Depois de uma inglória passagem pelos Oscars (sem prémios, apenas uma nomeação para Thomas Newman na categoria de melhor banda sonora), O Bom Alemão, de Steven Soderbergh, com Cate Blanchett e George Clooney [na foto], chegou finalmente às salas portuguesas. Esta é a segunda parte de um texto publicado na revista "6ª" (Diário de Notícias), de 9 de Março, com o título 'Labirinto de solidões':
>>> À partida, estamos perante um dispositivo mais ou menos policial sobre os bastidores político-diplomáticos do pós-guerra. Assim, através de Jacob Geismer (George Clooney), correspondente de guerra americano, compreendemos que o interesse de americanos e russos pela figura de Emil Brandt (Christian Oliver), o “bom alemão” do título, é tudo menos inocente: o seu eventual envolvimento em experiências científicas durante a guerra transformou-o numa peça valiosa para as estratégias de qualquer uma das partes que, na mesma altura, discutiam o futuro da Europa e do mundo na Conferência de Potsdam. Mais do que isso: a descoberta da mulher de Emil, a judia Lena Brandt (Cate Blanchett), com quem Jacob tivera uma relação antes da guerra, baralha todos os dados, fragilizando ainda mais o destino de cada personagem.
Seja como for, a estranheza e o fascínio de O Bom Alemão resultam menos do seu look mais ou menos romântico e mais, muitíssimo mais, de todo um labor de metódica decomposição das convenções do cinema (clássico) que o inspira. Soderbergh lança-nos num labirinto em que, afinal, nos sentimos espectadores em estado de orfandade dramática. De facto, de um modo ou de outro, os clássicos melodramas de guerra garantiam-nos a possibilidade de nos identificarmos com alguma personagem em que víssemos o “bem” ou, pelo menos, o “sentido” da história colectiva. Agora, todas as certezas nos vão falhando, pouco mais restando que a evidência da solidão — política e afectiva, carnal e espiritual — em que se move cada uma das personagens. E não é das coisas menos maravilhosas de O Bom Alemão que, tanto Clooney como Blanchett, saibam representar esse desespero brando de quem, apesar de tudo, sobreviveu ao terror dos tempos. Nesse aspecto, Lena (que “fez o que tinha de fazer” para sobreviver ao Holocausto) é uma personagem de comovente convulsão emocional, e tanto mais quanto Blanchett a representa num tom de decomposição adiada, misto de pragmatismo e silenciosa angústia.
Soderbergh confirma, aqui, a sua espantosa agilidade criativa (lembremos que o filme anterior, Bubble, era um extremado exercício de produção independente, seguindo-se, este Verão, Ocean’s Thirteen, mais uma sequela de um blockbuster). Ele é, afinal, um cineasta que não ficou paralisado na retórica de algum cinema pós-moderno: sabe recuperar as formas do cinema clássico, mas não é um formalista. O Bom Alemão é um fabuloso filme sobre as ambiguidades e os silêncios da história colectiva.
>>> À partida, estamos perante um dispositivo mais ou menos policial sobre os bastidores político-diplomáticos do pós-guerra. Assim, através de Jacob Geismer (George Clooney), correspondente de guerra americano, compreendemos que o interesse de americanos e russos pela figura de Emil Brandt (Christian Oliver), o “bom alemão” do título, é tudo menos inocente: o seu eventual envolvimento em experiências científicas durante a guerra transformou-o numa peça valiosa para as estratégias de qualquer uma das partes que, na mesma altura, discutiam o futuro da Europa e do mundo na Conferência de Potsdam. Mais do que isso: a descoberta da mulher de Emil, a judia Lena Brandt (Cate Blanchett), com quem Jacob tivera uma relação antes da guerra, baralha todos os dados, fragilizando ainda mais o destino de cada personagem.
Seja como for, a estranheza e o fascínio de O Bom Alemão resultam menos do seu look mais ou menos romântico e mais, muitíssimo mais, de todo um labor de metódica decomposição das convenções do cinema (clássico) que o inspira. Soderbergh lança-nos num labirinto em que, afinal, nos sentimos espectadores em estado de orfandade dramática. De facto, de um modo ou de outro, os clássicos melodramas de guerra garantiam-nos a possibilidade de nos identificarmos com alguma personagem em que víssemos o “bem” ou, pelo menos, o “sentido” da história colectiva. Agora, todas as certezas nos vão falhando, pouco mais restando que a evidência da solidão — política e afectiva, carnal e espiritual — em que se move cada uma das personagens. E não é das coisas menos maravilhosas de O Bom Alemão que, tanto Clooney como Blanchett, saibam representar esse desespero brando de quem, apesar de tudo, sobreviveu ao terror dos tempos. Nesse aspecto, Lena (que “fez o que tinha de fazer” para sobreviver ao Holocausto) é uma personagem de comovente convulsão emocional, e tanto mais quanto Blanchett a representa num tom de decomposição adiada, misto de pragmatismo e silenciosa angústia.
Soderbergh confirma, aqui, a sua espantosa agilidade criativa (lembremos que o filme anterior, Bubble, era um extremado exercício de produção independente, seguindo-se, este Verão, Ocean’s Thirteen, mais uma sequela de um blockbuster). Ele é, afinal, um cineasta que não ficou paralisado na retórica de algum cinema pós-moderno: sabe recuperar as formas do cinema clássico, mas não é um formalista. O Bom Alemão é um fabuloso filme sobre as ambiguidades e os silêncios da história colectiva.