domingo, janeiro 14, 2007

XL

Há algo de visceralmente incómodo nesta vaga de purificação colectiva em que, por impulso da televisão, estamos a entrar. Não tanto porque escolher os "grandes portugueses" seja assunto mais ou menos polémico, favorecendo todas as diatribes infantis que levarão alguns a proclamar que o "meu" português é "maior" que o "teu", ou ainda que este ou aquele eleito é mais, ou menos, "legítimo" que outro. Acontece que o problema está para além do gratuito destes jogos florais através dos quais, pelos vistos, muitos julgam que nos engrandecemos ou, pelo menos, encontramos uma razão sólida para continuar a enfrentar as agruras do presente. O problema está na ideologia subjacente a todo este dispositivo "colectivo" — como se, escolhendo os "grandes", nos dispensássemos de lidar com a nossa pequenez. Não em sentido pejorativo, mas como condição anónima de todos os que, pelas mais variadas e normalíssimas circunstâncias, não surgem expostos em nenhum palco público, vocacionados para a grandeza mediática que santificamos. Será que posso escolher o meu pai como grande português? Alguém, solícito e protector, irá responder-me: "sim". Mas para quê? Eu não quero.