sábado, março 31, 2007

Propaganda vs informação

O texto que se segue foi publicado na revista "6ª" (Diário de Notícias, 30 de Março de 2007), com o título 'Quando as imagens nos querem oferecer um destino'. Era parte integrante de um dossier sobre a exposição 'Arte e Propaganda', no Deutsches Historisches Museum, em Berlim, com textos de Nuno Galopim (sobre a exposição) e Nuno Crespo (sobre o livro As Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt - ed. D. Quixote).

Quando é que uma imagem deixa de ser uma imagem que nos quer apenas seduzir e começa a ser uma imagem de propaganda? Ou ainda: quando — e, sobretudo, como — é que um discurso propagandístico se imiscui numa imagem, contrariando a sua utópica inocência?
Não vale a pena voltarmos a alimentar qualquer ingenuidade face à suposta candura original das imagens, quanto mais não seja por efeito da brutalidade televisiva que nos rodeia — afinal de contas, a moral das imagens que Big Brother e afins nos tentam impor é mais insidiosa e, por vezes, emocionalmente mais violenta que muitas imagens ditas de propaganda. De facto, nenhuma imagem é simples, linear ou "definitiva". A imagem de propaganda é apenas uma imagem que não quer ser lida para além do espaço dos valores que a geraram. Mais do que autoritária, é um imagem que nasce sempre de um medo não confessado perante a variedade do mundo.
E basta percorrer estas páginas [a referência remete para as imagens da exposição Arte e Propaganda] para compreendermos que só por hipocrisia julgaremos que a propaganda pelas imagens é apanágio dos regimes ditatoriais. Claro que seria muito mais fácil (e, sobretudo, desculpabilizante) considerar que a propaganda é uma prática dos "outros", sejam eles quais forem. Mas a história ensina-nos que é sempre simplista e, sobretudo, equívoco pretender que a propaganda é o mal das ditaduras e a informação a bênção das democracias. Quanto mais não seja por amor dos ideais democráticos, é preciso pensar esses contrários também na sua proximidade.
Não se trata, entenda-se, de um mero problema de classificação ideológica. O que está em jogo é algo de mais fundo e também, sem dúvida, mais perturbante. Isto porque, no limite, a imagem de propaganda pode ser desejada por qualquer um de nós — mesmo por quem não se reconheça nos ideais que tal imagem pode enunciar ou celebrar.
A história europeia do século XX legou-nos um caso exemplar de tal complexidade ideológica & artística na obra (cinematográfica) de Leni Riefenstahl (1902-2003). De facto, a sua função de cineasta oficial do fascismo hitleriano — condensada no filme O Triunfo da Vontade (1935), sobre o congresso do partido nazi, em 1934 — não basta para dar conta da complexidade do seu trabalho e, em particular, das suas componentes experimentais, de uma importância formal e estética há muito reconhecida por cineastas das mais diversas origens e sensibilidades. Quer isto dizer, pelo menos, algo de muito básico. A saber: que nenhuma imagem de propaganda pode ser dissociada do seu contexto. Ou ainda: que a sua função propagandística se fundamenta (e, paradoxalmente, esgota) no próprio contexto que a gerou.
Daí a lucidez pedagógica a que qualquer uma destas imagens nos convida e, num certo sentido, obriga. Porquê? Porque a sua contextualização reforça o seu poder, ao mesmo tempo que denuncia os seus inapeláveis limites.
Nesta perspectiva, talvez possamos considerar que a imagem de propaganda é aquela que, em última instância, tenta encenar o seu contexto (histórico, social, económico, etc.), não como uma realidade em movimento, mas como algo de adquirido, inalterável e, afinal, intocável. Talvez por isso, muitas imagens de propaganda possuem algumas componentes (sublinho: algumas) que podemos aproximar da lógica das mais tradicionais vinhetas religiosas. Mais do que representar personagens ou acções, as imagens de propaganda ambicionam dar a ver as componentes teológicas (e, sobretudo, teleológicas) de algo que se impõe a tudo e a todos – dos representados aos leitores/espectadores – como um destino.
Para nós, portugueses, esta teia de questões suscitadas pelas imagens de propaganda é tanto mais interessante quanto parece óbvio que somos uma sociedade que está longe de ter digerido (e integrado no seu património histórico) as imagens específicas da ditadura salazarista. Aliás, o problema é tanto mais interessante — quer no plano político, quer no domínio da ética — quanto o Estado Novo de Salazar foi um regime muito resistente à simples proliferação de imagens. Provavelmente, tal resistência continua a ser uma componente activa do nosso imaginário.

5 x Moretti (4)

As relações políticas >>> O Caimão é um filme sobre Silvio Berlusconi que filma uma jovem cineasta (Jasmine Trinca) que está a fazer um filme sobre Silvio Berlusconi que se chama... O Caimão. Assim se instaura um jogo de espelhos que Nanni Moretti conduz às suas consequências mais extremas — cinematograficamente mais extremas, entenda-se. Isto porque o núcleo crítico de O Caimão/O Caimão acaba por ser esse de se saber como encenar Berlusconi. O actor Elio De Capitani na personagem de Berlusconi é apenas uma resposta (entre várias possíveis) a tal dúvida. Jogando num discreto efeito de proximidade física, Moretti utiliza-o como uma espécie de fantasma burlesco do próprio Berlusconi (repare-se nas cenas televisivas e, em particular, nesse momento incrível em que a personagem é "alagada" pelo dinheiro que cai do tecto). Para o cineasta, trata-se de partir de artifícios desse género para, a pouco e pouco, definir um Berlusconi devorador que afecta todos os destinos individuais. Este é, afinal, um cinema em que a política se confunde com a problematização de todas as formas quotidianas de relação.

Casa das Noites de Lençol

Os finais de tarde e noites de Filmes no Lençol regressaram à Casa d'Os Dias da Água. A ideia procura replicar, na magnífica sala do primeiro andar do número 175 da Rua D. Estefânia, o ambiente das projecções caseiras, entre amigos, os filmes projectados ao fundo, sob o branco de um lençol. A programação é definida por cinco figuras ligadas ao cinema, a cada uma sendo atribuída uma sessão com total liberdade de escolha nos filmes a mostrar. Primeiras sessões, ontem, com escolhas de Sílvia Grabowski (Herzog) e João Pedro Rodrigues, este com casa bem composta para ver os belíssimos Pink Narcisus (1971), de James Bidgood e Un Chant d'Amour de Jean Genet (1950). As escolhas foram justificadas no final, pelo próprio João Pedro, que entre ambos os filmes apontou características em comum, duas das mais evidentes sendo a ausência de diálogo e o facto de os dois filmes representarem obras únicas na realização para ambos os seus autores.
Hoje, novas sessões com escolhas a cargo de Cláudia Tomaz (19.00) e João Mário Grilo (21.30). Amanhã, fim de ciclo com um programa seleccionado por Diogo Dória (19.00) e, pelas 21.30, uma mesa redonda com todos os cinco convidados envolvidos neste ciclo.

Sob o signo de Oshima

Ano Bowie - 39
'Merry Christmas, Mr. Lawrence' (1983), de Nagisa Oshima

Do ponto de vista psicológico, esta é, muito provavelmente, a personagem mais complexa que Bowie já interpretou em cinema. Em 1942, num campo japonês para prisioneiros britânicos, o major Jack Celliers (Bowie) e o coronel John Lawrence (Tom Conti) vivem uma odisseia de trágica ironia: por um lado, há uma base difusa de humanismo que parece criar uma ligação possível entre os que estão presos e os que detêm o poder sobre a sua própria vida; por outro lado, as relações que se estabelecem diluem todas as utopias num emaranhado de violência e equívocos. No pólo oposto aos britânicos surge a fascinante personagem de Yonoi, o capitão japonês através de quem se instala uma ambivalência sexual que vai acrescentar ainda mais crueldade às ilusões redentoras quer perpassam pelos acontecimentos — Ryuichi Sakamato (também compositor da belíssima música do filme) era o magnífico intérprete de Yonoi.
O realizador Nagisa Oshima assinara antes O Império dos Sentidos (1976) e O Império da Paixão (1973), o primeiro dos quais lhe tinha trazido uma ressonância comercial que superava, e muito, a sua condição anterior de símbolo da "nova vaga" nipónica. Na altura, houve quem não deixasse de propalar a tradicional condenação: Oshima estaria a "vender-se" ao mercado anglo-saxónico. Como se o cinema fosse alheio às mais diversas formas de aliança artística e/ou económica... Seja como for, Feliz Natal, Mr. Lawrence tornou-se um objecto de culto.

sexta-feira, março 30, 2007

"Sir" Hollywood faz 70 anos

Há quase vinte anos — mais precisa-mente, na edição de 3 de Julho de 1978, a propósito da estreia de O Céu Pode Esperar —, a revista Time apelidava Warren Beatty de Mister Hollywood. A razão próxima era a estreia desse filme em que Beatty era protagonista, produtor, co-argumen-tista (com Elaine May) e co-realizador (com Buck Henry). O certo é que tal epíteto celebrava toda uma carreira fulgurante, marcada por momentos genuinamente excepcionais. Por exemplo: a estreia no cinema, contracenando com Natalie Wood, nesse sublime retrato do amor que é Esplendor na Relva (1961), de Elia Kazan, e ainda a sua contribuição decisiva em Bonnie e Clyde (1967), de Arthur Penn, uma vez que, para além da sua condição de intérprete, Beatty assumiu perante a Warner Bros. a responsabilidade de produtor, desse modo viabilizando um projecto que já tinha sido recusado por quase todos os grandes estúdios de Hollywood.
Este verdadeiro "Sir" Hollywood nasceu a 30 de Março de 1937, portanto completando hoje 70 anos. No merecido "parabéns a você", vale a pena lembrar que, para além de uma carreira em que encarna o melhor da tradição do Actors Studio, Beatty tem uma filmografia escassa como realizador (apenas mais três títulos), mas de rara fulgurância criativa:
Reds (1981): um espantoso épico sobre John Reed, reencarnação perfeita da nobre tradição liberal de Hollywood — com um elenco admirável que inclui, entre outros, Diane Keaton, Jack Nicholson e Maureen Stapleton;
Dick Tracy (1990): uma das mais brilhantes transposições da BD para o ecrã de cinema, com decisiva contribuição do director de fotografia Vittorio Storaro — é, talvez, o filme em que a persona musical de Madonna encontra (na personagem quase pícara de "Breathless Mahoney") um mais directo e depurado sucedâneo cinematográfico;
Bulworth (1998): obra-prima quase esquecida que, a partir da personagem de um senador norte-americano, consegue a proeza de desmontar as muitas relações, conjunturais e perversas, da cena política com o espaço específico dos media — é o primeiro papel realmente significativo de Halle Berry.
Além do mais, Warren Beatty está, ao lado de Jean Seberg, no mais belo melodrama do mundo: Lilith (1964), de Robert Rossen.

Freddie Francis (1917-2007)

A luz... Espantosa luz! Em cima, o preto e branco clássico de O Homem Elefante (1980), de David Lynch; em baixo, as cores quentes, rasgadas de inquietação, de O Cabo do Medo (1991), de Martin Scorsese, com Juliette Lewis na teia de Robert De Niro. A ligar estas imagens está o nome de um dos maiores directores de fotografia de toda a história do cinema: o inglês Freddie Francis, falecido no passado dia 17. Nome emblemático do género de terror, tal como foi cultivado no cinema inglês dos anos 50/60, em particular pelos estúdios da Hammer, Francis é, muito simplesmente, um dos génios da luz no século XX.

quinta-feira, março 29, 2007

Outra vez... as loiras

Aqui está o novo teledisco dos Long Blondes, mais um extraído do álbum Someone To Drive You Home. Another Weekend Without Love é a canção, mais um claro exemplo da herança Blondie (e Lene Lovich) uma vez mais posta ao serviço de uma pop com viço nas guitarras e sede de dançar.

Shirley Bassey em Glastonbury

Pois é, Glastonbury vai ouvir Goldfinger, Diamonds Are Forever e, quem sabe, History Repeating. Mas a noticia não está no eventual alinhamento. Está num convite festivaleiro a uma dama dos palcos mais chiques e dourados de sempre... E com digna carreira de muitos anos... Não se consegue fazer semelhante, por cá?... Há uma mão cheia de nomes veteranos que fariam bela figura num palco festivaleiro de Verão. José Cid, anyone?

Bonjour, Mr. Bean!

Ah, la France!... Com atravessar Paris, de La Défense até à Gare de Lyon? Mr. Bean consulta o mapa de maneira não muito ortodoxa... É uma imagem extraída da sua nova aventura cinematográfica — Mr. Bean em Férias, uma realização de Steve Bendelack — , com Rowan Atkinson a tentar, uma vez mais, recriar no ecrã de cinema o génio (do detalhe) e a arte (da sugestão) que distinguem a respectiva série televisiva dos anos 90. Talvez seja inevitável reconhecer que há um ritmo e uma eficácia dos episódios de televisão que não se transpõe automaticamente para cinema. Seja como for, esta é uma comédia cuja invenção narrativa e elaboração material a coloca muitos furos acima do humor grosseiro que se vai fazendo, quer nos EUA, quer na Europa, muitas vezes utilizando os "adolescentes" como tema e pretexto para a mais desavergonhada indigência criativa. Acima de tudo, Bean/Atkinson vive de uma verdadeira paixão pela exploração do espaço cénico e, em particular, como é óbvio, pelas potencialidades burlescas do corpo — e do rosto!

terça-feira, março 27, 2007

5 x Moretti (3)

A solidão política >>> Em O Caimão, Silvio Orlando interpreta um pequeno produtor cinematográfico — "pequeno" porque sempre trabalhou com orçamentos austeros, fazendo filmes de série B, num espírito criativo que remonta aos primórdios do cinema italiano, resistindo à sua própria classificação como criador engagé ou militante. Assim, ao filmá-lo como mentor (... quase acidental) de um filme sobre Silvio Berlusconi — e, mais do que isso, sobre a devoração da Itália por Berlusconi —, Nanni Moretti não está exactamente a propor uma evocação "nostálgica" de um cinema perdido e em perdição. Em boa verdade, o fio condutor da fascinante teia de O Caimão é a personagem de Silvio Orlando enquanto protagonista do seu próprio défice profissional e social: as dificuldades que encontra, a solidão para que é remetido, conferem-lhe uma dimensão visceralmente política que nada tem a ver com qualquer pose meramente panfletária. Em última instância, Moretti filma sempre essa inquieta lucidez: dizer eu é um acto que pode comprometer o mundo todo, obrigando-nos a sermos dignos da vida que o faz mover.

segunda-feira, março 26, 2007

Da responsabilidade social da televisão

No pós-Grandes Portugueses, está a triunfar um absoluto cinismo social, habilmente favorecido por uns, ingenuamente sustentado por outros. Assim, multiplicam-se os que fazem questão em sublinhar o perfil autoritário de Salazar (e não deixa de ser insólito que, nesse pueril confronto de ideologias, a memória dramática da ditadura do Estado Novo sirva também para ocultar o imenso rol de repressões e os milhões de vítimas inerentes à história do comunismo). Há mesmo quem, dando provas de um frágil idealismo, encare a situação como um forum de discussão do regime democrático. Estranhamente — e cinicamente — poucos falam da RTP, das suas escolhas de programação e do seu continuado papel na infantilização política dos portugueses.
Não, não se trata de demonizar os que fazem a RTP e tomam opções como as que favorecem o deprimente "circo" mediático de Os Grandes Portugueses. Trata-se, isso sim, de contrariar o estado geral de indiferença em relação aos poderes efectivos das televisões e, em particular, de continuar a discutir a responsabilidade social da RTP — esse é um serviço público que, já que a RTP não o cumpre, nós lhe devemos prestar.

"Air guitar" — o filme

Porque é que David S. Jung finge que tem uma guitarra? Na verdade, não está a fingir, mas a mostrar os seus dotes nesse peculiar desporto (?) musical (??) e artístico (???) que consiste em tocar guitarra... sem guitarra! Chama-se "air guitar" e já tem vedetas internacionais, precisamente como David S. Jung, mais conhecido pelo seu nome artístico C. Diddy. O "air guitar" tem as suas raízes lendárias na Finlândia, mais concretamente na cidade de Oulu. Aí se realiza, todos os anos, um festival de música e video que inclui uma competição de "air guitar". Mais recentemente, o fenómeno estendeu-se aos EUA, onde se realizou o primeiro concurso americano de "air guitar" (ganho por C. Diddy).
Com enorme rapidez, o cinema rapidamente se apropriou do assunto, de tal modo que o filme documental Air Guitar Nation, de Alexandra Lipsitz, acaba de estrear nas salas americanas. As primeiras impressões, decorrentes do trailer, revelam-nos um mundo em que um delirante virtuosismo se combina com um desconcertante burlesco — ou como o documentário continua a percorrer as fronteiras do insólito contemporâneo... Distribuição para Portugal? Para já, nada anunciado.

sábado, março 24, 2007

Um blog escolar

A cadeira de Estética do 4º ano da Escola Superior de Teatro e Cinema passou a ter o seu blog. Se nos quiserem visitar, eis o nosso endereço: http://esteticaestc.blogspot.com.

sexta-feira, março 23, 2007

5 x Moretti (2)

A paixão pelos actores >>> Para Nanni Moretti, filmar o mundo é também (apetece dizer: é sobretudo) atribuir ao actor um lugar decisivo na construção de um qualquer ponto de vista. O actor é, afinal, aquele que dá a cara — e, por assim dizer, empresta o corpo — para que o factor humano se inscreva nas imagens. Literalmente, o actor é aquele que sabe que está no lugar de outro. E que assume as responsabilidades decorrentes dessa peculiar representação e representatividade. Não por acaso, O Caimão é um filma atravessado por uma muito particular questão de actor. A saber: como representar Silvio Berlusconi? Como representar alguém que se apropriou de tantas formas de representação (televisiva e não só)? Moretti responde, antes de tudo o mais, através de um intenso fascínio pela matéria. No limite, ele responde que, para lidar com Berlusconi, é preciso lidar com muitas formas de representação — incluindo a televisão. E muitos objectos para o representar — incluindo o seu (de Moretti) próprio corpo. Não há cinema menos panfletário e mais visceralmente político.

quinta-feira, março 22, 2007

Comédia (pop) romântica

Hugh Grant em vedeta pop dos anos 80? E, para mais, em pleno século XXI, revivendo de forma mais ou menos insegura as glórias dos seus êxitos?... Estranho? É verdade que sim, mas funciona! Que é como quem diz: seja bem regressada a comédia romântica!
Música e Letra não é, exactamente, um glorioso exercício de cinema, digamos à maneira de um Minnelli dos anos 40 ou 50 (lembram-se de Meet Me in St. Louis?) — nem tem de o ser, entenda-se. O que conta é que esta história de um cantor "romântico" que encontra uma nova musa, interpretada por Drew Barrymore, possui duas ou três qualidades básicas: uma intriga verdadeiramente construída que se interessa pelas suas personagens (e pelas especificidades dos seus actores); uma agilidade e uma alegria bem expressas nos magníficos diálogos; enfim, um sentido de humor que nasce das situações e relações humanas, não da fabricação antecipada de "caricaturas" mais ou menos grosseiras. Marc Lawrence, argumentista e realizador, sabe fazer um genuíno filme cinéfilo, sem nunca cair num mero jogo de citações (vale a pena escutá-lo — e também ao compositor Adam Schlesinger —, explicando a abordagem da herança musical dos anos 80).

Quem tem medo da solidão?

Ano Bowie - 38
'Be My Wife' - Single, 1977


Três meses depois do bem sucedido Sound and Vision, o tema Be My Wife, segundo single extraído do álbum Low, deu a David Bowie o seu primeiro falhanço comercial desde os dias que antecederam a ascensão de Ziggy Stardust. Canção invulgarmente centrada numa aparente reflexão sobre angústias na primeira pessoa (Be My Wife é, sobretudo, um retrato do medo da solidão), chegou a ser confundida como eventual pedido de reaproximação com Angie. Bowie limitou-se a explicar, anos depois, que esta podia ser a solidão de qualquer um. Não necessariamente a sua... A canção segue uma pulsão rítmica que, juntamente com as notas ao piano por Roy Young dominam o cenário onde o "actor" encena palavras que falam de uma incapacidade em criar raizes, e de, mesmo assim, não querer viver só... Apesar das ressalvas do próprio, o jogo de imagens sugeridas parece, claramente, autobiográfico.

'Be My Wife'

Lado A: 'Be My Wife'

Lado B: 'Speed Of Life'

Produção: Tony Visconti



O teledisco que acompanhou Be My Wife foi filmado em Paris por Stanley Dorfman e mostrava Bowie exageradamente maquilhado, frente a um ofuscante fundo branco.

Um café e um McCartney

Paul McCartney é o primeiro artista assinado pela Hear Music, a editora ligada à rede de coffe houses Starbucks. O seu próximo álbum poderá ser vendido entre brownies, muffins e cappuccinos...

Mais títulos na série 33 1/3

São estes os livros que a Continuum Books anuncia para edição nos próximos dois anos:

Funkadelic: 'Maggot Brain', por Matt Rogers
Slayer: 'Reign in Blood', por DX Ferris
Tori Amos: 'Boys for Pele', por Elizabeth Merrick
Fleetwood Mac: 'Tusk', por Rob Trucks
Nas: 'Illmatic', por Matthew Gasteier
The Pogues: 'Rum, Sodomy & the Lash', por Jeffery Roesgen
Wire: 'Pink Flag', por Wilson Neate
Big Star: 'Radio City', por Bruce Eaton
Pavement: 'Wowee Zowee', por Bryan Charles
Madness: 'One Step Beyond', por Terry Edwards
Public Enemy: 'It Takes a Nation of Millions...', por Christopher R. Weingarten
Van Dyke Parks: 'Song Cycle', por Richard Henderson
Weezer: 'Pinkerton', por Jessica Suarez
Black Sabbath: 'Master of Reality', por John Darnielle
Wu-Tang Clan: 'Enter the Wu-Tang (36 Chambers)', por S.H. Fernando, Jr.
Afghan Whigs: 'Gentlemen', por Bob Gendron
Flying Burrito Brothers: 'Gilded Palace of Sin', por Bob Proehl
Elliott Smith: 'XO', por Matthew LeMay
Outkast: 'Aquemini', por Nick Weidenfeld e Michael Schmelling
The Flaming Lips: 'Zaireeka', por Mark Richardson

5 x Moretti (1)

O amor da matéria >>> Nanni Moretti filma a sua Itália com um misto de prazer e raiva, desespero dramático e delírio cómico. Do que ele não abdica é, não tanto das suas ideias políticas (não há cineasta mais político...), mas da militante atenção à pulsação do real. Em O Caimão, por exemplo, genial exercício cinematográfico sobre os tempos de Silvio Berlusconi. O que ele diz/mostra/filma não é tanto "isto é o que eu penso sobre a Itália-de-Berlusconi", mas antes: "como pensar uma realidade fabrica e gerida para não ser pensada?" Raras vezes o cinema contemporâneo (pensamos em Godard, inevitavelmente, mas também em Cronenberg) terá sido, de uma só vez, tão simples e tão radical na sua obsessão de não deixar escapar nenhuma parcela de real. Trata-se, afinal, de filmar o próprio desejo de fazer um filme — e o filme dentro do filme chama-se também O Caimão. Como quem diz: "vou contar-vos como fiz um filme sobre o que, por momentos, pensei que não seria filmável".

quarta-feira, março 21, 2007

Mais um livro sobre... Bowie

Tem por título From Station To Station - Travels With David Bowie 1973 - 76, é assinado por Geoff MacCormick e promete vasta selecção de imagens e textos sobre o período mais sombrio na vida de David Bowie, da morte encenada de Ziggy Stardust ao renascer de luz e esperança, três anos depois, na pele do Thin White Duke... Como sucedera com Moonage Daydream, de Mick Rock, este livro surgirá inicialmente no mercado com uma edição super-luxo de 300 exemplares assinados pelo autor e pelo próprio Bowie.

Esquilos, porcos e maus

Apesar de invisíveis para muito boa gente, os Metric são uma das mais interessantes entre as bandas que, nos últimos anos, fizeram da redescoberta de temperos new wave um ponto de partida para uma obra que, para já, nos deu dois magníficos álbuns de intensidade rock e puro prazer pop. Este é o teledisco de Empty, um dos menos apelativos dos singles extraídos do mais recente Live It Out. Mas, em contrapartida, um dos mais curiosos telediscos da banda canadiana. Realizado por Ming Chang, aqui está um exemplo pop/rock da herança dos... Marretas!

Björk está de 'Volta'

Com instrumentos (ufa!...) e canções (aleluia!...) Björk regressa aos discos, brevemente, com Volta. O disco, oficialmente, tem data de lançamento agendada par 8 de Maio. A estreia das novas canções terá lugar em concerto, em Reykjavik, na Islândia, no próximo dia 1 de Abril. Algumas semanas depois embarca para os EUA para uma série de concertos. O regresso à Europa está agendado para finais de Junho, para uma série de actuações festivaleiras. Passará por cá?

terça-feira, março 20, 2007

Novidades da Taschen

As duas páginas com Marilyn Monroe incluem imagens que pertencem ao filme Bus Stop/Paragem de Autocarro (1956), de Joshua Lang, e surgem num dos títulos da nova colecção Movie Icons, da editora Taschen. Além de Marilyn, já saíram volumes dedicados, entre outros, a Marlon Brando, Charlie Chaplin, Audrey Hepburn e Clint Eastwood. Entre os próximos lançamentos, anunciam-se Marlene Dietrich, Cary Grant, Humphrey Bogart, Ingrid Bergman e Katharine Hepburn. Cada livro, em formato 14 x 19,5 cm, tem 192 páginas.
Entretanto, a Taschen anuncia também mais um volume da magnífica colecção "Movies of...", desta vez dedicado à década de 20: Movies of the 20s an Early Cinema tem lançamento marcado para o próximo mês de Junho. A nova edição incluirá referências às primeiras décadas do cinematógrafo, a começar pelas experiências pioneiras dos irmãos Lumière, em 1895, evocando ainda os primeiros grandes autores clássicos, dos americanos Griffith ou Buster Keaton até soviéticos como Eisenstein e Pudovkin. A direcção pertence, como sempre, a Jürgen Müller, professor de história de arte na Universidade de Dresden — recorde-se que já foram publicados sete volumes desta série, dos anos 30 aos anos 90.

Mezzo canto... máximo teatro!

Delicioso fim de tarde no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian (dia 19, 19h00). A temporada de canto 2006/7 prosseguiu com a mezzo-soprano norte-americana Jennifer Larmore, propondo um concerto tanto mais fascinante quanto a "ligeireza" dos seus temas implica uma enorme precisão técnica e, mais do que isso, uma sábia gestão das nuances melódicas e emocionais. Com a cumplicidade do magnífico acompanhante, o pianista francês Antoine Palloc, Larmore soube cumprir o seu programa com a exuberância sempre elegante de quem possui uma genuína teatralidade, obviamente ligada a uma larga experiência de palco no domínio da ópera.
De Rober Quilter a Mozart e Rossini (fabulosa performance da ária Una voce poco fa, de Il barbiere di Siviglia), a primeira parte incluiu, entre outros, um momento de admirável energia e precisão: os versos Heart, We Will Forget Him, de Emily Dickinson, musicados por Vernon Duke. Com Debussy e Bizet (árias da Carmen encenadas, por momentos, como um jogo de sedução com o próprio pianista), a segunda parte desembocou em Art is calling for me (I want to be a Prima Donna), da opereta The Enchantress (1911), de Victor Herbert. Se dúvidas ainda houvesse, aí ficou provado que a magia de Larmore é indissociável de uma elaborada condição de actriz.

segunda-feira, março 19, 2007

Discos da Semana, 19 de Março

Panda Bear “Person Pitch”
Panda Bear (ou se preferirem, Noah Lennox, baterista e um dos fundadores dos Animal Collective) pode ser encarado como o paradigma do que, para já, vemos como o músico do século XXI. A sua consciência musical vive de uma ecléctica visão do universo de discos e sons que o rodeiam. Ao seu serviço convoca máquinas e técnicas que desenham o presente. Nas suas composições reflecte-se uma personalidade que sabe fazer coexistir uma firme vontade em falar do real e um evidente interesse pela construção de “canções” ricas em elementos texturais, entre os quais evoluem melodias, pulsões rítmicas, ideias e palavras. Três anos depois do elegíaco Young Prayer, disco-reflexão sobre a morte do pai e a dor que a perda convoca, Person Pitch celebra sentimentos opostos, partindo do nascimento da sua primeira filha (e de uma nova vida sedeada em Lisboa, onde vive há três anos) para cantar uma felicidade reencontrada. Aqui encontramos canções texturalmente ricas numa multidão de acontecimentos que, à primeira audição, quase escondem as linhas das melodias e as palavras que circulam na sua medula e aprendemos a descodificar e sentir a cada novo encontro. Person Pitch é uma colecção de pérolas talhadas com cautela para evitar erupções de som ou fossos de silêncio, sugerindo padrões planos, circulares, onde a repetição arrebata a cada ciclo. Um paraíso flutuante de sensações sugeridas, a luz e sons de Lisboa assimilados de uma forma como nunca antes os ouvimos...

Apples In Stereo “New Magnetic Wonder”
Depois de um hiato de cinco anos (do qual resultou Expo, um magnífico álbum pelo seu alter-ego, o projecto Marbles) Robert Schneider reactiva os Apples In Stereo para nos dar o mais consistente e ambicioso dos seus discos e, claramente, o melhor que editor desde que deixou de gravar pela Elephant 6 (um olhar pela ficha técnica, de resto, mostra aqui uma multidão de velhos amigos desses tempos). Mantém-se vivas as mesmas referências pop de escola “anos 60” (sobretudo os Beach Boys, Turtles, Beatles e Kinks), em confronto saudáveis com electrónicas discretas mas, sem perder de toda uma afinidade com artes finais lo-fi, as canções têm agora formas mais definidas, traduzindo a sua luminosidade pop uma sensação feel good que garantirá ao ouvinte momentos vários para episódios de amor à primeira vista. Canções e curtos instrumentais, mais que contar uma história, convidam a um mundo de fuga sem agenda política. Mas evidentemente capaz de trazer felicidade doce a quem o escutar.

Animal Collective “People EP”
Manifestação de continuidade face ao aprumo de uma linguagem pessoal atingido no álbum anterior – Feels (de 2005) – este é apenas um disco de “manutenção”, ao mesmo tempo que assinala o derradeiro lançamento da banda pela Fat Cat. Contudo, enquanto Tikwid (uma balada obsessivamente sedutora) e o não menos curioso My Favourite Colors nascem do mesmo caldeirão que forjou o já citado Feels, o tema-título (aqui apresentado em versões de estúdio e ao vivo) é, sem fugir a uma mesma agenda estética, uma interessante experiência feita de ténues linhas de guitarra e repetição de módulos vocais, sugerindo um encantamento que se descobre, ao longe, aos poucos, como quem olha a linha do horizonte.

Lisa Gerrard “Lisa Gerrard”
A voz e uma das forças criativas dos Dead Can Dance em antologia em nome próprio. Nada contra. Dividida hoje entre a criação de música ao serviço do cinema e uma obra a solo (apesar de essencialmente palco de colaborações) onde a demanda outrora ambiental quase resvala para o new age, Lisa Gerrard tem, aqui, um cartão de vista para aqueles a quem escaparam os dias em que foi figura estrutural na definição de um dos ramos mais prolíficos da editora 4AD. A antologia aposta fortemente no reencontro com memórias das várias etapas dos Dead Can Dance, assim como não deixa de usar fragmentos d’O Gladiador, Ali ou Whale Rider como cartaz capaz de captar novas atenções. A sua curta obra a solo (não cinematográfica, leia-se) é claramente secundarizada. Pecado maior: a total ausência de texto que coloque esta história em contexto. Uma das mais pobres capas da 4AD e um booklet de muitas páginas e zero de informação são fraca moldura para uma história que merecia ser aqui mais bem contada.

Também esta semana:
Andrew Bird, David Bowie (reedições), Kronos Quartet, Neil Young, Jah Wobble, Christian Gansch (Beethoven), New Young Pony Club, Paulo Praça

Brevemente:
26 de Março: Rickie Lee Jones, Trans AM, Bobby Conn, Amon Tobin, Brett Anderson, Gary Numan (BBC Sessions), Kieran Hebden + Steve Reid, Norton, Bananarama (reedições), OneTwo, Laura Veirs, Teresa Salgueiro, Doors (reedições), Wedding Present (BBC Sessions), Vários (Mute Archive 1), Yardbirds (best of), The Bees, Jean Michel Jarre
2 de Abril: Maximo Park, Kings Of Leon, Da Weasel, Waterboys, Modest Mouse, Prefab Sprout (reedição), Low, Herbert, DJ Vadim
9 de Abril: Bright Eyes, Cowboy Junkies, CocoRosie


Abril: Patti Smith, Spiritualized, Nine Inch Nails, The Knife (DVD), Arctic Monkeys, Maria João, Blonde Redhead, Tributo a Joni Mitchell

Maio: Rufus Wainwright, OMD (reedição), Tori Amos, Björk

Estas datas podem ser alteradas a todo o momento

Discos Voadores, 17 de Março

No momento em que é editada uma antologia da obra de Lisa Gerrard, um olhar panorâmico pelas memórias da facção pop ambiental que caracterizou parte do catálogo da 4AD em meados de 80 e inícios de 90.

Of Montreal “Heimdalsgate Like A Promethean Curse”
Apples In Stereo “Can You Feel It?”
Micro Audio Waves “Down By Flow”
Panda Bear “Comfy Nautica”
Animal Collective “Tikwid”
The Shins “Turn On Me”
Dead Can Dance “Severance”
Partisan Seed “The Old Garden”
Rufus Wainwright “Katonah”
Lavender Diamond “You Broke My Heart”
Jesse Sykes “LLL”
Sister Vanilla “Slacker”
Kristin Hersh “Under The Gun”
Long Blondes “Giddy Stratospheres”
Metric “Handshakes”

Cinematic Orchestra “To Build A House”
Peter Von Poehl “The Story Of The Impossible”
Old Jerusalem “Her Scarf”
Dead Can Dance “The Host Of Seraphim”
Lisa Gerrard + Pieter Bourke “The Unfolding”
Dead Can Dance “Enigma Of The Absolute”
Dead Can Dance “Fortune Presents Gifs Not According To The Book”
Le Mystère des Voix Bulgares “Mir Stankele”
Cocteau Twins “Sugar Hiccup”
This Mortal Coil “I Want To Live”
This Mortal Coil “Song To The Siren”
Clan Of Xymox “Masquerade”
This Mortal Coil “You And Your Sister”
Três Tristes Tigres “Anormal”


Discos VoadoresSábado 18.00 – 20.00 / Domingo 22.00 – 24.00
Radar 97.8 FM
ou www.radarlisboa.fm

domingo, março 18, 2007

De Morricone a... Shawn Lane!

We All Love Ennio Morricone é um daqueles "tributos" em que o formalismo da pose se sobrepõe ao rigor e coerência da própria atitude criativa. Trata-se de recuperar e recriar alguns temas emblemáticos da longa relação de Morricone com o cinema, com inevitável destaque para as suas colaborações com Sergio Leone, a começar, claro, por O Bom, O Mau e o Vilão (1966). Mas o tom de arbitrariedade é tão grande que os 17 temas do álbum nem sequer são identificados pelos filmes que integraram. Fica uma lista heterogénea que vai de Celine Dion a Yo-Yo Ma, passando por Andrea Bocelli e Dulce Pontes. Por mim, direi que o álbum vale a pena por cinco faixas:
The Good the Bad and the Ugly, por Quincy Jones: voz de Patti Austin, teclas e sintetizadores a cargo de Herbie Hancock;
Once Upon a Time in the West, pela Orchestra Unioni Musicisti di Roma, sob a direcção de Morricone: Bruce Springsteen está na guitarra;
The Ecstasy of Gold, pelos Metallica;
Come Sail Away, pela mesma orquestra de Once Upon a Time..., de novo com Morricone: canta a soprano Renée Fleming;
Lost Boys Calling, com produção de Patrick Leonard: canta Rogers Waters e inclui o guitarrista Edward Van Halen.
Como complemento à performance de Springsteen, podemos recuar um pouco no tempo e revisitar Once Upon a Time in The West numa versão do grande guitarrista Shawn Lane (1963-2003) — é uma gravação de Paris, com data de 1994.

Major Tom - Versão 2.0

Ano Bowie - 37
'Hallo Spaceboy' - Single, 1996




Hallo Spaceboy é, na versão original, um dos momentos mais intensos do álbum 1.Outside (1995) mas, reinventada para single pelos Pet Shop Boys, combina essa intensidade sombria com uma estranha, mas contagiante luminosidade pop. A canção evoluiu, na sua forma original de um momento de inspiração motivado por Moondust, um antigo instrumental de Reeves Gabrels, juntando-lhe temperos indie, sobretudo ostentando marcas de admiração pelos Nine Inch Nails, Smashing Punpkins e Pixies. A canção, de certa forma, homenageia Briob Gysin, um dos artistas mais admirados por Bowie, responsável, juntamente com William Burroughs, por uma técnica de construção fragmentária de escrita que tantas vezes usou nas suas letras. Escondida entre o alinhamento de 1.Outside, a canção ganhou vida própria depois de um desafio lançado a Neil Tennant para que a remisturasse. Tennant e Chris Lowe (que é como quem diz, os Pet Shop Boys) não só reconstruíram rítmica e estruturalmente a canção, como a ela juntaram pedaços da letra de Space Oddity, nomeadamente citando o velho Major Tom, cantados pelo próprio Neil, estabelecendo uma inesperada ponte com uma das mais icónicas referências na obra de Bowie, sublinhando um subtexto sci-fi que o teledisco depois aproveitaria. A versão nascida desta colaboração com os Pet Shop Boys representaria o segundo maior êxito de Bowie na década de 90, ultrapassado apenas pelo single Jump They Say (de 1993).

‘Hallo Spaceboy’
CD Single:
‘Hallo Spaceboy (remix)’ + ‘Under Pressure (live version)’ + ‘Moonage Daydream (live version)’ + ‘The Hearts Filthy Lesson (Bowie Mix)’
Faixa 1 produzida pelos Pet Shop Boys



Realizado por David Mallet, o teledisco de Hallo Spaceboy junta às imagens de Bowie frente a um bizarro microfone de pé curvo as silhuetas dos Pet Shop Boys e uma colagem de pedaços de filmes de ficção científica dos anos 50 e 60, sublinhando o subtexto futurista amplificado pela junção de pontes com a memória do Major Tom de Space Oddity.

A IMAGEM: Eddie Adams, 1984

JERRY LEWIS fotografado por Eddie Adams, em 1984

sexta-feira, março 16, 2007

South Park x 25

A próxima edição da revista Rolling Stone (data: 22 Março) tem a série de animação South Park como tema central: "Still sick, still wrong" é o título de capa. Pretexto: um retiro criativo para "balanço & contas" e a discussão de novas histórias para este verdadeiro objecto de culto, criado por Trey Parker e Matt Stone em 1997 e, desde então, transmitido pela Comedy Central. Para completar o seu dossier, a Rolling Stone foi ao arquivo dos mais de 150 episódios já emitidos e propõe um top dos 25 melhores momentos da série. Aqui fica um deles, com Paris Hilton, desgostosa com a perda do seu cão, propondo-se "comprar" para animal de companhia... o pequeno Butters.

Melodramas de ontem e de hoje

O Véu Pintado/The Painted Veil é o tipo de cinema que... já não se faz. E, no entanto... Revisitando Somerset Maugham, o realizador John Curran filma esta história de um amor à deriva, nos anos 20, nas paisagens inesperadas da China, como uma espécie de requiem pela memória dos grandes melodramas da idade clássica de Hollywood. No seu horizonte estão obras emblemáticas de gente tão respeitável como George Cukor ou Vincente Minnelli. E também de... Richard Boleslawski (1889-1937) — actor e cineasta de origem russa, foi ele que, em 1934, dirigiu a primeira versão de The Painted Veil, com Greta Garbo e Herbert Marshall. Não se pode dizer que, agora, Naomi Watts e Edward Norton apaguem tais recordações. Mas também não é essa questão: o que conta é a afirmação criativa deste cinema esteticamente "anacrónico", mas ainda crente na sua verdade intrínseca.

Bowie de 90 e 00 em reedição com extras

A Sony japonesa anunciou, para Junho, uma campanha de reedição dos cinco mais recentes álbuns de originais de David Bowie. Todos os discos surgirão em formato de CD duplo, com um segundo disco sempre recheado de extras. 1.Outside (de 1995), Earthling (1997) e hours (1999) serão reeditados segundo o alinhamento de uma edição especial que teve já lançamento europeu em 2004. Completamente novos serão os alinhamentos dos CD bónus de Heathen (2002) e Reality (2003), cheios de lados B, versões, temas surgidos em repackages especiais por alturas da sua edição original, remisturas e algumas regravações (entre as quais temas recuperados do álbum "perdido" Toys). Para os interessados, aqui ficam os extras nestes dois álbuns:

Heathen: Sunday (Moby Remix), A Better Future (Air Remix), Conversation Piece, Panic In Detroit (regravação de 1979), Wood Jackson, When The Boys Come Marching Home, Baby Loves That Way, You've Got A Habit Of Leaving, Safe e Shadow Man.


Reality: Waterloo Sunset, Fly, Queen Of The Tarts, Rebel Rebel (regravação de 2002), Love Missile F1-11, Rebel Never Get Old (radio mix), Rebel Never Get Old (7th Heaven Mix) e Rebel Never Get Old (7th Heaven edit)

Interpol a caminho...

Os Interpol estão a terminar as gravações do seu terceiro álbum, o sucessor de Antics (de 2004). Em declarações ao NME, o guitarrista Daniel Kessler descreveu o disco como mais "expressivo" e revelou que, desta vez, houve teclados envolvidos desde as primeiras etapas de composição. As primeiras canções "prontas" deverão ser escutadas no primeiro concerto, marcado para Otava (Canadá) a 18 de Abril. Dias depois, a 27 de Abril, actuam em Coachella. E a 5 de Julho são um dos nomes mais apetitosos no cartaz do SBSR.

Elijah, o realizador

O primeiro teledisco do álbum New Magnetic Wonder, dos Apples In Stereo, corresponde à estreia na realização do actor Elijah Wood... A canção é pop irrestível. O gosto do jovem actor, portanto, interessante. Já o talento do realizador é coisa que o teledisco não mostra, tão indecisa que parece ser a opção pelo registo straight ou... tremidinho... Vale a aposta, vale a canção. E vale a pena pensar que, com esta pop, um tratamento visual mais elaborado não seria má ideia... Aqui fica Energy:

O 'alien' que tocava guitarra

Ano Bowie - 36
'The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars' - Álbum, 1972


Tony De Fries ensinou a David Bowie que, para ser uma estrela, tinha de se comportar como uma estrela. Passou a andar sempre acompanhado de um guarda costas, deslocando-se sempre de limousina. O acesso da imprensa ao músico passou a ser controlado, que é como quem diz, filtrado, dificultado. E as fotos autorizadas eram escolhidas a dedo... Tudo isto numa altura em que, para o cidadão comum, Bowie era ainda um David ninguém... Ao comportamento popstar faltava, contudo, o disco que o justificasse. Disco que nasceu, em 1972, na forma do sublime The Rise and Fall of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars, um álbum coeso, de escrita certeira, canções irresistíveis, com uma história “conceptual” a servir-lhe de medula: a de um poeta visionário que, com ajuda alienígena, acaba transformado em estrela rock’n’roll, num mundo à beira do apocalipse.
O conceito, que David Bowie descreveu como um “cruzamento de Nijinski com a Woolworth’s” (uma cadeia de grandes lojas), juntava uma série de ingredientes devidamente assimilados. Andy Warhol, Lou Reed, Iggy Pop, Marc Bolan, T. S. Eliot, teatro Kabuki, A Laranja Mecânica, 2001: Odisseia no Espaço e Metropolis... Ziggy Stardust, personagem, nascia de uma amálgama de figuras, histórias, imagens e sons, a primeira das criações de Bowie pensadas para dar corpo a uma música e, consequentemente, representá-la performativamente. E entre 1972 e 73 Bowie e Ziggy eram quase indistinguíveis.
Ziggy Stardust é também o disco que faz de Bowie a estrela maior do firmamento glam rock (se bem que Marc Bolan tenha sido o seu real percursor e, eseticamente, apenas o álbum seguinte, Aladdin Sane, reflicta as cores e tons do novo vocabulário pop em expansão). Na essência, Ziggy Stardust é um álbum de rock eloquente, elegante, uma primeira face mais elaborada e introspectiva, uma segunda eléctrica, ostensiva, contagiante. Bowie fez discos melhores, mas este talvez tenha sido o que maior impacte cultural teve no seu tempo.

quinta-feira, março 15, 2007

Lilly Shaw... ou Sandie Allen?

Aqui está uma boa ideia pop. Pegar no clássico Puppet On A String, de Sandie Shaw, e daí fazer nascer uma canção igualmente pop, garrida, luminosa, mas de história não tão inócua quanto a que ganhou na Eurovisão em 1967. Aqui está Lilly Allen, em Alfie.

China, 1949

Qiang (Dong Bowen) tem quatro anos e não gosta da escola... Por desencanto ou cepticismo, diremos que ele reflecte uma questão corrente, típica destes nossos tempos de tantas crises pedagógicas e institucionais. Mas não, não se trata de alimentar boas consciências, acabando por desculpabilizar tudo e todos. Isto porque Qiang não é um ser abstracto: a sua revolta contra os hábitos de higiene e disciplina que lhe querem impor depara, não apenas com a natural resistência das professoras, mas sobretudo com um elaboradíssimo sistema de normalização e integração dos indivíduos nos ideais "colectivos" — afinal de contas, Qiang é aluno de um jardim-escola da China, nos primeiros tempos do poder maoísta, por volta de 1949.
O filme sobre Qiang, realizado por Zhang Yuan, chama-se Pequenas Flores Vermelhas e é mais um belíssimo exemplo da vitalidade do cinema da China (recorde-se que, há uma semana, tivemos a estreia de A Maldição da Flor Dourada, de Zhang Yimou). Deparamos, aqui, com uma vontade de realismo que se mostra atento à pluralidade do factor humano, ao mesmo tempo que sabe detectar na organização social as marcas de uma idealização que, em última instância, é de natureza política e afecta todo o funcionamento simbólico da colectividade. Por isso mesmo, a história de Qiang, sendo particularíssma, possui um genuíno apelo universal.

Madonna também é lixo

Madonna, 1996 (composição e foto de Bruno Mouron e Pascal Rostain)

Há mais de quinze anos, o jornal Le Monde publicou um seriíssimo artigo sobre o lixo e o seu valor de sintoma social. O autor, professor universitário de sociologia, argumentava que o estudo do lixo era um elemento muito esclarecedor, susceptível de nos elucidar sobre fenómenos de consumo e comportamentos sociais.
Vale a pena considerar tão fascinante tese e, por assim dizer, não a deitar para o lixo... Em todo o caso, foi o que fizeram os franceses Bruno Mouron et Pascal Rostain: desde a leitura do artigo do Le Monde, transformaram-se numa espécie de paparazzis do lixo (eles que já eram paparazzis...). Trabalhando entre Paris e Los Angeles, montaram um sofisticado (?) esquema de trabalho para recolher, tratar e, last but not least, fotografar o lixo de gente famosa do espectáculo e da política. Da sua lista constavam, entre outros, os nomes de Brigitte Bardot, Jean-Marie Le Pen, Yannick Noah, Gérard Depardieu, Marlon Brando, Jack Nicholson, Madonna, Michael Jackson e Ronald Reagan.
Agora, chegou a fase de canonização, ou melhor, exposição. Não num qualquer recanto sujo e, por assim dizer, cheio de lixo, mas num dos magníficos templos artísticos de Paris: a Maison Européenne de la Photographie (até 3 de Junho). Chama-se Trash e parece ser um bom, ambíguo e, por certo, perturbante testemunho da nossa relação contemporânea com o obsceno. Os exemplos disponíveis online [Madonna e Jack Nicholson são aqui reproduzidos, salvo seja...] reflectem uma irónica vontade de sistematização, como se, apesar da nossa fragilização simbólica, ainda acreditássemos numa ordem possível para o mundo, mesmo para os seus restos — à sua maneira, este é um discurso experimental e insatisfeito, numa palavra, poético. Escusado será dizer que, dos visitantes, se espera que não deitem lixo para o chão.

Jack Nicholson, 1990 (composição e foto de Bruno Mouron e Pascal Rostain)

quarta-feira, março 14, 2007

'Berlin' pela Europa

Lou Reed anunciou uma digressão europeia na qual vai interpretar, na íntegra, o histórico álbum Berlin, de 1973. A digressão apresentada, que arranca em Bruxelas a 18 de Junho, revela apenas a marcação de nove concertos, nenhum deles em Portugal ou Espanha (as datas mais acessíveis para a clientela nacional serão as de Paris, a 23 de Junho no Palais des Congrès e as duas de Londres, a 30 de Junho e 1 de Julho no Hammersmith Apollo). Estreado em Dezembro de 2006 no St Anne's Warehouse em Nova Iorque (a mesma sala onde em 1990 apresentou Songs For Drella, com John Cale), este concerto conta, além de Lou Reed e da sua banda, com uma orquestra de 30 elementos (apenas instrumentos de cordas e sopro), um coro juvenil e a voz convidada de Antony Hegarthy (Antony And The Johnsons).
PS. A foto que acompanha este post foi tirada no concerto de Sidney, por Trent O'Donell

Entre mochos e pandas

A poucos dias da edição de Person Pitch, o assombroso novo álbum a solo de Panda Bear, aqui fica uma versão curta de Bros, talvez a faixa "fulcral" deste disco. O teledisco, sob conceito de John Fell Ryan e realização de Frank Macias usa um edit de pouco mais de seis minutos de um tema que, no álbum, surge na sua versão total, de 12 minutos e meio. O mocho que se ouve, é vizinho de Noah (ou seja, o Panda Bear, ele mesmo), em Lisboa.

Hvorostovsky, ou a alma russa

Mais um belíssimo concerto na temporada de música da Fundação Gulbenkian: o barítono russo Dmitri Hvorostovsky (Grande Auditório, dia 13, 19h00) veio interpretar um programa inteiramente russo, de Piotyr Ilitch Tchaikovsky a Georgi Sviridov, segundo uma lógica (cronológica) de passagem do século XIX para o século XX e um sentido temático do(s) romantismo(s) para a sua decomposição/reconversão.
Acompanhado ao piano por Ivari Ilja, Hvorostovsky demonstrou as espantosas nuances de alguém que sabe expor o contido negrume das canções sobre a morte de Tchaikovsky ou Modest Mussorgsky, derivando depois para o calor afectivo de composições de autores como Alexander Borodin ou Sergei Rachmaninov (admirável interpretação de Ne poi krasavitza pri mne / Não cantes mais para mim, op.4 nº 4) — ele é, afinal, um verdadeiro narrador da nobre arte do canto, justificando a aplicação da expressão alma russa para definir a densidade e o fulgor da sua voz e da sua presença intensa, mas sempre sóbria.

terça-feira, março 13, 2007

Discos da Semana, 12 de Março

Of Montreal “Hissing Fauna, Are You The Destroyer?”
Banda natural de Athens (na Georgia, EUA), que nasce em finais de 90 integrada na segunda geração de bandas da editora Elephant 6 (a mesma que, entre outras, revelou os Neutral Milk Hotel, Olívia Tremor Control ou Elf Power), os Of Montreal não são todavia mais que a expressão da criatividade, angústias, sonhos e desejos de um só homem. Ele é Kevin Barnes que, depois de quase dez anos afogado no que já designou ser um gueto indie, viu a sua música ser finalmente reconhecida por ocasião da edição dos seus mais recentes dois álbuns – Satanic Panic In The Attic (de 2004) e Sunlandic Twins (2005) – justiça então finalmente feita sobre alguns dos grandes feitos antes por muito ignorados, nomeadamente The Gay Parade (de 1999, espaço de notória reunião de colaborações de músicos de outras bandas da Elephant 6) e o bizarro, mas magnífico, Coquelicot Asleep In The Poppies: A Variety Of Whimsical Verse. Nos anos mais recentes, o cultor de uma pop retro (que não esconde um encanto pelos Kinks) e decorador de artes finais sob texturas psicadélicas tem permitido a entrada em cena de electrónicas pop com sabor a 80, numa paleta todavia mais próxima dos sabores que reconhecemos nuns Stereolab (e por vezes Legendary Pink Dots) que na presente vaga retro roqueira de travo new wave. O novo álbum, contudo, revela mais que um mero exercício estético de um espantoso compositor pop capaz de dominar, sem nunca perder o Norte, arranjos de invulgar complexidade. Hissing Fauna, Are You The Destroyer é a crónica de acontecimentos vividos nos últimos dois anos, da mudança do casal Kevin e Nina para a Oslo natal da segunda (para aí ter uma filha, usufruindo das vantagens do sistema de saúde norueguês) ao reencontro da vida feliz em Athens. Pelo meio uma depressão e ataques de ansiedade provocados pela inadaptação de Kevin a Olso, uma separação do casal quando do regresso aos EUA, um mergulho pela solidão e bebida e, finalmente, a paz reencontrada. As canções, escritas e gravadas à medida que iam surgindo, documentavam a viagem sombria que Kevin vivia, mas revelavam uma vontade de contrariar a tendência incapacitante da depressão pelo recurso a uma pop luminosa, o choque de contrários evidente entre palavras de pungente dor e melodias e ritmos de desafio festivo. Cronologicamente ordenadas, as cenas vividas conhecem viragem na já referida canção com efeito de twist narrativo, deambulação de 12 minutos que separa uma primeira parte pop de alma dorida e uma segunda onde a esperança é reencontrada. Entre memórias e melodias, Kevin mostrou como a pop pode ser, afinal, um excelente meio de terapia relativamente eficaz, económico, e sem efeitos secundários menos desejáveis.

LCD Soundsystem “Sound Of Silver”
Nos últimos anos poucos foram os discos que conheceram a adesão e provocaram ecos como o álbum de estreia do LCD Soundsystem. O álbum que justamente acabou eleito como a luz ao fundo do túnel que há muito se não sentia nas esferas da chamada “música de dança” e, ao mesmo tempo, o híbrido feito de colagem das ideias vividas no presente e de memórias escutadas em velhos discos, tradução exacta de uma saudável inquietude criativa que tem feito de Nova Iorque a sede de algumas das melhores revelações da presente década que se expõe não só na obra do LCD Soundsystem como na colheita da editora DFA, comandada pelo mesmo cérebro irrequieto. Depois de uma peça de 45 minutos para “manutenção” (literalmente), eis o mui esperado segundo álbum, nada mais que uma evolução na continuidade, mais cautelosa que talvez se esperasse e, apesar dos feitos, com uma colecção de canções impossível de vencer a magistral montra mostrada no álbum anterior. Na verdade, James Murphy mais não faz aqui que aplicar, de novo, a filosofia “diz-me quem citas, dir-te-ei quem és” que já aplicara ao disco anterior. Krafwerk, Liquid Liquid, Brian Eno e um evidente piscar de olho por notas soltas pelo livro de estilo do punk regressam à berlinda. A eles juntam-se Human League, Velvet Undreground, Bowie, The Fall (cada vez mais Mark E Smith parece referência vocal para James Murphy) e... o próprio LCD Soundystem. Ou seja, o citador acaba citado por si mesmo, num processo de cícliva invenção e reenvinção, afinal nada mais que uma mecânica de construção artística que, hoje, domina diversos cenários da criação.

The Long Blondes “Someone To Drive You Home”
O filão pop/rock de inspiração new wave não parece estar a revelar grande capacidade das bandas em dar segundos passos. Mas ainda há primeiros que, a chegar só agora, merecem a nossa atenção. É o caso dos Long Blondes, que neste disco se confirmam como mais que meros bons criadores de singles de pujança pop, viço eléctrico e desafio dançante. O álbum, produzido pelo ex-Pulp Steve MacKay, não fica aquém de pequenas pérolas pop como Giddy Stratospheres ou Weekend Without Makeup, reinventando o eficaz melodismo de uns Blondie com a força de uns Elástica, sob ocasional tempero vocal a lembrar Lene Lovich. Uma seiva cinéfila corre nas palavras, um sentido de imagem pelo artwork... Começam bem...

Heróis do Mar “Amor”
Com o subtítulo “O Melhor dos Heróis do Mar 1981-1989”, este é o primeiro best of dos Heróis do Mar a contar a sua história pop(ular) das duas etapas editoriais da vida da banda. Ou seja, a fase PolyGram (1981-85), estética, criativa e comercialmente mais bem sucedida, e a etapa EMI (1986-89), mais discreta, mas não menos dotada de grandes momentos (para tal bastando ouvir Fado, O Inventor ou Africana). O alinhamento concentra-se nos singles, com pontuais convites a lados B ou faixas de álbuns, incluindo como única novidade “digital” a Versão Nocturna de Amor, com colaboração vocal de Né Ladeiras.

Também esta semana:
Magazine (reedições), Blind Zero, Talking Heads (best of – reedição), Fratellis, Tarnation

Brevemente
19 de Março: Andrew Bird, Panda Bear, Rakes, David Bowie (reedições), Kronos Quartet, Neil Young, Jah Wobble, Christian Gansch (Beethoven), New Young Pony Club, Paulo Praça
26 de Março: Brett Anderson, Gary Numan (BBC Sessions), Kieran Hebden + Steve Reid, Norton, Bananarama (reedições), OneTwo, Laura Veirs, Teresa Salgueiro, Doors (reedições), Wedding Present (BBC Sessions), Vários (Mute Archive 1), Yardbirds (best of), The Bees, Jean Michel Jarre
2 de Abril: Maximo Park, Kings Of Leon, Da Weasel, Waterboys, Modest Mouse, Prefab Sprout (reedição), Low, Herbert, DJ Vadim

Abril: Patti Smith, Bright Eyes, Spiritualized, Nine Inch Nails, The Knife (DVD), Da Weasel, Arctic Monkeys, Maria João, CocoRosie, Cowboy Junkies

Maio: Rufus Wainwright, OMD (reedição), Tori Amos

Estas datas podem ser alteradas a todo o momento

Brava nota

Vale a pena ler esta nota publicada no blog do filme Brava Dança:

Nota para João Lopes

«Um criador não é alguém que trabalhe para o prazer.
Um criador só faz aquilo de que sente absoluta necessidade.»
Gilles Deleuze, «O que é o acto da criação?», 1987 (ver video)


O nosso Dantas surgiu na pele de João Lopes: desviou por instantes o olhar dos videoclips de Madonna e das páginas da Vanity Fair, deixou-o pousar com displicência sobre um objecto alheio a esse universo que tanto preza, e quedou-se perplexo. Ainda formulou a pergunta correcta («De que é que o filme nos fala quando fala dos Heróis do Mar?»), mas encontrar a resposta esteve para além das suas forças, muito embora existissem algumas mesmo ali à mão: fala por exemplo de uma ética, fala do tempo, fala de uma ética no tempo.
De alguém que ganha a vida como crítico de cinema esperar-se-ia uma outra atitude, mais dinâmica e activa - por exemplo, a de analisar que tipo de cinema é que este filme invoca; e, sobretudo, que não caísse em erros de principiante, como o de confundir o material recolhido para o filme com o material editado no filme; ou o de anunciar a falsa novidade de que o filme «já tem blog», quando na verdade o tem desde Junho de 2006.
João Lopes não encontra mais do que o enfado e o vazio. Não admira: vistas as coisas, ele também não procura muito mais do que isso, ainda que a essa penosa indolência acrescente alguma insolência.
No entanto, do que precisávamos era de ideias.
E, em tais circunstâncias, a nota não pode ser melhor.

Autor: João Lopes
Título: «Música e Política»
Edição: Diário de Notícias 08Mar2007; republicado online
Classificação: 7/20

Postado por JOPP em 3/11/2007 06:07:00 PM


***
Fico sempre desconcertado com as manifestações de ódio vindas de uma pessoa que pretende visar alguém que pensa de modo diferente do seu, para tal apenas utilizando a demarcação bélica ("o nosso Dantas") ou a redução do outro a uma máquina de estupidez ("desviou por instantes o olhar..."). Em boa verdade, confesso, é mais do que isso. É uma imensa desilusão, aliás inevitável face ao tom maniqueísta de muitos discursos que proliferam na Internet. O visado não tem, aliás, nenhum recurso e até mesmo o facto de não saber que existia um blog do filme Brava Dança (antes de, há poucos dias, ter recebido um oportuno mail de divulgação da respectiva produtora), é apontado como imperdoável falsidade.

Se o meu texto sobre Brava Dança é, ou não, carente de ideias, eis o que se liga com a sua condição inelutável de matéria pública — tal avaliação depende do legítimo juízo de cada leitor, incluindo, claro, aquele que a mim se refere escrevendo: "De alguém que ganha a vida como crítico de cinema esperar-se-ia uma outra atitude..."

Face a este tipo de linguagem, sou sempre levado a pensar se me estão democraticamente a oferecer o direito de escrever sobre alguém qualquer coisa que comece por: "De alguém que ganha a vida como cineasta esperar-se-ia uma outra atitude..." Se é isso, dispenso a utilização de tal direito.

Em todo o caso, deduzo que o autor da nota citada (que assina JOPP) seja Jorge P. Pires, um dos autores do filme, com quem trabalhei vários anos no semanário Expresso, julgava eu que, para além das inevitáveis diferenças de visão ou sensibilidade, num clima de saudável cordialidade humana e cumplicidade profissional. Verifico que não: Jorge P. Pires considera-me um insolente, nutrindo por mim um desprezo visceral que não acredito que possa resultar apenas do facto de eu não ser entusiasta de um trabalho a que o seu nome está ligado.

A ética do tempo é cruel para todos. Consolo-me com Gilles Deleuze: "Chaque fois qu'on me fait une objection, j'ai envie de dire: 'D'accord, d'accord, passons à autre chose.' "

segunda-feira, março 12, 2007

Um ano depois....

O álbum foi editado em Abril do ano passado e passou a Leste da atenção de muitos. Nele contudo morava uma das canções que foi um dos hinos Primavera/Verão mais cantarolados por estas bandas, com lugar cativo na Radar e certas noites dançantes. Agora, os The Sounds resolveram regressar a Dying To Say This To You e a fazer deste Painted By Numbers um single com sabor a aposta (e teledisco pensado para servir a ambição).
P.S. Também são suecos...

Low em Lisboa

A agenda não pára! Agora anunciam-se os Low para concerto a 2 de Julho, no Santiago Alquimista. Antes contaremos nos escaparates com o novo álbum, Drums & Guns, com algumas supresas texturais nas entrelinhas.

Discos Voadores, 10 de Março

A assinalar a chegada às salas de cinema do documentário Brava Dança, pelo ovni passou um olhar informal pela história dos Heróis do Mar, seus antecedentes e derivações.

Peter Von Poehl “The Story Of The Impossible”
The Shins “Red Rabbits”
Micro Audio Waves “Down By Flow”
Of Montreal “Heimdalsgate Like a Promethean Curse”
Patrick Wolf “The Magic Position”
The Whip “Frustration”
Heróis do Mar “Brava Dança dos Heróis”
U-Clic “Ici In Disneyland”
Noblesse Oblige “Bitch”
Long Blondes “Giddy Stratospheres”
Kristin Hersh “In Shock”
Patti Smith “Trampin’”
Sister Vanilla “Slacker”
Arcade Fire “Intervention”
Panda Bear “Comfy Nautica”

Maximo Park “Our Velocity”
The Rakes “We Danced Together”
Longview “Further”
Heróis do Mar “Amantes Furiosos”
Corpo Diplomático “Férias”
Heróis do Mar “Bailai”
Heróis do Mar “Amor (Versão Nocturna)”
Heróis do Mar “Nunca Mais”
António Variações “Canção”
Paulo Pedro Gonçalves “Rapazes de Lisboa”
LX 90 “Mirrors (Eu Espelho Luz Branca)”
Carlos Maria Trindade + Nuno Canavarro “The Truth”
Heróis do Mar “Saudade”
Air “Photograph”


Discos VoadoresSábado 18.00 – 20.00 / Domingo 22.00 – 24.00
Radar 97.8 FM ou www.radarlisboa.fm

domingo, março 11, 2007

Fotógrafos e fotografados

Esta é uma das duas fotos que Steven Spielberg tirou a Ellen DeGeneres e Clint Eastwood, num dos momentos mais deliciosos da cerimónia dos Oscars, a 25 de Fevereiro. Vale a pena recordar.



O certo é que, como nos esclarece no site do seu show, DeGeneres queria uma foto com o próprio fotógrafo. Assim, no final do espectáculo, nos bastidores, pediu a Eastwood que a fotograsse com Spielberg: é mais um instantâneo histórico, com George Lucas a fazer de figurante.

Soderbergh na Alemanha (2/2)

Depois de uma inglória passagem pelos Oscars (sem prémios, apenas uma nomeação para Thomas Newman na categoria de melhor banda sonora), O Bom Alemão, de Steven Soderbergh, com Cate Blanchett e George Clooney [na foto], chegou finalmente às salas portuguesas. Esta é a segunda parte de um texto publicado na revista "6ª" (Diário de Notícias), de 9 de Março, com o título 'Labirinto de solidões':
>>> À partida, estamos perante um dispositivo mais ou menos policial sobre os bastidores político-diplomáticos do pós-guerra. Assim, através de Jacob Geismer (George Clooney), correspondente de guerra americano, compreendemos que o interesse de americanos e russos pela figura de Emil Brandt (Christian Oliver), o “bom alemão” do título, é tudo menos inocente: o seu eventual envolvimento em experiências científicas durante a guerra transformou-o numa peça valiosa para as estratégias de qualquer uma das partes que, na mesma altura, discutiam o futuro da Europa e do mundo na Conferência de Potsdam. Mais do que isso: a descoberta da mulher de Emil, a judia Lena Brandt (Cate Blanchett), com quem Jacob tivera uma relação antes da guerra, baralha todos os dados, fragilizando ainda mais o destino de cada personagem.
Seja como for, a estranheza e o fascínio de O Bom Alemão resultam menos do seu look mais ou menos romântico e mais, muitíssimo mais, de todo um labor de metódica decomposição das convenções do cinema (clássico) que o inspira. Soderbergh lança-nos num labirinto em que, afinal, nos sentimos espectadores em estado de orfandade dramática. De facto, de um modo ou de outro, os clássicos melodramas de guerra garantiam-nos a possibilidade de nos identificarmos com alguma personagem em que víssemos o “bem” ou, pelo menos, o “sentido” da história colectiva. Agora, todas as certezas nos vão falhando, pouco mais restando que a evidência da solidão — política e afectiva, carnal e espiritual — em que se move cada uma das personagens. E não é das coisas menos maravilhosas de O Bom Alemão que, tanto Clooney como Blanchett, saibam representar esse desespero brando de quem, apesar de tudo, sobreviveu ao terror dos tempos. Nesse aspecto, Lena (que “fez o que tinha de fazer” para sobreviver ao Holocausto) é uma personagem de comovente convulsão emocional, e tanto mais quanto Blanchett a representa num tom de decomposição adiada, misto de pragmatismo e silenciosa angústia.
Soderbergh confirma, aqui, a sua espantosa agilidade criativa (lembremos que o filme anterior, Bubble, era um extremado exercício de produção independente, seguindo-se, este Verão, Ocean’s Thirteen, mais uma sequela de um blockbuster). Ele é, afinal, um cineasta que não ficou paralisado na retórica de algum cinema pós-moderno: sabe recuperar as formas do cinema clássico, mas não é um formalista. O Bom Alemão é um fabuloso filme sobre as ambiguidades e os silêncios da história colectiva.