Afinal, é mesmo uma concursite aguda. A campanha de Os Grandes Portugueses desembocou no exacto contrário daquilo que, supostamente, faz mover o programa. Não se trata de aproveitar o poder da televisão, a sua vocação popular e os seus valores pedagógicos (blá,blá,blá...) para nos fazer repensar factos e contradições da nossa história. Nada disso: estamos em pleno combate de feras, típico do mais pueril concurso televisivo. O que conta, o que realmente decide tudo, é a possibilidade de esmagar os adversários. Num arremedo de obscena competitividade, é o slogan da RTP o diz: “Só há lugar para um”.
A situação é tanto mais incómoda quanto, para a “defesa” dos dez finalistas, foram convidadas personalidades cujo talento de argumentação e seriedade intelectual não estão minimamente em causa. Acontece que, tendo as coisas chegado a este cartaz, se torna difícil engolir a ligeireza do empreendimento, sendo inevitável dar razão à RTP, quando escreve no seu site: “Os Grandes Portugueses é um projecto que ultrapassa largamente as fronteiras de uma simples emissão televisiva.”
Assim é, de facto. E a ameaça que tem agitado muitos espíritos puros – a possibilidade de uma “vitória” de Salazar – não passa de uma anedota política de mau gosto. O problema está antes de tudo isso, no conceito que reduz o país (e a imensa pluralidade da sua história) a uma patética competição de rostos. Qual a diferença entre isto e os telefonemas para manter o Zé Maria no Big Brother?
Vivemos, então, em 2007, com as nossas ruas invadidas por cartazes como este. E porque só há lugar para um, descobrimos também que nos querem bloquear o confronto com as inevitáveis contradições do ser português. Porque, afinal de contas, somos ou não somos feitos de todos os eleitos? Não será que o grande desafio decorre, justamente, da certeza de que há um Camões em nós? Um Pessoa em nós? Mas também um Salazar em nós?
Para os que, como eu, viveram a adolescência em pleno salazarismo, esta é mais uma penosa derrota. Como se não bastassem os limites, as amarguras e os erros da nossa geração, agora torna-se ainda mais difícil transmitir aos mais novos seja o que for sobre a complexidade dos tempos que vivemos. Temos, por isso, que reconhecer a terrível evidência: não é possível contrariar o simplismo imposto pela televisão pública. Seja qual for a votação, perdemos.
Assim é, de facto. E a ameaça que tem agitado muitos espíritos puros – a possibilidade de uma “vitória” de Salazar – não passa de uma anedota política de mau gosto. O problema está antes de tudo isso, no conceito que reduz o país (e a imensa pluralidade da sua história) a uma patética competição de rostos. Qual a diferença entre isto e os telefonemas para manter o Zé Maria no Big Brother?
Vivemos, então, em 2007, com as nossas ruas invadidas por cartazes como este. E porque só há lugar para um, descobrimos também que nos querem bloquear o confronto com as inevitáveis contradições do ser português. Porque, afinal de contas, somos ou não somos feitos de todos os eleitos? Não será que o grande desafio decorre, justamente, da certeza de que há um Camões em nós? Um Pessoa em nós? Mas também um Salazar em nós?
Para os que, como eu, viveram a adolescência em pleno salazarismo, esta é mais uma penosa derrota. Como se não bastassem os limites, as amarguras e os erros da nossa geração, agora torna-se ainda mais difícil transmitir aos mais novos seja o que for sobre a complexidade dos tempos que vivemos. Temos, por isso, que reconhecer a terrível evidência: não é possível contrariar o simplismo imposto pela televisão pública. Seja qual for a votação, perdemos.
* Texto publicado na revista "6ª"/Diário de Notícias (9 Fev.), com o título 'A nossa derrota'.