2008 foi um ano intenso em acontecimentos para o verbo ouvir. Veteranos e estreantes assinaram feitos que escreveram a história de 12 meses que nos deram banda sonora da qual é quase difícil fazer agora escolhas (porque necessariamente deixam de lado títulos e nomes não menos interessantes e importantes para a história do ano que os que aqui hoje se ordenam em listas top 10). Já iremos à produção nacional e à clássica. Comecemos pelo espaço pop/rock onde, sem dúvida, o ano elege dois discos fulcrais: o primeiro dos Vampire Weekend (traduzindo inteligente passo adiante para estímulos que brotam da assimilação da herança pop new wave, acrescentando África e memórias da tradição clássica europeia) e o que se revelou no regresso dos Portishead. Third, de resto, acaba por merecer o título de “disco do ano” não apenas pela aposta ousada de novas visões para a canção, como por ser tradução prática da coragem de um nome veterano, e com identidade formada, que aceita o desafio de se reinventar e não jogar no mais do mesmo, enfim, no seguro, na hora de retomar o contacto com quem os ouve. A surpresa arrebatou. E a sua passagem por palcos nacionais tudo confirmou. Da história dos grandes regressos de 2008 convém não esquecer ainda nomes como os Bomb The Bass ou Grace Jones. Jonathan Meiburg “separou-se” dos Okkervil River, ganhando com a decisão os Shearwater. The Notwist assinaram o melhor álbum mais injustamente ignorado do ano. Simon Bookish deixou as electrónicas e descobriu no seu passado que pode colocar o que aprendeu na preparação para ser compositor ao serviço da pop. Kelley Polar já o havia entendido e volta a surpreender. Byrne e Eno dão, por seu lado, uma lição de “mestria” num soberbo álbum de canções que mostra que não é preciso inventar a novidade para criar um disco que possa marcar o presente. De um breve balanço sublinhe-se ainda, e para falar de discos que acabaram fora do top 10, os belos álbuns de estreia de nomes como os Late Of The Pier, MGMT, Fleet Foxes, Last Shadow Puppets, Lykke Li, Santogold...
1. Portishead "Third"
2. Vampire Weekend "Vampire Weekend"
3. Shearwater "Rook"
4. The Notwist "The Devil You + Me"
5. Simon Bookish "Everything / Everything"
6. Kelley Polar "I Need You To Hold On While The Sky Is Falling"
7. The Ruby Suns "Sea Lion"
8. Department Of Eagles "In Ear Park"
9. David Byrne + Brian Eno "Everything That Happens Will Happen Today"
10. Spiritualized "Songs in A & E"
Entre nós o ano foi agitado. Como há muito não se via, sublinhe-se. E a melhor das heranças que 2008 nos deixa é a do reencontro do pop/rock português com a nossa língua. Terminam assim dez anos de yé yé (com mais escorregões que momentos que um dia justifiquem a memória), de sonhos pop que ainda não se concretizaram. E em grande parte porque o nosso pop/rock em inglês soa tão estranho lá fora como para nós o é a pronuncia de KD Lang quando canta o Fado Hilário (se bem que a cantora canadiana lhe dê uma intensidade que nem todo o fadista alcança). Isto para nem falar dos tropeções na gramática das letras, mas enfim. Cada um que cante como entender... Mas se verificarmos o que se passa lá fora, concluímos que o verdadeiro sucesso internacional da produção nacional em 2008 são os Buraka Som Sistema! Valerá então a pena tentar o inglês só para ver se a coisa ganha passaporte?... Alguns dos momentos mais marcantes do ano nacional fizeram-se em português. B Fachada, Samuel Úria, Macacos do Chinês, Tiago Guillul, Os Pontos Negros, João e a Sombra, Feromona... A estes podemos juntar os veteranos Mão Morta (numa aventura falada), Rui Reininho (em estreia a solo que lhe dá o seu melhor disco desde os anos 80) e Rádio Macau. E na selecção de 2009 esperam-se as estreias de Os Golpes e, até que enfim, a dos Doismileoito. Por seu lado, o fado já conheceu anos de colheita mais farta... O melhor do ano, contudo, coube a um regresso (e uma estreia ao mesmo tempo). O regresso é o de António Pinho Vargas, a solo, ao piano. A estreia, a de David Ferreira como editor em nome próprio. Que haja mais “investidas” em 2009!
1. António Pinho Vargas "Solo"
2. Rui Reininho "Companhia das Índias"
3. Mão Morta "Maldoror"
4. B Fachada "Viola Braguesa"
5. Dead Combo "Lusitania Playboys"
6. Noiserv "One Hunderd Miles From Thoughtlessness"
7. Tiago Guillul "IV"
8. Rocky Marsiano "Outside The Pyramid"
9. Buraka Som Sistema "Black Diamond"
10. Camané "Sempre de Mim"
O universo da “clássica” tem quase mil anos de composições escritas à disposição de todos os que acreditam que a música começou antes de Elvis ter entrado nos estúdios da Sun Records para gravar os seus primeiros singles. Porém, quem programa o que se escuta nos palcos portugueses muitas vezes parece esquecer-se dos últimos cem anos (assim como os primeiros 500), acabando a oferta por navegar, salvo pontuais excepções (como o foram este ano os centenários de Messiaen e Carter ou no ano passado o de Shostakovich), em volta de uma espécie de cânone de mestres e eleitos. Nada contra o que se ouve. Falta apenas poder ouvir mais, sobretudo os compositores vivos, aqueles que, tal como os Portishead, Animal Collective ou Radiohead, fazem a história do nosso presente. Valem-nos os discos. E aí o ano tanto nos deu sublimes novas gravações de peças fundamentais na história da música (a Criação de Haydn por McCreesh ou Brahms por Kent Nagano), como redescobriu pérolas esquecidas (os concetros com que Boulez encerra a gravação da obra orquestral de Bartók). A elas juntam-se primeiras gravações de obras de Nico Muhly ou Giya Kancheli. O ano destacou ainda talentos em afirmação como, sobretudo, o maestro venezuelano Gustavo Dudamel, que registou em Fiesta o ambiente, de facto festivo, que tem corrido palcos do mundo com a Orquestra Simón Bolívar. O centenário de Messiaen foi devidamente assinalado em edições e reedições. Já o de Eliott Carter passou ao lado... O ano deu-nos ainda uma magnífica antologia de Philip Glass. E uma sublime caixa com gravações históricas de obras de Bernstein, dirigidas pelo mesmo. Mas do seu 90º aniversário (assinalado pelo mundo fora), nicles junto de quem faz os programas de concertos de música sinfónica mais mediatizados por estes lados... No surprises, como diriam os Radiohead...
1. Leonard Bernstein "Bernstein Conducts Bernstein"
2. Kent Nagano "Brahms - Symphony Nº 4"
3. Gustavo Dudamel "Fiesta"
4. Nico Muhly "Mothertongue"
5. Philip Glass "Glassbox"
6. Paul McCreesh "Haydn - The Creation"
7. Giya Kancheli "Little Imber"
8. Pierre Boulez "Bartók - Concertos"
9. Andreas Scholl "Crystal Tears"
10. Leif Segerstam "Rautavaara - Manhattan Trilogy"
Discos? Em boa verdade, quase toda a gente passou a falar de downloads: numa sociedade de fetichização dos "objectos", o objecto-disco entrou em crise económica e, sobretudo, simbólica. Mas quando ouvimos Patti Smith (acompanhada pelos sons assombrados de Kevin Shields) a ler a sua obra poética em The Coral Sea, será que pode fazer sentido a noção de que se vai fazer o download de... um poema? Talvez, mas isso não impede que possamos continuar a desejar um disco como... um livro. Em todo o caso, a dificuldade de estabelecer hierarquias (e também aquilo que não ouvi), levam-me a valorizar o retorno à matéria primordial dos sons: a voz humana. E também, nem que seja pelo prazer do contraste, às arrebatadoras paisagens electrónicas (?) que nascem das experiências da alemã Antye Greie-Fuchs, aliás, AGF.
1. Patti Smith e Kevin Shields "The Coral Sea"
2. AGF "Words Are Missing"
3. Aldina Duarte "Mulheres ao Espelho"
4. Spiritualized "Songs in A & E"
5. Portishead "Third"
6. Beck "Modern Guilt"
7. The Cinematic Orchestra "Live at the Royal Albert Hall"
8. The Fireman "Electric Arguments"
9. Vampire Weekend "Vampire Weekend"
10. Amy Winehouse "Frank & Back to Black"