Madonna, 1996 (composição e foto de Bruno Mouron e Pascal Rostain)
Há mais de quinze anos, o jornal Le Monde publicou um seriíssimo artigo sobre o lixo e o seu valor de sintoma social. O autor, professor universitário de sociologia, argumentava que o estudo do lixo era um elemento muito esclarecedor, susceptível de nos elucidar sobre fenómenos de consumo e comportamentos sociais.
Vale a pena considerar tão fascinante tese e, por assim dizer, não a deitar para o lixo... Em todo o caso, foi o que fizeram os franceses Bruno Mouron et Pascal Rostain: desde a leitura do artigo do Le Monde, transformaram-se numa espécie de paparazzis do lixo (eles que já eram paparazzis...). Trabalhando entre Paris e Los Angeles, montaram um sofisticado (?) esquema de trabalho para recolher, tratar e, last but not least, fotografar o lixo de gente famosa do espectáculo e da política. Da sua lista constavam, entre outros, os nomes de Brigitte Bardot, Jean-Marie Le Pen, Yannick Noah, Gérard Depardieu, Marlon Brando, Jack Nicholson, Madonna, Michael Jackson e Ronald Reagan.
Agora, chegou a fase de canonização, ou melhor, exposição. Não num qualquer recanto sujo e, por assim dizer, cheio de lixo, mas num dos magníficos templos artísticos de Paris: a Maison Européenne de la Photographie (até 3 de Junho). Chama-se Trash e parece ser um bom, ambíguo e, por certo, perturbante testemunho da nossa relação contemporânea com o obsceno. Os exemplos disponíveis online [Madonna e Jack Nicholson são aqui reproduzidos, salvo seja...] reflectem uma irónica vontade de sistematização, como se, apesar da nossa fragilização simbólica, ainda acreditássemos numa ordem possível para o mundo, mesmo para os seus restos — à sua maneira, este é um discurso experimental e insatisfeito, numa palavra, poético. Escusado será dizer que, dos visitantes, se espera que não deitem lixo para o chão.