«Um criador não é alguém que trabalhe para o prazer.
Um criador só faz aquilo de que sente absoluta necessidade.»
Gilles Deleuze, «O que é o acto da criação?», 1987 (ver video)
O nosso Dantas surgiu na pele de João Lopes: desviou por instantes o olhar dos videoclips de Madonna e das páginas da Vanity Fair, deixou-o pousar com displicência sobre um objecto alheio a esse universo que tanto preza, e quedou-se perplexo. Ainda formulou a pergunta correcta («De que é que o filme nos fala quando fala dos Heróis do Mar?»), mas encontrar a resposta esteve para além das suas forças, muito embora existissem algumas mesmo ali à mão: fala por exemplo de uma ética, fala do tempo, fala de uma ética no tempo.
De alguém que ganha a vida como crítico de cinema esperar-se-ia uma outra atitude, mais dinâmica e activa - por exemplo, a de analisar que tipo de cinema é que este filme invoca; e, sobretudo, que não caísse em erros de principiante, como o de confundir o material recolhido para o filme com o material editado no filme; ou o de anunciar a falsa novidade de que o filme «já tem blog», quando na verdade o tem desde Junho de 2006.
João Lopes não encontra mais do que o enfado e o vazio. Não admira: vistas as coisas, ele também não procura muito mais do que isso, ainda que a essa penosa indolência acrescente alguma insolência.
No entanto, do que precisávamos era de ideias.
E, em tais circunstâncias, a nota não pode ser melhor.
Autor: João Lopes
Título: «Música e Política»
Edição: Diário de Notícias 08Mar2007; republicado online
Classificação: 7/20
Postado por JOPP em 3/11/2007 06:07:00 PM
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Se o meu texto sobre Brava Dança é, ou não, carente de ideias, eis o que se liga com a sua condição inelutável de matéria pública — tal avaliação depende do legítimo juízo de cada leitor, incluindo, claro, aquele que a mim se refere escrevendo: "De alguém que ganha a vida como crítico de cinema esperar-se-ia uma outra atitude..."
Face a este tipo de linguagem, sou sempre levado a pensar se me estão democraticamente a oferecer o direito de escrever sobre alguém qualquer coisa que comece por: "De alguém que ganha a vida como cineasta esperar-se-ia uma outra atitude..." Se é isso, dispenso a utilização de tal direito.
Em todo o caso, deduzo que o autor da nota citada (que assina JOPP) seja Jorge P. Pires, um dos autores do filme, com quem trabalhei vários anos no semanário Expresso, julgava eu que, para além das inevitáveis diferenças de visão ou sensibilidade, num clima de saudável cordialidade humana e cumplicidade profissional. Verifico que não: Jorge P. Pires considera-me um insolente, nutrindo por mim um desprezo visceral que não acredito que possa resultar apenas do facto de eu não ser entusiasta de um trabalho a que o seu nome está ligado.
A ética do tempo é cruel para todos. Consolo-me com Gilles Deleuze: "Chaque fois qu'on me fait une objection, j'ai envie de dire: 'D'accord, d'accord, passons à autre chose.' "