A solidão política >>> Em O Caimão, Silvio Orlando interpreta um pequeno produtor cinematográfico — "pequeno" porque sempre trabalhou com orçamentos austeros, fazendo filmes de série B, num espírito criativo que remonta aos primórdios do cinema italiano, resistindo à sua própria classificação como criador engagé ou militante. Assim, ao filmá-lo como mentor (... quase acidental) de um filme sobre Silvio Berlusconi — e, mais do que isso, sobre a devoração da Itália por Berlusconi —, Nanni Moretti não está exactamente a propor uma evocação "nostálgica" de um cinema perdido e em perdição. Em boa verdade, o fio condutor da fascinante teia de O Caimão é a personagem de Silvio Orlando enquanto protagonista do seu próprio défice profissional e social: as dificuldades que encontra, a solidão para que é remetido, conferem-lhe uma dimensão visceralmente política que nada tem a ver com qualquer pose meramente panfletária. Em última instância, Moretti filma sempre essa inquieta lucidez: dizer eu é um acto que pode comprometer o mundo todo, obrigando-nos a sermos dignos da vida que o faz mover.