domingo, dezembro 28, 2008

1941 - Ano "louco" em Lisboa

Steven Spielberg chamou a um dos seus filmes 1941: Ano Louco Em Hollywood. Bom, na verdade o "ano louco em Hollywood" foi um extra entre nós acrescentado à versão portuguesa do título, uma vez que, na origem, o filme se apresentava (em 1979, ano da sua estreia), como apenas 1941... Ano louco? No filme de Spielberg, em registo de comédia, certamente. Mas a memória portuguesa cinéfila desse 1941 recorda também um ano invulgarmente "louco", porque viu a rodagem de dois títulos irresistíveis e importantes, para a história da nossa comédia. Em concreto esse foi o ano de O Pai Tirano e O Pátio das Cantigas, dois dos mais ilustres exemplos da utilização das linguagens do humor ao serviço da história do cinema português. Ano louco, pois seja. E que agora podemos revisitar em DVD, em edições que apresentam as cópias restauradas para alta definição.

O Pai Tirano, de António Lopes Ribeiro, surge no mesmo ano em que o realizador cria a sua companhia de produção. O filme, que, como recorda M. Félix Ribeiro em Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português, "ficaria a ser a primeira, em tempo, da brilhante série de comédias cinematográficas que esmaltaram os anos 40", traduzia um clima de confronto e suspeita entre os públicos do teatro e do cinema, reflexo ainda da relativa juventude da sétima arte. A história acompanha um grupo de teatro amador de funcionários dos armazéns Grandella, na baixa lisboeta, que cruzam a ficção que têm estado a ensaiar com a realidade a fim de ajudar um dos actores, Chico (interpretado por Ribeirinho, o irmão de António Lopes Ribeiro), a conquistar a Tatão, uma empregada da perfumaria em frente, mais dada aos ecrãs que aos palcos... Com um elenco em que, além de Ribeirinho, se destacavam ainda Vasco Santana, Arthur Duarte ou Graça Maria, O Pai Tirano custou à época um total de 850 contos, uma das somas mais baixas da filmografia do seu tempo.

Do mesmo ano datam os trabalhos em O Pátio das Cantigas (cuja estreia só aconteceria no Cinema Éden, já em Janeiro de 1942). Com produção de António Lopes Ribeiro, o filme é contudo realizado pelo seu irmão Francisco, mais conhecido como Ribeirinho (que interpreta um papel secundário). Divertida comédia de costumes lisboeta, feita de pequenas histórias de amores, ciúmes, dissabores e alegrias, apostou num forte naipe de actores, procurando assim garantir a sua aceitação popular. Desafio ganho, graças a contribuições de figuras como Vasco Santana, António Silva, Graça Maria, Laura Alves ou Maria da Graça, entre alguns mais, muitos deles acabados de chegar da rodagem de O Pai Tirano. O filme teve a música entre as suas preocupações, contando a banda sonora com dois inéditos de Frederico de Freitas (com letra de António Lopes Ribeiro), três novos sambas e uma canção do argentino Carlos Flores. Para a história da cultura popular portuguesa o filme deixou a frase "ó Evaristo, tens cá disto" e o inesquecível monólogo de Vasco Santana junto a um candeeiro.

Os dois filmes, que têm como denominador comum a presença de António Lopes Ribeiro, foram restaurados em alta definição para a reedição em DVD que junta documentários (entre os quais o que em 1941 o realizador apresentou sobre a Exposição do Mundo Português de 1940), depoimentos e ainda um livro com biografias, filmografias e testemunhos pessoais.
PS. Texto publicado no DN a 23 de Dezembro