sexta-feira, maio 09, 2025

Nos 70 anos de Anne Sofie von Otter

[ DG ]

A Deutsche Grammophon saúda Anne Sofie von Otter no dia do seu 70º aniversário, e nós também. Eis dois momentos exemplares da sua trajectória criativa: Like an Angel Passing Through My Room, uma canção dos Abba, versão do álbum For the Stars (2001), com Elvis Costello, e uma ária de A Paixão Segundo São Mateus, incluída no alinhamento de Bach (2009).



segunda-feira, maio 05, 2025

Dennis Hopper por The Waterboys

Coisa séria: um álbum conceptual (de vez em quando, o adjectivo não é mera pretensão e faz mesmo sentido) em torno das memórias de Dennis Hopper (1936-2010), com assinatura da banda de Mike Scott, The Waterboys. Chama-se Life, Death and Dennis Hopper e conta com várias colaborações que vale a pena ir descobrindo. Para já, fiquemo-nos por Fiona Apple, cujo álbum mais recente, Fetch the Bolt Cutters, data de 2020 — eis uma pequena obra-prima de desencontradas emoções, Letter from an Unknown Girlfriend.
 

Na intimidade da arte fotográfica
[À Sua Imagem]

Clara-Maria Laredo em À Sua Imagem: uma vida tecida de imagens

No filme À Sua Imagem, através da experiência de uma jovem fotógrafa, o actor e realizador Thierry de Peretti evoca as convulsões da ilha da Córsega ao longo das décadas de 1980-90: um invulgar fresco histórico que é também um subtil retrato íntimo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 abril).

Que sabemos nós da ilha da Córsega e dos movimentos independentistas que, por vezes de modo violento, têm pontuado a sua história social e política? Na verdade, muito pouco (falo por mim, bem entendido). Por isso mesmo, há qualquer coisa de tocante e pedagógico no facto de, ao fazer um filme como À Sua Imagem, o actor e realizador Thierry de Peretti (nascido em Ajaccio, em 1970), sabendo evitar qualquer simplismo panfletário, nos propor um fresco histórico em que as personagens existem como entidades carnais, contrastadas e contraditórias — numa palavra, humanas.
O filme baseia-se no romance À Son Image (ed. Actes Sud, 2018), de Jérôme Ferrari (distinguido com o Prémio Goncourt de 2012, por Le Sermon sur la Chute de Rome). No centro de uma narrativa desenvolvida ao longo de duas décadas (1980-90), encontramos a personagem da jovem Antonia — interpretada por uma notável estreante: Clara-Maria Laredo —, fotógrafa do jornal Corse Matin cuja paixão pela fotografia marca todas as dimensões da sua existência, da observação da política à mais radical intimidade.
Assim, o título À Sua Imagem deverá ser entendido de forma plural. Por um lado, e até por causa do seu envolvimento amoroso com Pascal (Louis Starace), militante pela independência, as imagens de Antonia reflectem as convulsões da sua ilha e as paixões desencontradas da sua geração; por outro lado, a visão que daí resulta é totalmente “sua”, uma vez que aquilo que ela procura não se confunde com nenhuma bandeira, embora mantendo-se ligada à infinita complexidade da experiência humana — será mesmo por isso que, a certa altura, contra a opinião dos pais, decide fazer uma reportagem sobre a guerra da Bósnia.


Thierry de Peretti, também intérprete de Joseph, sacerdote e padrinho de Antonia, filma tudo isso de forma francamente inusitada, contornando todos os clichés do melodrama ou do “thriller” político. E não é todos os dias que podemos descobrir um sentido do tempo (ou melhor, da duração) que nos leva a pressentir os incidentes emocionais que habitam as personagens, mesmo nas situações aparentemente mais transparentes — observe-se a paciência do olhar e a sensualidade dos movimentos de câmara na cena em que Antonia fotografa o tronco nu de Pascal, enquanto este atende um telefonema motivado pelo seu combate político.
À Sua Imagem é narrado por uma voz assumidamente literária que nos vai ajudando a perceber o ziguezague de emoções em que vive Antonia. Também nesse aspecto, o realizador sabe explorar o enigma, com o seu quê de “suspense”, dessa voz cuja identidade só nos será confirmada depois do meio do filme. É também uma maneira de nos fazer sentir que, sempre que contamos uma história, fazêmo-lo a partir de um olhar que não é neutro — ou seja, à nossa imagem.

domingo, maio 04, 2025

Babel
ou as aventuras da linguagem

Isabel Costa e Carla Maciel
[FOTO: Tomás Monteiro]

A. Quando o leitor aceder a este texto, o espectáculo Babel (uma produção de Os Possessos no Teatro Meridional, em Lisboa) já não estará em cena, uma vez que a sua carreira decorreu entre 25 de abril e 4 de maio. Entendam-se, por isso, estas breves linhas como uma simples, mas entusiástica, memória de um acontecimento original e intenso, alheio aos lugares-comuns "comunicacionais" que nos afogam todos os dias, comandados pela boçalidade de muitos sectores do espaço televisivo e, nessa medida, do próprio espaço social.

B. Comunicação, justamente — eis a questão. O brilhante texto original de Leonor Buescu, também responsável pela encenação, poderá, talvez, ser resumido como um misto de ensaio e fábula, divagação filosófica e subtil comédia. Que acontece, ou pode acontecer, quando, ao comunicarmos, começamos a questionar o que está realmente a ser vivido? Duas mulheres, interpretadas com rigor minimalista por Carla Maciel e Isabel Costa, surgem, assim, como personagens de um mundo alternativo (ou será apenas uma projeção fantasmática do nosso mundo?) em que a possibilidade de passar para o "outro lado" é, de uma só vez, um desejo e uma utopia, um gesto possível mas também uma promessa de aventuras pontuadas por um medo primitivo e animista. São, afinal, habitantes da própria linguagem — não apenas a linguagem como algo que nos faz conhecer e lidar com a pluralidade do mundo, mas também, no limite, como configuração (consciente ou inconsciente) do próprio mundo. Daí o peculiar envolvimento visual e dramático de todo o espectáculo: por um lado, a geometria do cenário de Ângela Rocha e da luz de Rui Seabra, sem esquecer a depurada sonoplastia de Mariana Camacho, convocam-nos para uma cerimónia ritualizada em que o acontecimento teatral parece bastar-se a si mesmo como invenção de uma paisagem alternativa; por outro lado, quanto mais aquelas duas mulheres se vão perdendo, encontrando e desencontrando nos sobressaltos da linguagem, mais as sentimos como figuras erráticas, talvez nómadas, do nosso próprio mundo.

C. Escusado será dizer que tudo isto contém ecos do nosso presente, da comunicação como saturação em que somos forçados a viver e também da dificuldade de, realmente, estabelecermos alguma ponte com o outro que nos contempla e nós contemplamos. Leonor Buescu refere isso mesmo no texto do programa: "Quando a comunicação é facilitada pela sofisticação e aparente infalibilidade das ferramentas tecnológicas de que dispomos, será que estas nos proporcionam um mundo esclarecido?" — eis um labor que não se esgota em banais clichés politicamente correctos; eis também, por isso mesmo, uma forma feliz de não desistir do teatro.

P.S. —  Convém acrescentar que estas não foram as únicas representações de Babel. Assim, ainda em maio, o espectáculo estará no dia 17 em Idanha-a-Nova (Centro Cultural Raiano) e no dia 24 no Fundão (A Moagem).
 

sábado, maio 03, 2025

Jenny Hval, Opus 9

Gótica, apocalíptica e norueguesa, Jenny Hval está de volta com o seu nono álbum de estúdio: Iris Silver Mist [4AD] parece reencontrar a nostalgia romanesca de algumas harmonias pop, o que, naturalmente, não exclui o mesmo enigmático fascínio. Eis o primeiro teledisco: To Be a Rose.
 

segunda-feira, abril 28, 2025

A IMAGEM: Arnold Jerocki, 2025

ARNOLD JEROCKI / Libération
Isabelle Huppert
Invalides, Paris - desfile de moda Balenciaga (9 março 2025)

Haim: mais uma nova canção
em teledisco de Bradley & Pablo

Chama-se I Quit o novo álbum das Haim, com lançamento agendado para 20 de junho. Entretanto, continuam a aparecer as novas canções, agora uma bela aventura/desventura romântica num teledisco de subtil aglidade com assinatura dos britânicos Bradley & Pablo — eis Down to Be Wrong.

domingo, abril 27, 2025

Marcello Mio
— o cinema, o actor, a sua filha e o filme dela

Chiara assombrada por Marcello: uma fábula sobre o apelido "Mastroianni"

Em Marcello Mio, o realizador francês Christophe Honoré filma Chiara Mastroianni e Catherine Deneuve através das memórias de Marcello Mastroianni: é uma história familiar que, subtilmente, se transfigura em celebração do cinema e dos prazeres da cinefilia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 abril).

Perante um filme como Marcello Mio — revelado no Festival de Cannes de 2024, a partir de hoje nas salas portuguesas —, sentimos emergir uma pergunta bizarra, com o seu quê de inquietante. Ou seja: entre as novas gerações de espectadores, educados entre videojogos e plataformas de “streaming”, quantos serão aqueles que sabem que Chiara Mastroianni é filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve? Na pior das hipóteses, podemos até imaginar que muitos desses espectadores, ignorando os prazeres e poderes da cinefilia, perguntarão: Marcello quê? E Deneuve? “Connaît pas”.
Tendo em conta que vivemos num mundo em que o horror do Big Brother televisivo conquistou um lugar cativo nos ecrãs do glorioso e vetusto continente europeu, convenhamos que o impossível se tornou moeda de troca do quotidiano — com a cumplicidade festiva, festivamente irresponsável, dos cantões mais sinistros dos nossos ecrãs caseiros. Pois bem, tanto pior para a ditadura mediática de tais obscenidades: ainda há cinéfilos!
O cineasta francês Christophe Honoré é um desses cinéfilos, por certo dos mais subtis e militantes, e decidiu fazer um filme sobre Chiara Mastroianni. Ou melhor, sobre as memórias do seu pai, falecido em 1996 (o seu filme final foi Viagem ao Princípio do Mundo, de Manoel de Oliveira). Ou ainda sobre Chiara em diálogo com a mãe...
Nenhuma sinopse nos pode ajudar a descrever a maravilhosa alegria poética de Marcello Mio, povoada de infinitas tristezas como a paixão romântica exige. Digamos, para simplificar, que tudo começa no facto de o rosto de Chiara existir habitado, porventura assombrado, pelos traços do pai. É ela que pergunta a Catherine: “Não vês que eu tenho a cara do papá?” Parece um assombramento, de facto, ainda que a mãe, atenta à ciência das fisionomias, não permita simplificações precipitadas: “Sabes, também te pareces comigo. Não tens só Mastroianni, também tens uma parte minha, tanto quanto dele”. As coisas complicam-se um pouco mais quando, ao fazer um teste para um filme da actriz/cineasta Nicole Garcia (também “no seu próprio papel”), ela lhe diz, literalmente: “Esperava que representasses um pouco mais Mastroianni que Deneuve”.
Estamos, bem entendido, muito longe das patranhas televisivas em que se procura que alguém verta algumas lágrimas como prova inquestionável de verdade. O que, em qualquer caso, não exclui (muito pelo contrário!) a tenacidade com que Chiara, vestindo-se e comportando-se como Marcello, se afirme ela própria como investigadora de uma verdade radical, pressentida nas memórias do pai, todos os dias agredida pela facilidade das imagens dominantes. Não por acaso, a comédia dramática que Chiara protagoniza vai ter uma cena decisiva no interior de um estúdio de televisão, carregado de luzes, cores garridas, sorrisos postiços e ruidosa desumanização.

Músicas e canções

Vale a pena recordar que a trajectória do realizador Christophe Honoré (nascido em 1970), também responsável pelo argumento de Marcello Mio, não é estranha a estes sobressaltos cinéfilos e musicais da natureza humana. Musicais? Sim, porque ele volta a convocar músicas e canções do imaginário popular como subtis elementos narrativos. Lembremos, a propósito, os casos exemplares de As Canções de Amor (2007) e Os Bem-amados (2011) — ambos com Chiara Mastroianni, o segundo também com Catherine Deneuve.
Marcello Mio é, enfim, o mais anti-biográfico dos filmes biográficos. Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve e alguns outros cúmplices da herança de Marcello Mastroianni — incluindo o impagável Fabrice Luchini — reuniram-se, afinal, para dar corpo ao mais difícil: um filme de declarado artifício em que triunfa o realismo dos afectos. Luchini di-lo numa frase que faria sentido colocar à entrada de alguns estúdios de televisão: “Não devemos exagerar na nossa capacidade de racionalizar o mundo”.

sábado, abril 26, 2025

Trump: as imagens que definem um sistema de poder

Numa análise dos primeiros 100 dias de Donald Trump no seu segundo mandato na Casa Branca, alguns jornalistas do New York Times apresentam uma reflexão breve, mas contundente, sobre as imagens oficiais da sua presidência — assustador e didáctico, eis um tipo de trabalho que, infelizmente, se tornou raro no espaço jornalístico português.
A questão não é, entenda-se, o banal voluntarismo da "denúncia" das arbitrariedades do poder — é, isso sim, o modo como a gestão de determinadas imagens pode configurar a violência política e moral de um sistema de poder.