenas se procura catalogar as pessoas (e o mundo inteiro) em função de matrizes pueris, sem verdadeiro desejo de conhecimento. Baby Reindeer possui a energia, e também a sofisticação, da paixão dos velhos modelos melodramáticos — e não será por acaso que, no interior daquele esquematismo de raiz televisiva, a palavra “melodrama” é aplicada com conotações pejorativas. Na solidão do seu desejo, Donny descobre que nada sabe sobre o desejo do outro, não há salvação na saturação de “comunicações” em que vivemos. Bem-vindos à tragédia.

segunda-feira, setembro 16, 2024

London Grammar, Opus 4

Três anos depois de Californian Soil, chegou o quarto álbum de estúdio dos London Grammar, ainda e sempre organizado a partir da voz densa e enigmática de Hannah Reid. Chama-se The Greatest Love e este é o seu primeiro teledisco: House.

SOUND + VISION na Fnac:
Bruce + Joker

A nossa próxima sessão na FNAC já está marcada:

* Domingo, 13 de outubro, às 17h00
— o novo Joker, com Joaquin Phoenix e Lady Gaga.

Entretanto, da sessão dedicada a Bruce Springsteen, aqui fica a recordação de I'm on Fire, porventura um dos menos conhecidos telediscos do álbum Born in the USA. Acrescentamos Johnny Bye Bye, lado B do respectivo single, uma bela reinvenção de um tema clássico de Chuck Berry.
 


sexta-feira, setembro 13, 2024

* Bruce Springsteen: Born in the USA / 40 anos
— SOUND + VISION Magazine, FNAC
[hoje, 14 set.]

Estamos de volta à FNAC, assinalando o 40º aniversário de Born in the USA, revisitando a herança de um álbum que marcou de forma decisiva a carreira de Bruce Springsteen — e ficou como uma referência lendária na história da música rock.

>>> FNAC Chiado, 14 setembro (17h00).

quarta-feira, setembro 11, 2024

A calma, não o caos [citação]

>>> Vou votar por Kamala Harris e Tim Walz na Eleição Presidencial de 2024. Vou votar por @kamalaharris porque ela luta pelos direitos e causas que acredito necessitarem de uma figura guerreira para as defender. Penso que ela é uma líder dotada e com mão firme, e acredito que podemos fazer muito mais neste país se formos conduzidos pela calma e não o caos.

TAYLOR SWIFT

segunda-feira, setembro 02, 2024

The Kills em Seattle, na rádio KEXP

Os milagres não são assunto corrente do YouTube... mas acontecem. Eis um deles, ocorrido a 7 de fevereiro de 2024: The Kills estiveram na rádio KEXP, de Seattle. Apresentados por Cheryl Waters, Alison Mosshart e Jamie Hince interpretaram quatro canções, três do mais recente God Games (2023) e uma de Blood Pressures (2011), terminando com alguns breves minutos de uma conversa de maravilhosa intimidade — beauty exists.
 

sexta-feira, agosto 30, 2024

Roubar música tem um novo nome: "interpolação"

Rick Beato

Eis uma curiosa, e muito pedagógica, descoberta de Rick Beato: o roubo descarado de notas de uma canção para outra canção passou a ser tratado pela designação chique de "interpolação". Ou como ele pergunta: "Isto não é apenas roubo?" — vale a pena ver, ouvir e reflectir sobre o assunto.
 

quinta-feira, agosto 29, 2024

À espera de The Kills (6/6)
[Kalorama]

Com The Kills quase a chegar ao festival Kalorama, recordemos seis das suas canções, cada uma delas de um dos álbuns de originais que já editaram.

Depois de um interregno de sete anos (Ash & Ice era de 2016), God Games surgiu em 2023 com o propósito declarado de desafiar as formas "tradicionais" de The Kills, em particular através da programação, mais do que das guitarras. Ora, como Jamie Hince rapidamente reconheceu, ele e Alison Mosshart permaneciam "apenas" fiéis a si próprios, mesmo com novas e arrojadas "orquestrações". Sem desculpas, reafirmando a glória clássica do rock — eis Wasterpiece.