quarta-feira, dezembro 31, 2008

Figura do ano: Barack Obama (2/4)

Esta fotografia foi obtida a 19 de Maio de 2008, cerca de seis meses antes de Barack Obama ser eleito o 44º Presidente dos Estados Unidos da América. Nela se regista um momento da visita do candidato aos índios Crow, no estado de Montana. Photo-op, como se diz na gíria mais ou menos cínica do jornalismo? Sim, sem dúvida, ou não se tivesse jogado esta eleição, mais do que qualquer outra, em qualquer país do mundo, no espaço multifacetado dos media. Mas muito mais do que isso: através das imagens e dos símbolos, Obama reabriu o imaginário histórico/mitológico da América à sua diversidade interior, colocando o seu discurso — e a sua prática — muito para além da oposição entre Branco e Negro.
Não é, de facto, um mundo a preto e branco, este em que Obama se situa e de que a sua presidência será uma fundamental pedra de toque. É antes um mundo de contrastes — e, por certo, também de contradições, difíceis e complexas — em que a dicotomia maniqueísta, preto E branco, pode ser superada pela pluralidade dialéctica, preto OU branco. Afinal de contas, era essa mesma agilidade simbólica que Michael Jackson cantava em Black or White — foi em 1991, o que apenas confirma algo de que, tantas vezes, por indiferença ou preconceito, nos esquecemos: a cultura pop é quase sempre mais rápida que o trabalho político.

Sophe Lux: expressionismo pop

Teatro dadaísta, ambiências victorinas e todas as formas de ironia pop, incluindo influências de Kate Bush, David Bowie, Roxy Music e P. J. Harvey — os Sophe Lux são uma banda de Portland, Oregon, que podem ilustrar o reino de cruzamentos e miscigenações em que, hoje em dia, existe (e resiste) muita música popular. Os resultados fazem lembrar, por vezes, as sonoridades de The Dresden Dolls.
Wendy Haynes, irmã do realizador Todd Haynes (Velvet Goldmine, I'm Not There), é a alma criadora dos Sophe Lux. Do seu álbum Waking the Mystics (2006), este é o magnífico teledisco de Target Market, uma realização de Solomon Burbridge que se situa, algures, entre Tim Burton e os ecos expressionistas de O Gabinete do Dr. Caligari. Saborosamente inclassificável.

Figura do Ano: Barack Obama (1/4)

Não há memória recente de um ano em que a escolha da figura que mais o marcou menos dúvidas levantou. Barack Obama foi não apenas o rosto, mas a força maior de um ano que viu as eleições presidenciais norte-americanos como um caso planetário. Era, como o próprio o afirmou, o candidato mais “improvável”. Negro, quase um ilustre desconhecido, distante das máquinas da alta política... Mas foi ele quem fez o momento. Começou por afastar Hillary Clinton da corrida à Casa Branca. E resistiu, Mr. Cool, a uma campanha onde a calúnia e o populismo tentaram, sem conseguir, travar a Obamania que invadiu a América. O expressivo voto popular, a 4 de Novembro, trouxe o primeiro capítulo a uma promessa de mudança, que terá 2009 como primeiro palco para a acção. Depois, revelando uma rapidez de resposta, deixou saber com quem ia trabalhar, quais eram as prioridades. Os gestos de primeiras consultas para uma eventual administração, lançados em Setembro (então sob crítica dos adversários, que o diziam estar a levar a carroça para a frente dos bois e de dar a corrida por ganha antes do tempo), deram uma vez mais razão a Obama. Estava preparado. Tinha equipa. E, se bem que só tome posse dia 20, a “sua” Casa Branca já tem a rodagem feita.

Obama foi o ícone de 2008. Foi retratado na pintura, na fotografia, no graffitti. Chegou à música. E dos seus livros (biografia, reflexões, discursos) fez alguns dos maiores best sellers do ano. Com o poder de atracção de uma estrela pop (os discursos em campanha mostraram-no), polarizou uma América descontente. E levou os mais novos, que se julgavam alheados da política (mas afinal não conheciam há muito quem a eles falasse), a intervir.
Com Obama a política ganha um novo paradigma. O da modernidade (no discurso, nas ideias, nas ferramentas de comunicação, na forma de angariar fundos para campanhas). O da seriedade (rejeitando, por exemplo, fazer de questões da vida pessoal dos adversários, como a gravidez da filha de Palin um alvo político). O da competência (preferindo falar aos canalizadores em vez de os levar ao palco para deles fazer maus oradores do tipo basta-juntar-água). Nasceu assim o modelo do político para o século XXI. (pena que sem a mínima correspondência, em que frente seja, por estes lados).

Os melhores de 2008: DVD

Terceira e última série de listas temáticas, hoje fazendo o levantamento dos melhores títulos editados em DVD ao longo do ano.

J.L.

Foi o ano em que Once/No Mesmo Tom, de John Carney, premiado com o Oscar de melhor canção, saíu... directamente em DVD. Que é como quem diz: está posta em causa a relação de equilíbrio e complementaridade entre salas e mercado de DVD. Não que seja possível "retroceder" a uma idade pré-video. Mas não é fácil perceber que vantagens tem o afunilamento da oferta nas salas, com o consequente lançamento de cada vez mais títulos em DVD, porventura acima daquilo que o mercado e o consumo conseguem integrar. Mas não simplifiquemos: o ano foi absolutamente frondoso nas áreas dos "clássicos" ou de outras obras que transcendem qualquer época — símbolo exemplar são as História(s) do Cinema [foto], monumento godardiano de celebração do cinema através do video. Sublinhe-se, em particular, que vários dos títulos a seguir nomeados são apenas um pequeno sintoma de uma (re)descoberta comercial do cinema europeu que merece a máxima atenção e incentivo — inclusive em termos de legislação.

1. História(s) do Cinema, Jean-Luc Godard (Midas)
2. Nos Lábios Não, de Alain Resnais (LNK)
3. Não Toquem no Machado, de Jacques Rivette (Atalanta)
4. Seis Contos Morais, Eric Rohmer (Atalanta)
5. O Dinheiro, Robert Bresson (Midas)
6. A Noite, Michelangelo Antonioni (Costa do Castelo)
7. O Evangelho Segundo São Mateus, Pier Paolo Pasolini (Costa do Castelo)
8. Moloch, Aleksandr Sokurov (Midas)
9. O Poder da Arte, Simon Schama (Lusomundo)
10. Eros, Michelangelo Antonioni, Steven Soderbergh e Wang Kar-Wai (LNK)

N.G.
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Cada vez mais o DVD afirma uma lógica de complemento ao que os ecrãs não vêem (ou não revêem). Daí que, apesar da ginástica de extras e mais extras que acompanham muitos dos títulos novos (leia-se recentemente estreados) que chegam ao mercado, o mais interessante da produção em DVD se mostre noutros comprimentos de onda. O DVD como o cinema que não vemos no cinema (ou poucas vezes podemos ver). O DVD como a televisão que a televisão não mostra (ou lança em horários pouco práticos ou espaços secundários). O documentarismo, de que se falou já no balanço do cinema em sala, marca importante presença no lote de títulos que fizeram o melhor de 2008, destacando-se The Promise Of Music, um filme sobre o “sistema” venezuelano de orquestras de que hoje é rosto maior Gustavo Dudamel, uma reflexão sobre ao Joy Division por Grant Gee (evocando a banda como um fruto da sua cidade no seu tempo), um retrato de Arthur Russell ou um historial do cenário que permitiu, na Alemanha de finais de 60 e inícios de 70, o florescimento de uma nova música electrónica. Breve referência para o bom momento que a ficção televisiva continua a conhecer. E, no departamento da memoria, assinale-se uma soberba edição do Mishima de Paul Schrader e mais uma proposta de redescoberta do pioneirismo sci-fi de Ray Harryhausen.

1. The Promise Of Music, de Enrique Sánchez Lanson (Deutsche Grammophon)
2. As Curtas da Pixar, de vários realizadores (Disney/Zon Lusomundo)
3. Mishima, de Paul Schrader (Criterion)
4. 1984 (ópera de Lorin Maazel), de Brian Large (Decca)
5. A Linha da Beleza (série), de Saul Dibb (BBC/Prisvídeo)
6. Weeds 2 (série), de Jenji Kohan (Sony Pictures)
7. Joy Divsion, de Grant Gee (Midas)
8. Wild Combination: A Portrait Of Arthur Russell, de Chuck Russell (Plexi Film)
9. Harryhausen Collection (Sony Pictures)
10. Kraftwerk & The Electronic Revolution, de Thomas Arnold (Plastic Head)

Com os desejos de um bom ano novo...

Assinalamos o final de 2008 com uma canção que não só celebra a quadra natalícia (que se prolonga até ao dia de reis), como deseja a todos um bom ano novo. Retomando o que parece começar a ser uma tradição, David Fonseca apresenta este ano Oh Come All Ye Faithfull, num teledisco uma vez mais realizado por si mesmo.

'Pink Flag', agora para ler

A colecção 33 1/3 acaba de lançar mais um volume. Assinado por Wilson Neate, o livro é dedicado ao histórico Pink Flag, álbum que em 1977 assinalou a estreia dos Wire e no grupo revelou uma força criativa substancialmente diferente dos seus contemporâneos. Punk na essência, mas mais cerebral, ponto de partida para uma obra central na discografia de finais de 70, com segunda (e não menos importante etapa) na recta final de 80. O livro inclui entrevistas com os elementos da banda e uma galeria de imagens raras.

terça-feira, dezembro 30, 2008

Beck: "Modern Guilt" na rádio

Nic Harcourt é o autor do programa 'Morning Becomes Ecletic', da rádio KCRW, de Santa Monica, na Califórnia do Sul— convidou Beck a estar consigo, em estúdio, no passado dia 18 de Novembro, sendo o resultado uma espantosa emissão de cerca de 45 minutos motivada pelo álbum Modern Guilt (incluindo a interpretação de algumas versões acústicas). Provavelmente, deveríamos inventar um top para os melhores concertos radiofónicos...
Eis a emissão completa:



Este é um registo videográfico de parte do mesmo programa (14 minutos), com os temas Gamma Ray, Modern Guilt e Orphans.

Jim Carrey à deriva

Como ser uma estrela e... sobreviver ao seu próprio estatuto? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Dezembro).

Com a estreia do filme Sim! (Yes Man), de Peyton Reed, voltamos a deparar com esse bizarro paradoxo: por um lado, reencontramos Jim Carrey, sem dúvida um dos mais fabulosos actores que o cinema americano revelou nos últimos vinte anos; por outro lado, continuamos a perguntar por que razão tanto talento continua a ser esbanjado em filmes que, mesmo quando partem de ideias sugestivas (um homem negativista que decide adoptar o “sim” como princípio de vida), acabam por se submeter aos clichés da comédia mais banal e repetitiva. Vale a pena lembrar que o nome de Carrey está ligado a pelo menos dois filmes fulgurantes, exemplares da sua espantosa versatilidade: A Vida em Directo (1998), de Peter Weir, e Homem na Lua (1999), de Milos Forman. O certo é que a sua imagem associada a títulos menores como Ace Ventura (1994) parece emergir sempre como uma condicionante artística. A sua carreira à deriva reflecte um drama insólito: a perda de poder de algumas grandes estrelas numa conjuntura em que os filmes de “acção” privilegiam os efeitos especiais contra os actores.

Portugal, país da gripe

1. Sintomas. Há qualquer coisa de conto do absurdo quando vemos, e ouvimos, as autoridades sanitárias virem a público dar conta dos efeitos da sobrecarga das urgências hospitalares com doentes com gripe. A saúde é um bem precioso? Certo. Em todo o caso, estes desequilíbrios — ou disfunções, como agora se diz — são sintomas de outras doenças sociais.
Que doenças? Essas que começam no entendimento da vida quotidiana como uma colecção de catástrofes que se subtituem umas às outras, mantendo-nos sempre no limiar da aniquilação total... Estou a tentar fazer graça? Não, não estou. É mesmo muito triste compreendermos que o poder normativo dos media — sobretudo dos que, directa ou indirectamente, seguem as opções da televisão mais populista — acabou por gerar esta sociedade de cidadãos em histeria permanente (que somos nós).
2. Guerras. Os exemplos são muitos, pelo menos desde que se começou a transformar em feriado nacional a saída de algum patético concorrente da casa do Big Brother. Nessa perspectiva, um surto de gripe vale tanto quanto um golo anulado na última jornada do futebol. Dito de outro modo: tudo o que puder ser encenado em termos de catástrofe, temperado com muitas insinuações, enfim, suscitando dúvidas e suspeitas, tudo pode ser... notícia! Na prática, já não temos notícias. Temos alertas de guerra!
Não somos parvos. Sabemos que a velocidade do mundo em que vivemos afecta tudo, incluindo a saúde (ou a falta dela). Somos sensíveis ao facto de até mesmo a gripe (a saudosa gripe que, em tempos pré-históricos, se curava... ficando em casa) pode ser sinal de qualquer coisa de mais grave e, sobretudo, mais abrangente.
3. Doentes. Em todo o caso, fica a pergunta: como é que nos transformámos neste colectivo de doentes ansiosos, por tudo e por nada à procura de protecção e, sempre que possível, de maleitas que justifiquem que nos queixemos (de preferência na televisão e aos gritos)?
Claro que tudo o que aqui está dito pode não fazer sentido e ser até uma maneira de nos afastar dos nossos reais problemas. Sem dúvida. Mas se pensarmos assim, então será melhor acrescentar que pensamos também que o governo do nosso país e a classe médica portuguesa nos andam a enganar e, de facto, os engripados das urgências são apenas a ponta de um medonho iceberg: estamos à beira de uma catástrofe nacional com milhares, ou mesmo milhões, de mortos... Atchim.

Os melhores de 2008: filmes

Segundo dia de listas com os melhores de 2008, hoje revisitando aqueles que foram os filmes mais marcantes do ano.

J.L.

Crise — eis a questão. Crise do consumo, com a crescente descaracterização de muitas salas, cada vez mais transformadas em meras "lojas de atracções" de grandes centros comerciais. Crise do próprio cinema, muitas vezes iludido pelas proezas do digital (recurso fascinante, entenda-se) contra as potencialidades de imagens & sons para nos fazerem repensar a nossa frágil condição humana. Crise, enfim, do número de espaços de ideias e para as ideias, contrastando com o infantilismo grosseiro — tragicamente vazio de pensamento — que caracteriza muitas formas contemporâneas de intervenção pública, em particular na Net, desde o futebol ao... cinema. E, no entanto, eles movem-se... Quem? Os filmes, sem dúvida. Dos minimalistas (quem viu o assombroso filme espanhol que é A Solidão?) aos barrocos (Paul Thomas Anderson a trilhar os caminhos abertos por mestres da época de ouro de Hollywood), passando pelos genialmente geométricos (os Coen, finalmente, sem o estigma de se mostrarem "artistas", deram-nos um objecto de inusitada sofisticação formal e filosófica). Além disso, temos os mestres que não sabem envelhecer: os agitadíssimos corações de Resnais [foto], o risonho negrume do reaparecido Skolimowski ou o sentido trágico do sempre pedagógico Lumet vieram mostrar que é um erro irmos atrás da moda da juventude, aliás, da juventude como moda. Godard o disse, uma vez: "Prefiro os velhos." Para baralhar as contas, Manoel de Oliveira fez 100 anos, ensinando-nos, afinal, a esquecer as estatísticas e a amar o cinema.

1. Corações, de Alain Resnais
2. Alexandra, de Aleksandr Sokurov
3. Destruir depois de Ler, de Joel e Ethan Coen
4. Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson
5. No Vale de Elah, de Paul Haggis
6. A Solidão, de Jaime Rosales
7. Quatro Noites com Anna, de Jerzy Skolimowski
8. I’m Not There, de Todd Haynes
9. Antes que o Diabo Saiba que Morreste, de Sidney Lumet
10. A Ronda da Noite, de Peter Greenaway

N.G.
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Apesar das crises, várias, 2008 foi um ano cheio de ideias. Dos filmes que estrearam aos que passaram pela vasta programação dos diversos festivais que podemos seguir ao longo do ano, uma primeira soma de títulos sugere um retrato rápido que, todavia, aqui se não esgota. Da aceitação das mais clássicas heranças (narrativas e estéticas) à invenção de novas linguagens e soluções, de tudo um pouco. O destaque maior recai sobre um filme que traduz a lógica de fragmentação que é transversal à criação artística contemporânea e que reflecte ainda sobre a idade da divisão da atenção de quem vê pelos muitos ecrãs que encontramos pela frente. Trata-se de Fragmentos de Tracey, um claro fruto de uma cinematografia indie actual, e que conta com a música dos Broken Social Scene. Passou, contudo, a Leste das atenções. A música teve no cinema atenção especial este ano. O poético documentário sobre Patti Smith, que deverá ter estreia em sala brevemente entre nós, é exemplo de maturidade no documentarismo ligado ao universo rock’n’roll, que definitivamente ultrapassou já as armadilhas da linguagem televisiva que em tempos dominava o género. Filmes como os que Martin Scoresese e Grant Gee assinam, respectivamente, sobre os Rolling Stones e Joy Division, sublinham a ideia. O documentário, de resto, é género hoje sob a atenção quem inventa (e reinventa) o cinema. Filmes como Persepolis, de M Satrapi e V Ponnaraud ou Valsa Com Bachir, de Ari Folman (que, já mostrado em festivais, estreia esta semana entre nós), mostram como o recurso a abordagens habitualmente usadas na ficção (a animação, em concreto), revelaram este ano formas espantosas de contar o real.

1. Os Fragmentos de Tracey, de Bruce McDonald
2. Patti Smith: Dream Of Life, de Steven Sebring
3. Darjeeling Limited, de Wes Anderson
4. XXY, de Lucia Puenzo
5. Persepolis, de M Satrapi e V Ponnaraud
6. Otto, or up With Dead People, de Bruce LaBruce
7. Nós Controlamos a Noite, de James Gray
8. Valsa com Bachir, de Ari Folman
9. Wall-E, de Andre Stanron
10. Il Pranzo di Ferragosto, de Gianni di Gregorio

Freddie Hubbard (1938-2008)

Morreu o trompetista Freddie Hubbard, uma das figuras maiores da história do jazz, e um dos nomes que contribuiu para fazer da Blue Note um catálogo de absoluta referência para o género, tendo ali gravado, entre outros, os álbuns Hub-Tones, Here To Stay ou Breaking Point. Em Junho deste ano tinha lançado On The Real Side, o seu primeiro álbum em sete anos. No decurso de uma longa carreira, tocou com os Jazz Messengers de Art Blakey, Herbie Hancock, John Coltrane e Ornette Coleman. Um dos mais aclamados trompetistas de hard bop, conheceu em 1972, com First Light, gravado com os músicos que então acompanhavam Miles Davis, um dos momentos de maior sucesso entre públicos nem sempre atentos ao jazz (e com a consequente conquista de um Grammy).
Morreu aos 70 anos, em Los Angeles. Em Novembro havia sido internado num hospital na sequência de um ataque cardíaco.

(em actualização)

Canções de 2008 (7)

Convenhamos que desde inícios de 80 (bom, para não dizer finais de 70) que o mundo pop deixou de ver na Eurovisão um palco com qualquer interesse. E com razão... Não deixou por isso de surpreender meio mundo a opção francesa de, em 2008, escolher Sebastien Tellier para representar o país. Fê-lo com a melhor canção eurovisiva de que há memória nos últimos anos. Pop sem receio em abusar no açúcar. E com uma dose de provocação que, na realidade, não é estranha à história do certame. Aqui fica Divine, uma das canções inevitáveis no evocar da história de 2008.

A música, por quem a grava

Entre os mais recentes títulos chegados às secções de música das livrarias inglesas conta-se John Lennon Called Me Normal, uma colecção de memórias de Norman “Hurricane” Smith, talvez o mais aclamado dos engenheiros de som ao serviço dos estúdios Abbey Road. Histórias dos Beatles e dos Pink Floyd (etapa Syd Barrett) passam por estas páginas.

Ann Savage (1921 - 2008)

Na história e na mitologia do filme negro de Hollywood e, mais especificamente, das produções de série B, Detour (1945), de Edgar G. Ulmer, ocupa um lugar central. A sua actriz principal, Ann Savage, tornou-se mesmo um ícone cinéfilo a partir desse filme — de seu nome verdadeiro Bernice Maxine Lyon, faleceu, aos 87 anos, em Los Angeles.
Com Tom Neal, seu parceiro de Detour [cartaz da época com o par], Ann Savage surgiu em mais três filmes: Klondike Kate/Uma Mulher às Direitas (1943), de William Castle, Two Man Submarine/Submarino de Algibeira (1944), de Lew Landers, e The Unwritten Code (1944), de Herman Rotsten. De acordo com a matriz consagrada em Detour, Ann assumia muitas vezes o papel da femme fatale cuja primeira e ostensiva imagem de marca era o modo provocante de fumar. Tal como outros actores e actrizes das mesmas áreas de produção, a partir dos anos 50, também ela viu a sua carreira orientar-se, sobretudo, para a televisão. Além de Ulmer, trabalhou sob a direcção de outros mestres da série B, como André de Toth e Allan Dwan, respectivamente em Passport to Suez (1943) e Woman They Almost Lynched (1953).

>>> Detour está já há algum tempo no domínio público, podendo ser visto, por exemplo, no Internet Archive. Embora com um ecrã de menores dimensões, aqui fica o filme (duração: 67 minutos).

A IMAGEM: Jeff Stahler, 2008

Jeff Stahler
The Columbus Dispatch, Dez. 2008

segunda-feira, dezembro 29, 2008

Realismo contra (tele)novelas

Mais do que nunca, a estética televisiva do quotidiano está no centro da nossa vida audiovisual — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 de Dezembro), com o título 'Como sobreviver às telenovelas?'

Não está na moda, mas anda por aí: o realismo cinematográfico continua a marcar algumas das mais estimulantes imagens e narrativas do nosso presente. Mais do que produto de uma estética (há no seu seio muitas e variadas tendências), trata-se da afirmação de uma ética que nos ajuda a sobreviver à formatação das narrativas e à normalização dos olhares todos os dias decorrentes do domínio totalitário das telenovelas.
Curiosamente, o fim de ano cinematográfico foi marcado por quatro estreias que nos permitem compreender os fascinantes riscos criativos desse realismo, ou melhor, realismos que não aceitam submeter-se à estreiteza mental dos modelos narrativos que ocupam os horários nobres das televisões e também a imprensa cor de rosa que os cauciona. São, além do mais, todas elas estreias europeias, a confirmar a vitalidade do cinema do nosso continente (o que, como é óbvio, não implica qualquer desinteresse pela actualidade de muitos títulos fascinantes da produção americana).
O Silêncio de Lorna [foto], dos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, poderá servir de símbolo de tudo aquilo que está em jogo. Filmando a saga de uma jovem albanesa (interpretada pela fabulosa Arta Dobroshi) que tenta adquirir a nacionalidade belga, os irmãos Dardenne mergulham fundo nas inquietações de uma Europa que nem sempre sabe lidar com as suas próprias contradições internas. Se o trabalho dos Dardenne visa criar uma ambígua ilusão de documentário, Steve McQueen, artista plástico inglês, filma um desespero que tende para a indizível nitidez da morte. O seu filme Fome, premiado com a Câmara de Ouro (melhor primeira obra) do último Festival de Cannes, é uma evocação da greve da fome de Bobby Sands e outros militantes do IRA que, em 1982, lutavam pelo estatuto de prisioneiros políticos. Tanto O Silêncio de Lorna como Fome são exercícios em que o olhar realista passa, antes de tudo o mais, pela vibração dos corpos.
Algo de semelhante se poderá dizer de Caos Calmo, do italiano Antonello Grimaldi, e Os Três Macacos [cartaz], do turco Nuri Bilge Ceylan. Com uma diferença que está longe de ser secundária: para além de todas as diferenças de tom e ambiente, ambos nos dão a ver os laços familiares despidos de clichés deterministas e moralistas (precisamente os que fazem lei no espaço das telenovelas). No primeiro caso, trata-se de observar a vivência de um administrador de uma grande empresa (extraordinária interpretação de Nanni Moretti) confrontado com a morte súbita da sua mulher; no segundo, a família (pai/mãe/filho) vive rasgada pela teia de equívocos e mentiras que vai construindo. Além do mais, o filme de Ceylan é um notável exemplo de integração das mais recentes câmaras digitais ao serviço de um look cuja estranheza e inquietação se enraíza num novo entendimento das potencialidades do olhar realista.
Nem todo o cinema europeu tem estas marcas realistas. Aliás, mais do que nunca, importa reconhecer a sua pluralidade e defender a respectiva existência cultural e económica. Seja como for, esta exigência de “colar” as histórias à realidade social decorre de uma exigência fundamental: a de olhar à sua volta e não pactuar com a mediocridade televisiva.

Os melhores de 2008: discos

Começamos hoje a apresentar as listas dos melhores do ano. Em primeiro lugar, a dos discos que mais marcaram a história de 2008.

N.G.

2008 foi um ano intenso em acontecimentos para o verbo ouvir. Veteranos e estreantes assinaram feitos que escreveram a história de 12 meses que nos deram banda sonora da qual é quase difícil fazer agora escolhas (porque necessariamente deixam de lado títulos e nomes não menos interessantes e importantes para a história do ano que os que aqui hoje se ordenam em listas top 10). Já iremos à produção nacional e à clássica. Comecemos pelo espaço pop/rock onde, sem dúvida, o ano elege dois discos fulcrais: o primeiro dos Vampire Weekend (traduzindo inteligente passo adiante para estímulos que brotam da assimilação da herança pop new wave, acrescentando África e memórias da tradição clássica europeia) e o que se revelou no regresso dos Portishead. Third, de resto, acaba por merecer o título de “disco do ano” não apenas pela aposta ousada de novas visões para a canção, como por ser tradução prática da coragem de um nome veterano, e com identidade formada, que aceita o desafio de se reinventar e não jogar no mais do mesmo, enfim, no seguro, na hora de retomar o contacto com quem os ouve. A surpresa arrebatou. E a sua passagem por palcos nacionais tudo confirmou. Da história dos grandes regressos de 2008 convém não esquecer ainda nomes como os Bomb The Bass ou Grace Jones. Jonathan Meiburg “separou-se” dos Okkervil River, ganhando com a decisão os Shearwater. The Notwist assinaram o melhor álbum mais injustamente ignorado do ano. Simon Bookish deixou as electrónicas e descobriu no seu passado que pode colocar o que aprendeu na preparação para ser compositor ao serviço da pop. Kelley Polar já o havia entendido e volta a surpreender. Byrne e Eno dão, por seu lado, uma lição de “mestria” num soberbo álbum de canções que mostra que não é preciso inventar a novidade para criar um disco que possa marcar o presente. De um breve balanço sublinhe-se ainda, e para falar de discos que acabaram fora do top 10, os belos álbuns de estreia de nomes como os Late Of The Pier, MGMT, Fleet Foxes, Last Shadow Puppets, Lykke Li, Santogold...

1. Portishead "Third"
2. Vampire Weekend "Vampire Weekend"
3. Shearwater "Rook"
4. The Notwist "The Devil You + Me"
5. Simon Bookish "Everything / Everything"
6. Kelley Polar "I Need You To Hold On While The Sky Is Falling"
7. The Ruby Suns "Sea Lion"
8. Department Of Eagles "In Ear Park"
9. David Byrne + Brian Eno "Everything That Happens Will Happen Today"
10. Spiritualized "Songs in A & E"

Entre nós o ano foi agitado. Como há muito não se via, sublinhe-se. E a melhor das heranças que 2008 nos deixa é a do reencontro do pop/rock português com a nossa língua. Terminam assim dez anos de yé yé (com mais escorregões que momentos que um dia justifiquem a memória), de sonhos pop que ainda não se concretizaram. E em grande parte porque o nosso pop/rock em inglês soa tão estranho lá fora como para nós o é a pronuncia de KD Lang quando canta o Fado Hilário (se bem que a cantora canadiana lhe dê uma intensidade que nem todo o fadista alcança). Isto para nem falar dos tropeções na gramática das letras, mas enfim. Cada um que cante como entender... Mas se verificarmos o que se passa lá fora, concluímos que o verdadeiro sucesso internacional da produção nacional em 2008 são os Buraka Som Sistema! Valerá então a pena tentar o inglês só para ver se a coisa ganha passaporte?... Alguns dos momentos mais marcantes do ano nacional fizeram-se em português. B Fachada, Samuel Úria, Macacos do Chinês, Tiago Guillul, Os Pontos Negros, João e a Sombra, Feromona... A estes podemos juntar os veteranos Mão Morta (numa aventura falada), Rui Reininho (em estreia a solo que lhe dá o seu melhor disco desde os anos 80) e Rádio Macau. E na selecção de 2009 esperam-se as estreias de Os Golpes e, até que enfim, a dos Doismileoito. Por seu lado, o fado já conheceu anos de colheita mais farta... O melhor do ano, contudo, coube a um regresso (e uma estreia ao mesmo tempo). O regresso é o de António Pinho Vargas, a solo, ao piano. A estreia, a de David Ferreira como editor em nome próprio. Que haja mais “investidas” em 2009!

1. António Pinho Vargas "Solo"
2. Rui Reininho "Companhia das Índias"
3. Mão Morta "Maldoror"
4. B Fachada "Viola Braguesa"
5. Dead Combo "Lusitania Playboys"
6. Noiserv "One Hunderd Miles From Thoughtlessness"
7. Tiago Guillul "IV"
8. Rocky Marsiano "Outside The Pyramid"
9. Buraka Som Sistema "Black Diamond"
10. Camané "Sempre de Mim"

O universo da “clássica” tem quase mil anos de composições escritas à disposição de todos os que acreditam que a música começou antes de Elvis ter entrado nos estúdios da Sun Records para gravar os seus primeiros singles. Porém, quem programa o que se escuta nos palcos portugueses muitas vezes parece esquecer-se dos últimos cem anos (assim como os primeiros 500), acabando a oferta por navegar, salvo pontuais excepções (como o foram este ano os centenários de Messiaen e Carter ou no ano passado o de Shostakovich), em volta de uma espécie de cânone de mestres e eleitos. Nada contra o que se ouve. Falta apenas poder ouvir mais, sobretudo os compositores vivos, aqueles que, tal como os Portishead, Animal Collective ou Radiohead, fazem a história do nosso presente. Valem-nos os discos. E aí o ano tanto nos deu sublimes novas gravações de peças fundamentais na história da música (a Criação de Haydn por McCreesh ou Brahms por Kent Nagano), como redescobriu pérolas esquecidas (os concetros com que Boulez encerra a gravação da obra orquestral de Bartók). A elas juntam-se primeiras gravações de obras de Nico Muhly ou Giya Kancheli. O ano destacou ainda talentos em afirmação como, sobretudo, o maestro venezuelano Gustavo Dudamel, que registou em Fiesta o ambiente, de facto festivo, que tem corrido palcos do mundo com a Orquestra Simón Bolívar. O centenário de Messiaen foi devidamente assinalado em edições e reedições. Já o de Eliott Carter passou ao lado... O ano deu-nos ainda uma magnífica antologia de Philip Glass. E uma sublime caixa com gravações históricas de obras de Bernstein, dirigidas pelo mesmo. Mas do seu 90º aniversário (assinalado pelo mundo fora), nicles junto de quem faz os programas de concertos de música sinfónica mais mediatizados por estes lados... No surprises, como diriam os Radiohead...

1. Leonard Bernstein "Bernstein Conducts Bernstein"
2. Kent Nagano "Brahms - Symphony Nº 4"
3. Gustavo Dudamel "Fiesta"
4. Nico Muhly "Mothertongue"
5. Philip Glass "Glassbox"
6. Paul McCreesh "Haydn - The Creation"
7. Giya Kancheli "Little Imber"
8. Pierre Boulez "Bartók - Concertos"
9. Andreas Scholl "Crystal Tears"
10. Leif Segerstam "Rautavaara - Manhattan Trilogy"

J.L.

Discos? Em boa verdade, quase toda a gente passou a falar de downloads: numa sociedade de fetichização dos "objectos", o objecto-disco entrou em crise económica e, sobretudo, simbólica. Mas quando ouvimos Patti Smith (acompanhada pelos sons assombrados de Kevin Shields) a ler a sua obra poética em The Coral Sea, será que pode fazer sentido a noção de que se vai fazer o download de... um poema? Talvez, mas isso não impede que possamos continuar a desejar um disco como... um livro. Em todo o caso, a dificuldade de estabelecer hierarquias (e também aquilo que não ouvi), levam-me a valorizar o retorno à matéria primordial dos sons: a voz humana. E também, nem que seja pelo prazer do contraste, às arrebatadoras paisagens electrónicas (?) que nascem das experiências da alemã Antye Greie-Fuchs, aliás, AGF.

1. Patti Smith e Kevin Shields "The Coral Sea"
2. AGF "Words Are Missing"
3. Aldina Duarte "Mulheres ao Espelho"
4. Spiritualized "Songs in A & E"
5. Portishead "Third"
6. Beck "Modern Guilt"
7. The Cinematic Orchestra "Live at the Royal Albert Hall"
8. The Fireman "Electric Arguments"
9. Vampire Weekend "Vampire Weekend"
10. Amy Winehouse "Frank & Back to Black"

domingo, dezembro 28, 2008

Nuri Bilge Ceylan: realismo digital

Melodrama tecido de negrume e desencanto, à maneira clássica expondo a lenta desagregação de uma família e, também seguindo a lógica de muitos clássicos dos anos 50/60 (vale a pena revisitar Vincente Minnelli), explorando o formato largo (scope) das imagens, criando paisagens de cru, por vezes cruel, intimismo — chama-se Os Três Macacos, tem direcção do turco Nuri Bilge Ceylan, foi um grande momento de Cannes 2008 (prémio de realização) e é um dos últimos grandes títulos a estrear este ano entre nós.
Num certo sentido, não andamos longe da experiência de Bubble (2005), de Steven Soderbergh, entre nós infelizmente apenas lançado em DVD — mesma atenção maníaca aos fantasmas que assombram os cenários familiares e, em particular, mesma aplicação metódica de uma câmara digital para (re)trabalhar o formato largo. Trata-se, afinal, de "forçar" as novas potencialidades do video de alta definição, paradoxalmente estabelecendo as regras de um novo realismo — na Turquia como nos EUA.

Os sons do silêncio

Clássicos do Século XX - 9
'Alina', de Arvo Pärt
(compsições de 1976 e 78, editadas em 1999)

Arvo Pärt (n. 1935) é muitas vezes citado como um dos principais compositores minimalistas europeus, autor de uma obra que, apesar de algumas afinidades filosóficas com contemporâneos americanos, se revela formalmente distinta. Há até quem o apresente como o fundador daquilo que foi já designado como minimalismo sagrado, partilhando aí espaço de trabalho com outras figuras como o polaco Henryk Gorecki ou o britânico John Tavener. Respectivamente de 1976 e 78, as peças Für Alina e Spiegel Im Spiegel representaram momentos decisivos na definição de uma linguagem, da qual decorre muita da obra posterior do compositor. Für Alina é uma peça para piano solo, que ocupa apenas duas páginas numa partitura mas que desafia cada intérprete à reflexão, não estabelecendo nunca o limite de tempo para a sua performance. Já Spiegel Im Spiegel é um diálogo, originalmente criado para piano e violino (que ocasionalmente cede o lugar a uma viola ou violoncelo). Como o título sugere, é um espelho num espelho, cada instrumento reflectindo-se no outro, em ciclos sucessivos, com gradual adição de notas, mas tempo limite definido. Com aprovação do próprio compositor, o álbum Alina (ECM, 1999) apresenta gravações das duas peças. Em concreto, duas de Spiegel Im Spiegel para violino e piano e uma para violoncelo e piano, entre as quais se escutam duas sequências seleccionadas pelo compositor de uma longa interpretação de Für Alina, por Alexander Malter.

Natural de Paide (na Estónia, depois de 1940 parte da URSS), cresceu sob poder soviético. As suas primeiras obras, claramente distintas das que dele hoje são apresentadas e gravadas, reflectiam um interesse por compositores como Shostakovich, Prokofiev, Bartók e Shoenberg... Alguns dos trabalhos foram alvo de censura. Esta barreira, que se somou a um descontentamento sobre os caminhos que seguia, levaram Arvo Part a um radical repensar de ideias musicais. Em 1980 Arvo Part deixou a URSS, mudando-se primeiro para a Áustria, mais tarde para Berlim, na Alemanha. Fez longo período de silêncio meditativo, durante o qual estudou o cantochão e as primeiras formas de polifonia. Da reflexão nasceram então novas ideias, entre as quais o estilo habitualmente descrito como “tintinnabuli” ou seja, que traduz sons que sugerem discretos sinos. A sua música passou então a revelar harmonias simples, claramente inspiradas pela memória da música medieval, com o tempo acabando por abordar directamente o canto, no contexto de uma nova música religiosa. Num texto incluído no booklet de Alina, lê-se: “Compararia a minha música à luz branca, que contém todas as cores. Apenas um prisma pode dividir as cores e fazer com que apareçam; esse prisma pode ser o espírito do ouvinte”. Melhor descrição seria impossível...

A música de Arvo Pärt foi há muito descoberta por outras artes, nomeadamente o cinema, tendo surgido em filmes como, entre outros, A Barreira Invisível de Terrence Malick; Les Amants du Pont-Neuf, de Léos Carax; Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson ou O Bom Pastor, de Robert de Niro. Todavia, aquela que é até agora a mais interessante utilização de música sua num filme, porque capaz de traduzir pela imagem e sugestão narrativa os percursos internos da composição, deve-se a Gus Van Sant, em Gerry (na foto). Spiegel Im Spiegel e Für Alina são, precisamente, as composições que ocasionalmente rompem o silêncio e os ruídos do deserto, acompanhando as notas a caminhada sem Norte que acompanhamos com Matt Damon e Casey Affleck.



Imagens de uma masterclass de Arvo Pärt, na qual lhe é pedido que fale de Für Alina. Mais que explicar as motivações que conduziram à obra, caminha sobre o teclado, deixando que as notas revelem as ideias, que então vai explicando.

1941 - Ano "louco" em Lisboa

Steven Spielberg chamou a um dos seus filmes 1941: Ano Louco Em Hollywood. Bom, na verdade o "ano louco em Hollywood" foi um extra entre nós acrescentado à versão portuguesa do título, uma vez que, na origem, o filme se apresentava (em 1979, ano da sua estreia), como apenas 1941... Ano louco? No filme de Spielberg, em registo de comédia, certamente. Mas a memória portuguesa cinéfila desse 1941 recorda também um ano invulgarmente "louco", porque viu a rodagem de dois títulos irresistíveis e importantes, para a história da nossa comédia. Em concreto esse foi o ano de O Pai Tirano e O Pátio das Cantigas, dois dos mais ilustres exemplos da utilização das linguagens do humor ao serviço da história do cinema português. Ano louco, pois seja. E que agora podemos revisitar em DVD, em edições que apresentam as cópias restauradas para alta definição.

O Pai Tirano, de António Lopes Ribeiro, surge no mesmo ano em que o realizador cria a sua companhia de produção. O filme, que, como recorda M. Félix Ribeiro em Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português, "ficaria a ser a primeira, em tempo, da brilhante série de comédias cinematográficas que esmaltaram os anos 40", traduzia um clima de confronto e suspeita entre os públicos do teatro e do cinema, reflexo ainda da relativa juventude da sétima arte. A história acompanha um grupo de teatro amador de funcionários dos armazéns Grandella, na baixa lisboeta, que cruzam a ficção que têm estado a ensaiar com a realidade a fim de ajudar um dos actores, Chico (interpretado por Ribeirinho, o irmão de António Lopes Ribeiro), a conquistar a Tatão, uma empregada da perfumaria em frente, mais dada aos ecrãs que aos palcos... Com um elenco em que, além de Ribeirinho, se destacavam ainda Vasco Santana, Arthur Duarte ou Graça Maria, O Pai Tirano custou à época um total de 850 contos, uma das somas mais baixas da filmografia do seu tempo.

Do mesmo ano datam os trabalhos em O Pátio das Cantigas (cuja estreia só aconteceria no Cinema Éden, já em Janeiro de 1942). Com produção de António Lopes Ribeiro, o filme é contudo realizado pelo seu irmão Francisco, mais conhecido como Ribeirinho (que interpreta um papel secundário). Divertida comédia de costumes lisboeta, feita de pequenas histórias de amores, ciúmes, dissabores e alegrias, apostou num forte naipe de actores, procurando assim garantir a sua aceitação popular. Desafio ganho, graças a contribuições de figuras como Vasco Santana, António Silva, Graça Maria, Laura Alves ou Maria da Graça, entre alguns mais, muitos deles acabados de chegar da rodagem de O Pai Tirano. O filme teve a música entre as suas preocupações, contando a banda sonora com dois inéditos de Frederico de Freitas (com letra de António Lopes Ribeiro), três novos sambas e uma canção do argentino Carlos Flores. Para a história da cultura popular portuguesa o filme deixou a frase "ó Evaristo, tens cá disto" e o inesquecível monólogo de Vasco Santana junto a um candeeiro.

Os dois filmes, que têm como denominador comum a presença de António Lopes Ribeiro, foram restaurados em alta definição para a reedição em DVD que junta documentários (entre os quais o que em 1941 o realizador apresentou sobre a Exposição do Mundo Português de 1940), depoimentos e ainda um livro com biografias, filmografias e testemunhos pessoais.
PS. Texto publicado no DN a 23 de Dezembro

Diálogos com Jon Stewart

A recente entrevista de Mike Huckabee conduzida por Jon Stewart (The Daily Show, 9 de Dezembro) traduziu-se num grande momento de televisão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 de Dezembro), com o título 'Diálogos políticos'.

Todos os dias vemos (e ouvimos!) a agonia do debate político em Portugal e, em particular, nos espaços televisivos. Por um lado, os lapsos dos intervenientes passaram a contar tanto ou mais do que a exposição das suas ideias. Porquê? Sem dúvida porque grande parte dos dispositivos televisivos integraram a chantagem ética e estética dos “apanhados”. Por outro lado, o debate tende a diluir o valor específico das argumentações na produção de frases mais ou menos esquemáticas, susceptíveis de funcionar como sound-bytes.
A questão de fundo não é voluntarista. Não se trata de saber como fazer “mais” e “melhores” debates. Creio mesmo que os operadores televisivos dariam uma bela prova da sua inteligência declarando que talvez precisemos de menos debates. Mais do que isso: reconhecendo que um épico de David Lean ou uma peça de Ibsen podem ser muito mais enriquecedores para a nossa visão do mundo do que um ministro e um líder da oposição a trocar piropos, nem sempre muito elegantes, sobre o modo como o “meu” partido é que tem as “soluções” para “sairmos da crise”...
Numa recente edição de The Daily Show (SIC Radical), Jon Stewart (na foto) deu um excelente exemplo de como é possível manter vivo o diálogo político sem recorrer a estratagemas gratuitos de “espectáculo”. Entrevistava ele Mike Huckabee, republicano, ex-governador do Arkansas, candidato derrotado (por John McCain) à nomeação pelo seu partido para as presidenciais americanas de 2008. Huckabee lançou há poucas semanas o livro Do the Right Thing e, não se coibindo de exprimir pontos de vista contrários ao do seu convidado, Stewart questionou-o, com especial veemência, sobre a sua resistência à legalização do casamento de homossexuais.
Claro que não se trata de sugerir que qualquer jornalista, em qualquer contexto, deva lançar os seus próprios pontos de vista nos debates (sabemos que a maioria dos programas não tem o grau de personalização de The Daily Show). Trata-se, isso sim, de relembrar o óbvio: a televisão não tem que procurar a “polémica” pela “polémica”. Uma televisão viva e inteligente é uma televisão que pensa. E, mais do que isso, possui o condão de fazer pensar.

>>> Este é o registo da parte do diálogo a que o texto se refere — o programa, na sua totalidade, pode ser visto aqui.



sábado, dezembro 27, 2008

Figuras do ano: Gilberto Madaíl

Que se pode fazer com 650 milhões de euros? Para nos ficarmos pelo cinema português, lembremos o mais simples: podem fazer-se 1000 filmes (isto é, em quantidades médias, o equivalente a 100 anos da nossa actual produção cinematográfica). Pois bem, em Portugal, com esse dinheiro, no ano de 2004, fizeram-se 10 estádios de futebol.
Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, quer prosseguir essa saga de futebolização do país, da televisão e das mentes, continuando a militar pela organização do Mundial de Futebol de 2018 no nosso país (em associação com a Espanha). Este simples facto transforma-o numa personalidade marcante do ano que agora termina e, mais do que isso, na figura cultural do ano. Porquê? Porque nada disto tem a ver com o esplendoroso espectáculo que é (ou pode ser) o futebol. Antes porque o projecto de Madaíl pode vir a marcar os valores colectivos e as grandes opções do país na próxima década, voltando a colocar sectores importantes — construção civil, publicidade, mobilização da juventude — a reboque do futebol.
Sabemos também que Pedro Silva Pereira, ministro da Presidência, não rejeitou a hipótese: "Não posso comentar [...]. Mas Portugal já tem as infra-estruturas do Euro 2004 e estamos a falar de uma hipótese para 2018, que não tem nada a ver com a crise conjuntural actual." Quer isto dizer que FPF e Governo poderão vir a estar em sintonia para — num dos países com menores recursos económicos da Europa, sofrendo os efeitos de uma crise global que o afecta de modo muito específico (e muito drástico) — encarar seriamente a possibilidade de organizar um... Mundial de Futebol!
Mesmo não comentando esse bizarro conceito político (?) que considera que tal possibilidade não tem nada a ver com a conjuntura actual, importa referir também que é espantoso como nem uma voz das oposições tem algo a dizer sobre este delírio económico e conjuntural. Dito de outro modo: Gilberto Madaíl é, desde já, candidato a figura do ano em 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018.

A miragem de "Austrália"

Este magnífico cartaz do filme Austrália acaba por ser um esclarecedor sintoma do que está a acontecer em algum cinema melodramático e "nostálgico": a perda das suas matrizes fundadoras, apenas "compensada" pela permanência das respectivas imagens de marca — o texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (25 de Dezembro), com o título 'A miragem clássica'.

São muitos os filmes que nos permitem perceber as contradições internas da história da Austrália. Podemos evocar a obra-prima de Alfred Hitchcock, Sob o Signo de Capricórnio (1949), melodrama com Ingrid Bergman em que a sociedade australiana do século XIX emerge como fantasma moral da Grã-Bretanha. Mais próximo, podemos citar o caso de A Vedação (2002), de Philip Noyce, sobre a política que, na década de 1930, levou à separação compulsiva de muitas crianças aborígenes das respectivas famílias.

>>> Um dos espantosos planos-sequência de Sob o Signo de Capricórnio, com Ingrid Bergman a recordar os acontecimentos tráumaticos que a conduziram à Austrália.



Baz Luhrmann terá querido fazer uma síntese, sem dúvida conceptualmente interessante, porventura impossível em termos de produção. O seu Austrália pretende ser uma fusão espectacular de todas essas memórias traumáticas e, certamente não por acaso, apresenta-se mesmo narrado a partir do ponto de vista de Nullah (Brandon Walters), uma criança “marginal”, nascida de uma mãe aborígene e um pai branco. Nullah introduz no filme uma mágoa enraizada numa idealização do próprio país que tem sempre dificuldade em combinar-se com a love story construída em torno das personagens de Nicole Kidman e Hugh Jackman.
Mesmo não esquecendo dois ou três momentos fulgurantes, Austrália apresenta-se como um objecto ferido pela ambição de querer relançar uma matriz cinematográfica enraizada na herança de clássicos como E Tudo o Vento Levou (1939). Luhrmann acaba por não ter um background de produção que lhe permita sustentar uma estética coerente: na primeira parte, por exemplo, a imponência física do deserto é um fundamental elemento dramático até que, a pouco e pouco, a “falsidade” dos cenários digitais vai tomando conta do filme. Reveja-se Lawrence da Arábia (1962) e imagine-se o que ficou por fazer.

>>> Da lista dos '100 Maiores Filmes de Sempre', pelo American Film Institute: apresentação de Lawrence da Arábia.

Histórias de Nanni Moretti

Nanni Moretti é um dos grandes contadores de histórias do cinema italiano. Assim se confirma através da sua dupla função (actor principal e co-autor do argumento) em Caos Calmo — estes textos foram publicados no Diário de Notícias (24 de Dezembro), num dossier com o título global 'Filme italiano encena invulgar situação de luto'.

Desde o seu anúncio, o projecto de Caos Calmo surgiu sob o efeito do “patrocínio” de Nanni Moretti. Desde logo porque Moretti ia assumir a personagem principal de um filme cuja realização seria de outro cineasta (Antonello Grimaldi), mas também porque ele fazia questão em deixar a sua marca no argumento (co-assinado com Laura Paolucci e Francesco Piccolo). O mínimo que se pode dizer é que os resultados foram compensadores, nomeadamente em Itália, com Caos Calmo a receber três prémios David di Donatello (palmarés anual da produção italiana), com destaque para o de melhor actor secundário atribuído a Alessandro Gassman (filho de Vittorio Gassman, no filme intérprete do irmão de Moretti).
Moretti mantém, assim, uma concepção do seu trabalho que, embora ancorada numa pessoalíssima visão artística e filosófica, visa criar condições para o desenvolvimento de um cinema italiano que não aliene os seus mais tradicionais valores temáticos e narrativos. Nesta perspectiva, podemos aproximar a teia psicológica de Caos Calmo de alguns títulos do próprio Moretti, incluindo os emblemáticos Palombella Rossa (1989) e O Quarto do Filho (2001). Em todo o caso, Caos Calmo provém em linha directa dos dramas sociais do grande cinema italiano das décadas de 60/70, assinados por cineastas como Dino Risi, Mario Monicelli ou Luigi Comencini, muitas vezes esquecidos face à incontornável grandeza de contemporâneos como Michelangelo Antonioni ou Federico Fellini.
É essa a grande lição de Moretti: a de praticar um cinema atento ao presente, mas mantendo uma relação viva com o património cinematográfico do seu país. É um cinema que, além do mais, se demarca da formatação televisiva que, ao longo dos anos, deixou as suas marcas nefastas, quer na linguagem, quer na organização económica de muitas zonas da produção audiovisual italiana.

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Nanni Moretti (n. 1953) é um criador multifacetado, repartindo-se pela realiza-ção, produção e representação, por vezes com claras componentes autobiográficas, como em Querido Diário (1993) e Abril (1998). Foi uma das revelações do cinema italiano dos anos 70/80, nomeadamente através de Sonhos de Ouro, Bianca e A Missa Acabou (todos disponíveis no nosso mercado de DVD). Também analista da cena política, já abordou temas relacionados com o Partido Comunista Italiano (Palombella Rossa) ou Silvio Berlusconi (O Caimão). O Quarto do Filho valeu-lhe a Palma de Ouro de Cannes/2001. É também exibidor cinematográfico, dirigindo uma sala (Cinema Nuovo Sacher) de Roma.

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De que falamos quando falamos de felicidade? Afinal de contas, a pergunta não é filosófica, mas eminentemente prática. É uma pergunta que, todos os dias, nos entra pelas nossas casas através de telenovelas e anúncios de telemóveis, nas palavras de políticos e figuras do jet-set: todos falam da sua felicidade e, por vezes, garantem-nos mesmo que têm receitas para a nossa felicidade...
Se outras razões não houvesse, estas bastariam para fazer de Caos Calmo um filme eminentemente actual. Nele se conta a história de Pietro Paladini, administrador de uma empresa de televisão (o pormenor não será secundário) que, na sequência da morte acidental da mulher, passa a viver uma estranha rotina: todos os dias acompanha a filha Claudia ao colégio, sem depois se dirigir ao emprego; fica no jardim em frente ao colégio, vai lendo, frequentando o café, conhecendo pessoas. Com o decorrer dos dias, Pietro acaba mesmo por ir recebendo colegas e familiares, como se tivesse criado um novo “escritório” que tem tanto de posto profissional como de confessionário.
Produção italiana apresentada no Festival de Berlim do passado mês de Fevereiro, Caos Calmo está, em termos temáticos, muito próximo do padrão de telefilmes familiares que faz parte da produção regular de algumas televisões europeias (nomeadamente em Itália e França). Em todo o caso, demarca-se das suas convenções e do seu determinismo, antes do mais graças a um trabalho de argumento que em nenhum momento procura encerrar as personagens em “modelos” dramáticos ou moralistas.
E se é verdade que a realização de Antonello Grimaldi (precisamente alguém com experiência dividida entre cinema e televisão) possui a vantagem da sobriedade, não é menos verdade que é difícil imaginar Caos Calmo sem a muito contida, e também muito subtil, composição de Nanni Moretti na personagem de Pietro. Moretti consegue colocar em cena o desconcertante paradoxo de um homem dividido entre as obrigações sociais que decorrem do seu próprio luto (de acordo com as regras desse luto, as outras pessoas esperam que ele se comporte de forma “lógica”) e a súbita descoberta de um vazio interior que, afinal de contas, ele próprio desconhecia.
Ao contrário de uma telenovela, a história de Caos Calmo, adaptada de um romance de Sandro Veronesi, não se encerra num esquema de “soluções”, “inocentes” e “culpados” (mesmo se é verdade que o tema da culpa perpassa por todo o seu desenvolvimento). O filme acaba mesmo por possuir a transparência simples, porventura naïf, de um retrato social que, para lá do jogo das aparências, nos revela a solidão das suas personagens. Talvez possamos defini-lo como um conto moral cuja “mensagem”, algo irónica, está condensada no próprio título: este é um sistema de relações profundamente abalado nos seus valores e certezas e, ao mesmo tempo, um universo que se distingue por uma bizarra e contagiante serenidade. Dito de outro modo: mesmo sob o efeito normativo da televisão, o cinema social italiano continua vivo.

Um inesperado clássico de Natal

Ainda em tempo de quadra festiva, a memória “retrovisor” desta semana aponta a uma canção de 1980 que, sem ser pensada como tema de Natal, é hoje recordada como um dos raros clássicos natalícios do seu tempo. Tem por título Stop The Cavalry e fala de guerra, sem necessariamente apontar um tempo e um lugar (apesar do teledisco mostrar trincheiras da I Guerra Mundial). O uso de metais e sininhos, assim como o verso “wish I was at home for Christmas” fez da cação um não projectado sucesso Natalício em finais de 1980. Quem a canta é Jona Lewie (n. 1947), um inglês com carreira esquecida entre bandas quase anónimas nos anos 60 que, em 1977, se viu integrado no catálogo da Stiff Records, uma das mais agitadas e produtivas “casas” da new wave britânica. Obteve primeiro (e quase inesperado) êxito com You’ll Always Find Me In The Kitchen At Parties, com tempero electrónico, em inícios de 1980. Meses depois Stop The Calavry era o seu maior êxito de sempre, projectando ainda atenções sobre Louise, já em 1981... Aos poucos Jona Lewie foi desaparecendo de cena, o seu último álbum (de que há notícia) sendo datado de 1993. Desde 2004 fala num novo disco. Talvez em 2009... Por hoje, a memória da canção de 1980 que, sem querer, virou clássico da quadra.

Brian Eno compõe para Peter Jackson

Brian Eno vai assinar a banda sonora do novo filme de Peter Jackson. O filme, com o título The Lovely Bones, é uma adaptação do romance homónimo de Alice Sebold. O elenco inclui actores como Saorise Ronan, Rachel Weisz, Mark Wahlberg e Susan Sarandon. A estreia está prevista para Dezembro de 2009.

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Figuras do ano: Jon Stewart

Os espaços dos talk shows (os mais interessantes, entenda-se) estão a transfigurar os seus próprios métodos e a relação que propõe com os seus espectadores. Ao longo de 2008, Jon Stewart foi um modelo exemplar de tal atitude: o seu The Daily Show baralhou de forma inteligente os conceitos tradicionais de espaço de "entrevistas" e programa de "intervenção política", não se coibindo de assumir posições políticas verdadeiramente críticas e, por isso mesmo, reduzindo a pó a noção beata de um entertainment "despreocupado" e "inconsequente".
No fundo, Stewart e a sua equipa são um pilar de uma ética que, mais do que nunca, importa sublinhar: a de que nenhuma forma de televisão funciona como espelho neutro seja do que for. Nesta perspectiva, The Daily Show disse aquilo que alguns discursos críticos na área da televisão não se cansam de repetir: que não vale a pena tentarem vender-nos a televisão como uma visão espontânea seja do que for... Trabalhar com imagens e sons é sempre reconfigurar o mundo, reconverter os seus significados, pensar e ser pensado.

Deneuve: memórias sem nostalgia

"Sua Majestade", diz o título — Catherine Deneuve está na capa da edição de Novembro/Dezembro da Film Comment (publicação da Film Society of Lincoln Center). O pretexto próximo é o lançamento do magnífico Un Conte de Noël, de Arnaud Desplechin, momento alto do último Festival de Cannes.
A revista publica uma entrevista com Deneuve conduzida pelo próprio Desplechin. Aliás, mais do que uma entrevista, trata-se de uma conversa atravessada por múltiplas cumplici-dades, evocando muitos momentos marcantes da trajectória da actriz: a viragem profissional, em 1964, com Os Chapéus de Chuva de Cherburgo [foto] e o conhecimento de Jacques Demy; a relação mais forte com os realizadores e o relativa ausência de "modelos" ou "referências" entre as actrizes (excepção: Marilyn Monroe); a integração no universo de Luis Buñuel através de Belle de Jour (1967) e Tristana (1970), preferindo o segundo contra o primeiro; a evocação do projecto não concretizado com Alfred Hitchcock...
São memórias despidas de qualquer lamentação nostálgica. Deneuve não se vê como protagonista de uma "carreira", antes como alguém que persiste numa atitude de descoberta face ao cinema e através dos filmes. Desplechin diz, aliás, que sempre a viu como alguém que, no interior de cada filme, afirma um ponto de vista. Ela própria o confirma, quando diz: "(...) nunca frequentei a escola de repre-sentação e nunca estudei com actores. Apenas os encontro nas rodagens — de facto, nunca tive amizades com actores, à excepção da minha irmã [Françoise Dorléac]. Sempre me senti do lado do realizador e do argumentista. Não escolhi assim, apenas aconteceu."

London Astoria fecha a 15 de Janeiro

Não é só por estas bandas que se fala de salas com história que fecharam. Brevemente, os lisboetas Rock Rendez Vous e Johnny Guitar e o portuense Luis Armastrondo, que se destacam na galeria de casas onde a música fez história, vão receber a companhia de uma das mais ilustres salas de Londres. Vendido em 2006, com fim anunciado em 2007, o muito central London Astoria (em Charing Cross rd, no mesmo quarteirão que faz esquina com Oxford st) fecha de vez as portas a 15 de Janeiro. Porquê? Para dar lugar a uma das estações do Crossrail, uma nova rede de ligações ferroviárias subterrâneas a instalar na capital britânica.
Os londrinos, em particular músicos e melómanos, não acolheram com indiferença a notícia do fim da sala. Houve campanha pela salvação da sala, mas sem consequência, Inaugurada em 1927 como cinema, a sala foi adaptada para espectáculos de palco nos anos 70. E, desde então, poucos foram os nomes que fizeram a história da música pop que por ali não passaram. Por lá foram vistos, em palco, Nirvana, U2, David Bowie, Rolling Stones, Prince, Franz Ferdinand, White Stripes... Os Radiohead gravaram ali o seu primeiro concerto a editar em vídeo, em 1994. Os Eels registaram ali o álbum ao vivo Live and In Person! London 2006...
Pessoalmente guardo do London Astoria memórias de concertos inesquecíveis dos Blur, Pet Shop Boys, Suede e Placebo (nos seus melhores dias). Quase todos na sala principal, o dos Suede na sala mais pequena, com alma de clube, na cave.

Imagens de 2008 (8)

Foi das imagens mais consultadas do ano na Internet. E também uma das melhores ideias que o ano político nos deu: o cruzamento da arte de fazer música com a vontade de passar uma mensagem concreta, com um fim evidente: a vitória numa eleição (primeiro nas primárias, mais tarde nas presidenciais). A ideia foi de Will.I.Am, usando pedaços de discursos de Barack Obama (e da musicalidade natural do “flow” do presidente entretanto eleito), transformando-os numa canção. Para título, Yes We Can, o slogan do ano, aqui adaptado a refrão. Não foi a primeira vez que músicos apoiaram candidatos. Mas nunca uma campanha conheceu o envolvimento e dedicação de tantos e tão diferentes artistas, como a que este ano fez a “mudança” nos EUA.