Numa atitude ainda pouco comum entre nós, o filme Brava Dança, de Jorge P. Pires e José Pinheiro, afirma-se como um objecto da era digital. Assim, esta memória documental das músicas e dos tempos dos Heróis do Mar, tem já o seu blog, propondo registos escritos, filmados e fotografados da vida do filme. Entretanto, aqui fica este texto, publicado na revista "6ª" (Diário de Notícias), de 9 de Março, com o título 'Música & política':
>>> Está por fazer a história de uma geração pós-25 de Abril que, por razões históricas e cronológicas, já não se reconheceu na dimensão épica com que outros viveram a Revolução dos Cravos. Afinal de contas, e apesar do simplismo triunfante das televisões — veja-se a puerilidade ideológica a que se chegou com o investimento da televisão pública no concurso Os Grandes Portugueses —, os discursos “militantes” sobre o 25 de Abril também não resgatam a nossa ânsia de história: são discursos definitivamente desgastados, incapazes de dar conta da inevitável complexidade da passagem da ditadura salazarista para uma sociedade democrática.
Tanto bastaria para que um projecto como Brava Dança, de Jorge Pinheiro e Jorge P. Pires, possuísse, à partida, uma curiosa dimensão política. Afinal de contas, historicamente, os Heróis do Mar emergiram, no começo dos anos 80, como uma banda não alinhada com a simbologia do 25 de Abril, antes empenhada em afirmar-se fora de um espaço de expressão dominado pelos valores mais ou menos conotados com a(s) esquerda(s).
Face ao filme, a primeira conclusão a extrair tem tanto de desconcertante como de paradoxal. É verdade que o mais típico imaginário de esquerda já nessa altura vivia de parasitar a sua própria retórica discursiva (ainda hoje vive, mas isso, sendo a mesma, é outra questão...). Em todo o caso, não parece que os elementos dos Heróis do Mar sobre isso possuam mais do que uma perspectiva anedótica, voluntariamente superficial. De facto, ouvindo as suas entrevistas em Brava Dança pouco mais fica do que uma dupla certeza: primeiro, que o seu impacto nasceu de uma rebeldia algo anódina, mais ou menos ligeira e circunstancial; depois, que todos respiraram de alívio quando, finalmente, tudo acabou (é a mensagem muito explícita dos minutos finais do documentário).
De que falamos, então, quando falamos dos Heróis do Mar? Provavelmente, é exagerado esperarmos que os próprios estabeleçam a arqueologia da sua história musical & política. Afinal de contas, o cansaço, até mesmo o enfado, face às memórias, é uma atitude tão legítima como qualquer outra (ainda que pouco estimulante para o espectador...). Mas a pergunta pode ser reformulada para o próprio Brava Dança: de que é que o filme nos fala quando fala dos Heróis do Mar?
Também aqui as respostas são inesperadas e bizarras. Isto porque uma boa parte de Brava Dança lida com materiais extremamente interessantes, não só pelo seu valor de testemunho (histórico, uma vez mais), mas também pelas suas potencialidades documentais. A recuperação de imagens e publicações da época, registos fotográficos e filmados (incluindo alguns telediscos, tão sugestivos quanto tecnicamente rudimentares), poderia constituir uma excelente base de trabalho.
Mas Brava Dança é um filme com pouco trabalho. Por vezes, é-o de forma incompreensível: as entrevistas são, no essencial, registos de um só enquadramento, indiciando uma estética de telejornal que, aliás, se reflecte, na montagem mecânica e na sua alternância de depoimentos e outros materiais. No essencial, o filme vai adiando qualquer perspectiva elaborada (política, de novo) sobre o contributo dos Heróis do Mar.
Estranhamente, tudo isso parece laborar no sentido de uma coerência, também ela desconcertante, mas que importa reconhecer. Ou seja: tal como os depoimentos dos elementos dos Heróis do Mar, o filme Brava Dança deixa um saldo frio, distante e sem vontade de seduzir seja quem for — afinal de contas, apenas sobra a “agitação” vivida; sobre tudo o resto... não há nada a dizer. Daí a mensagem com que não é fácil lidar: esse vazio, aliviado e sem desejo, afirma-se como uma marca geracional.
>>> Está por fazer a história de uma geração pós-25 de Abril que, por razões históricas e cronológicas, já não se reconheceu na dimensão épica com que outros viveram a Revolução dos Cravos. Afinal de contas, e apesar do simplismo triunfante das televisões — veja-se a puerilidade ideológica a que se chegou com o investimento da televisão pública no concurso Os Grandes Portugueses —, os discursos “militantes” sobre o 25 de Abril também não resgatam a nossa ânsia de história: são discursos definitivamente desgastados, incapazes de dar conta da inevitável complexidade da passagem da ditadura salazarista para uma sociedade democrática.
Tanto bastaria para que um projecto como Brava Dança, de Jorge Pinheiro e Jorge P. Pires, possuísse, à partida, uma curiosa dimensão política. Afinal de contas, historicamente, os Heróis do Mar emergiram, no começo dos anos 80, como uma banda não alinhada com a simbologia do 25 de Abril, antes empenhada em afirmar-se fora de um espaço de expressão dominado pelos valores mais ou menos conotados com a(s) esquerda(s).
Face ao filme, a primeira conclusão a extrair tem tanto de desconcertante como de paradoxal. É verdade que o mais típico imaginário de esquerda já nessa altura vivia de parasitar a sua própria retórica discursiva (ainda hoje vive, mas isso, sendo a mesma, é outra questão...). Em todo o caso, não parece que os elementos dos Heróis do Mar sobre isso possuam mais do que uma perspectiva anedótica, voluntariamente superficial. De facto, ouvindo as suas entrevistas em Brava Dança pouco mais fica do que uma dupla certeza: primeiro, que o seu impacto nasceu de uma rebeldia algo anódina, mais ou menos ligeira e circunstancial; depois, que todos respiraram de alívio quando, finalmente, tudo acabou (é a mensagem muito explícita dos minutos finais do documentário).
De que falamos, então, quando falamos dos Heróis do Mar? Provavelmente, é exagerado esperarmos que os próprios estabeleçam a arqueologia da sua história musical & política. Afinal de contas, o cansaço, até mesmo o enfado, face às memórias, é uma atitude tão legítima como qualquer outra (ainda que pouco estimulante para o espectador...). Mas a pergunta pode ser reformulada para o próprio Brava Dança: de que é que o filme nos fala quando fala dos Heróis do Mar?
Também aqui as respostas são inesperadas e bizarras. Isto porque uma boa parte de Brava Dança lida com materiais extremamente interessantes, não só pelo seu valor de testemunho (histórico, uma vez mais), mas também pelas suas potencialidades documentais. A recuperação de imagens e publicações da época, registos fotográficos e filmados (incluindo alguns telediscos, tão sugestivos quanto tecnicamente rudimentares), poderia constituir uma excelente base de trabalho.
Mas Brava Dança é um filme com pouco trabalho. Por vezes, é-o de forma incompreensível: as entrevistas são, no essencial, registos de um só enquadramento, indiciando uma estética de telejornal que, aliás, se reflecte, na montagem mecânica e na sua alternância de depoimentos e outros materiais. No essencial, o filme vai adiando qualquer perspectiva elaborada (política, de novo) sobre o contributo dos Heróis do Mar.
Estranhamente, tudo isso parece laborar no sentido de uma coerência, também ela desconcertante, mas que importa reconhecer. Ou seja: tal como os depoimentos dos elementos dos Heróis do Mar, o filme Brava Dança deixa um saldo frio, distante e sem vontade de seduzir seja quem for — afinal de contas, apenas sobra a “agitação” vivida; sobre tudo o resto... não há nada a dizer. Daí a mensagem com que não é fácil lidar: esse vazio, aliviado e sem desejo, afirma-se como uma marca geracional.