O amor da matéria >>> Nanni Moretti filma a sua Itália com um misto de prazer e raiva, desespero dramático e delírio cómico. Do que ele não abdica é, não tanto das suas ideias políticas (não há cineasta mais político...), mas da militante atenção à pulsação do real. Em O Caimão, por exemplo, genial exercício cinematográfico sobre os tempos de Silvio Berlusconi. O que ele diz/mostra/filma não é tanto "isto é o que eu penso sobre a Itália-de-Berlusconi", mas antes: "como pensar uma realidade fabrica e gerida para não ser pensada?" Raras vezes o cinema contemporâneo (pensamos em Godard, inevitavelmente, mas também em Cronenberg) terá sido, de uma só vez, tão simples e tão radical na sua obsessão de não deixar escapar nenhuma parcela de real. Trata-se, afinal, de filmar o próprio desejo de fazer um filme — e o filme dentro do filme chama-se também O Caimão. Como quem diz: "vou contar-vos como fiz um filme sobre o que, por momentos, pensei que não seria filmável".