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| Oscar Isaac em Frankenstein: muitos meios, poucas ideias |
Promovido e aguardado como um projecto invulgar, tanto do realizador Guillermo del Toro, como da própria Netflix, o novo Frankenstein limita-se a ser um aparatoso desastre cinematográfico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 novembro).
Nestes tempos de dispersão dos espectadores por múltiplas formas de difusão dos filmes, porque é que o novo
Frankenstein, da Netflix, não teve alguma difusão nas salas (nem que fossem aquelas duas ou três semanas de “montra” para preparar o lançamento em streaming)? Não era este o “projecto de toda uma vida” do seu autor, Guillermo del Toro? Não é a criatura concebida pelo Barão Victor Frankenstein uma referência lendária de mais de dois séculos de literatura e cinema? Convém, aliás, lembrar que o romance de
Mary Shelley foi publicado em 1818, enquanto o Frankenstein protagonizado por Boris Karloff e realizado por James Whale, “fundador” de um género eminentemente popular, data de
1931.
A redução deste Frankenstein ao aparato dos nossos ecrãs caseiros acaba mesmo por reflectir uma contradição técnica e estética que permanece longe de qualquer solução. Por um lado, há filmes como este que, pelo seu investimento espectacular (em particular, pela monumentalidade do respetivo trabalho cenográfico), continuam a seguir uma lógica clássica de produção ligada, precisamente, às dimensões de uma também clássica sala de cinema; por outro lado, muitos desses filmes vivem “enquistados” no universo específico do streaming.
Enfim, talvez seja tempo perdido relançar tais questões, mesmo se é verdade que os seus impasses continuam a pontuar a vida (ou a morte, se nos inscrevermos no campo mais pessimista) de todo o cinema contemporâneo. Será mais simples, e também mais pertinente, ficarmos por uma observação rudimentar. A saber: o novo
Frankenstein, de Guillermo del Toro, é um aparatoso desastre cinematográfico.
Impossível vislumbrar alguma relação com a tradição, seja ela a dos estúdios Universal (de que Whale foi um dos criadores emblemáticos) ou, por exemplo, a que foi gerada nas décadas de 1950/60 pelos estúdios britânicos da
Hammer Film (com distinção especial para o realizador Terence Fisher). Nem sequer encontramos aqui esse radicalismo inventivo, fora de qualquer estilo, do
Frankenstein de Andy Warhol em 3D (
Carne para Frankenstein, realizado por Paul Morrissey em
1973).
Guillermo Del Toro terá querido repetir a lição moral do seu filme A Forma da Água (2017), apesar de tudo bem mais interessante, dispensando o próprio romance e transformando o monstro criado por Frankenstein num pobre diabo capaz de “simbolizar” a inocência perdida dos humanos. Seria, talvez, uma nota dramática curiosa, mas faltam ideias práticas para tratar uma história que exigiria algo mais do que uma acelerada câmara de filmar que nem sequer sabe rentabilizar a pompa (algo postiça, convenhamos) dos cenários.