sexta-feira, dezembro 31, 2010

2010: a frase do ano


Como uma espécie de lei transcendente e apócrifa, a frase surge nas caixas de mail para sinalizar a (in)actividade dos "amigos" das redes sociais [contexto na imagem de baixo].
Se, do outro lado, ninguém fez click, ninguém pôs a circular uma qualquer força virtual, então podemos ter a certeza : nada acontece... Em tempos de agressivo marketing da "personalização", não poderia haver ilustração mais eloquente do metódico esvaziamento do conceito de pessoa. Talvez que o mais chocante seja a partícula "seus" — parece que a máquina quer que eu seja tão despreocupado e feliz que até considera útil retirar-me a gestão das minhas relações com os meus amigos. Em 2011, vai ser ainda mais difícil dizer/escrever "eu".
Bom ano.

Fotogramas de 2010 (4)


* STICKY & SWEET TOUR, de Nathan Rissman e Nicola Doring

Verdade cruel dos tempos: já não nos podemos sentir apenas como o encontro instável das nossas ideias com o nosso corpo; vivemos muito (e muitas vezes vivemos mal) com as imagens que também somos, ou nos obrigam a ser. Madonna, hélas!, chegou a essa luta antes de quase todos os outros — daí o seu sempre incómodo e irónico primitivismo: se eu sou as minhas imagens, então sou que controlo a sua produção, manipulação e difusão. Como aqui se prova, é um jogo permanente de ecrãs que se multiplicam, em conjugação com a presença viva do ícone. Mais ainda: em casos como este, a memória pessoal (do teledisco de Material Girl, 1985) cruza-se com a memória mitológica (Marilyn Monroe em Os Homens Preferem as Louras, 1953), a provar que as heranças não são uma mera questão de merecimento — é preciso estar à altura das suas exigências.

[1] [2] [3]

Que salas para ver "O Mágico"? (concl.)

Ainda a propósito da estreia de O Mágico, de Sylvain Chomet, mais um dos nossos visitantes fez-nos chegar novos dados a reter. Transcrevemos uma parte do seu mail:

"(...) embora seja muito verdade que Coimbra não é das cidades portuguesas com maior oferta cultural, quanto mais cinematográfica, o filme 0 Mágico foi projectado pelo menos uma vez, aquando do Ciclo de Cinema Francês, no Teatro Académico Gil Vicente. Efectivamente, é de sublinhar a posição desta entidade académica que, no fraco panorama municipal, tenta sempre manter alguma oferta e abrangência. Foi nesta sala que filmes como Joy Division, de Grant Gee, I'm Not There e muitos outros que passaram despercebidos pelo cinema de centro-comercial, foram apresentados à cidade. Também são de notar iniciativas como a do Cineclube Fila K, ou a do Núcleo da Cidade Muralhada, ambos responsáveis pela manutenção de ciclos de cinema regulares, e com boa programação, mas sempre com rara audiência. Assim, noto que é muitas vezes uma inércia, talvez inerente ao nosso povo, ou ainda mais aos habitantes desta cidade, que alia uma falta de procura a uma parca oferta. Nestes casos, não podemos assumir-nos vítimas absolutas.

Guilherme Queiroz

Para além das naturais nuances na forma de avaliar uma situação específica (a difusão cinematográfica numa cidade como Coimbra), este é um ponto de vista complementar que ajuda a situar uma outra dimensão do problema, obviamente nacional: a das salas e circuitos "alternativos". Sem menosprezar a importância de questionarmos as dinâmicas dominantes do mercado, vale a pena recordar que 2010 foi também o ano de uma experiência inovadora do cinema português — a distribuição autónoma de Filme do Desassossego, de João Botelho —, a provar que é possível, pelo menos, contrariar algumas formas de inércia dos circuitos "tradicionais".
Agradecemos as contribuições dos nossos visitantes.

Canções do ano (15)
Robyn, Dancing On My Own


Prometeu e cumpriu. Três discos num mesmo ano, afirmando o tríptico a que deu o título Body Talk como um cativante encontro entre as linguagens da pop e as da música de dança. Robyn confirmou um estatuto em ascensão e em 2010 inscreveu várias canções na banda sonora das fundamentais do ano. Uma delas foi este Dancing On MY Own.

E para ouvir em 2011...


Se James Blake é já uma (quase) certeza para 2011, aqui deixamos cinco nomes para ter sob atenção no ano novo. Nomes que apresentaremos ao longo da próxima semana (alguns deles entretanto já revelados pela BBC na sua habitual votação de talentos em ascensão para o ano que se segue). São eles:

Jamie Woon
Anna Calvi
Nero
Warpaint
Capitães da Areia

Acontecimentos do ano:
Beatles por 'download'


Era o episódio que mais faltava para que um novo paradigma se instalasse em definitivo. Ao colocar a a música dos Beatles à venda para download, a indústria da música gravada deu um decisivo passo no sentido de um rumo que, mais ano menos ano, fará modalidade o centro das suas atenções, votando os formatos físicos (do CD ao vinl) a um espaço para melómanos.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Fotogramas de 2010 (3)


* UM HOMEM SÉRIO, de Joel e Ethan Coen

A cena desemboca na angústia paradoxal do labor cognitivo: todo o conhecimento do mundo... para quê? Raras vezes o sentido de irrisão dos Coen terá sido levado tão longe — e tanto mais quanto Um Homem Sério conserva a alegria "superficial" do burlesco. O plano geral da sala de aula é mais, muito mais que o tradicional master shot para nos situar no espaço global da cena: a figura do professor surge como um frágil astronauta no cosmos do conhecimento. E, no entanto, porque há alunos/espectadores, é preciso que haja um professor — os Coen filmam o carácter inexorável da Lei.

[1] [2]

Que salas para ver "O Mágico"?

A propósito do lançamento de O Mágico, de Sylvain Chomet, recebemos um mail de um visitante lamentando a simples dificuldade de... ver o filme. Transcrevemos algumas das suas palavras:

Já o filme Belleville Rendez-Vous me tinha impressionado e mostrado que era possível fazer cinema de animação para lá do género americano, tanto na forma de concepção como na própria história. Mas a realidade é que para eu poder ver este novo filme, sendo eu de Coimbra, terei de me deslocar a Lisboa ou ao Porto. Mesmo na cidade do Porto, o único local disponível para se poder assistir ao filme é.....em Gaia, nos cinemas UCI do Arrábida Shopping. Dá vontade de perguntar, "se os filmes não vão poder ser vistos pela maioria das pessoas, para quê fazer-lhes publicidade?".

João Cerca

A pergunta é tanto mais pertinente quanto sabemos que não se trata de um caso isolado. Dito de outro modo: cada vez mais, os agentes do mercado cinematográfico podem (e, creio, devem) reflectir sobre o que significa, realmente, lançar um filme — que público procuram e, sobretudo, que investimentos (financeiros e estratégicos) estão dispostos a fazer para encontrar esse público?

Material Glee


A série Glee envolve uma estimulante aposta na revisitação do património musical do cinema. E também na recriação de grandes referências pop — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Dezembro), com o título '"Glee" reinventa música de Madonna"'.

Pelo menos desde a década de 60, depois de filmes emblemáticos como West Side Story (1961), My Fair Lady (1964) ou Hello, Dolly! (1969), o grande espectáculo cinematográfico vive assombrado por uma angústia estética aparentemente sem solução: será possível refazer o fulgor clássico do género musical? Tentativas não têm faltado, algumas brilhantes, a maior parte mais ou menos desastradas. Em boa verdade, para além dos talentos envolvidos, falta algo de essencial: uma base de produção estável (como a que existiu nas décadas de 1940/50, em Hollywood), capaz de sustentar todas as componentes técnicas e artísticas que o musical exige.
Ao longo de 2010, a série televisiva Glee, do canal americano Fox, constituiu uma resposta insólita, paradoxal e, em muitos aspectos, fascinante. Retratando alunos e professores de um colégio em que a actividade musical é determinante, Glee possui essa consistência de produção (televisiva), ao mesmo tempo que aposta numa visão multifacetada das matérias musicais que, para além da mera “cópia”, sabe integrar muitos valores do património clássico.
Uma pequena obra-prima de Glee serve para ilustrar a sua peculiar energia: escrito e dirigido por Ryan Murphy (um dos criadores da série), o episódio nº15 da primeira temporada, intitulado “O Poder de Madonna”, consegue reinventar o património musical da Material Girl, ao mesmo tempo que celebra, com irónica precisão, a sua singular defesa da individualidade afectiva e sexual. A primeira difusão ocorreu, nos EUA, a 20 de Abril; entre nós, surgiu há poucos dias no canal Fox Life (que começará a emitir a segunda temporada no dia 9 de Janeiro).
Como seria inevitável, Glee passa por alguns dos clássicos com que Madonna transfigurou a paisagem da música pop, incluindo Like a Prayer, Express Yourself e Vogue, este recriado mesmo em formato de teledisco, citando, imagem a imagem, o original realizado por David Fincher [video em baixo: Jane Lynch comenta a rodagem].
Em todo o caso, o resultado está muito longe de uma mera colagem de hits: “O Poder de Madonna” funciona como uma câmara de eco da simbologia inerente ao universo de Madonna, a começar pela drástica interrogação dos (des)equilíbrios tradicionais entre masculino e feminino.
Somos confrontados, por exemplo, com What it Feels Like for a Girl, belíssimo hino de exaltação do feminino, agora cantado por um muito (auto)crítico coro de rapazes. Além do mais, a encenação de Like a Virgin fica para a história: Glee apresenta a canção interpretada por vários pares em exuberante actividade sexual, para acabar por revelar toda a encenação como um artifício de espectáculo cujo contraponto é uma contida ausência de sexo. Sobra o quê? O medo e a sua ironia. E convenhamos que não é todos os dias que alguém tem a honestidade moral de reconhecer que o medo do sexo é essencial para compreendermos o fulgor artístico de Madonna.

Billy Taylor (1921 - 2010)


Pianista de jazz, compositor e professor, tocou com Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Miles Davis: Billy Taylor faleceu em sua casa, em Riverdale, no Bronx — contava 89 anos.
Desde The Subject Is Jazz, série de programas da NBC iniciada em 1958, tornou-se uma figura muito popular junto dos espectadores americanos, mantendo uma presença regular na televisão, nomeadamente como líder da banda de The David Frost Show, de 1969 a 1972 — foi o primeiro negro a assumir tal papel num talk show. Colaborador da NPR (National Public Radio), manteve também um militante trabalho pedagógico, tendo fundado em 1961 a "Jazzmobile", de Nova Iorque, entidade vocacionada para o ensino do jazz. Desde 1994, era director artístico para o jazz do John F. Kennedy Center for the Performing Arts, em Washington. Formado em educação musical pela Universidade de Massachusetts, em 1975, gostava de ser tratado como "Dr. Taylor", contrariando desse modo o cliché do músico de jazz como alguém sem educação nem capacidade de expressão — era como "Dr. Taylor" que a maior parte do público o conhecia e admirava.

>>> Billy Taylor interpreta a sua mais célebre composição, I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free, com Victor Gaskin (contrabaixo) e Curtis Boyd (bateria).


>>> Obituário na NPR.
>>> Site oficial de Billy Taylor.

Canções do ano (14)
Ou Est Le Swimming Pool, The Key


Uma das revelações do ano, os Ou Est Le Swimming Pool estrearam-se com um promissor disco feito de uma pop electrónica que cruza ecos de heranças referenciais do género com marcas de contemporaneidade. The Key foi o quarto single extraído do alinhamento do álbum.

As canções de 2010


Um ano de grandes canções . É o que se pode dizer em balanço do que se escutou ao longo de 2010. Seria por isso possível fazer uma lista bem maior, onde caberiam além dos nomes abaixo representados outros como, por exemplo, os Broken Bells, Kasper Bjorke, Eels, Belle & Sebastian, Vampire Weekend, MGMT, Mark Ronson, CocoRosie, Yeasayer, Ou Est Le Swimming Pool, The Walkmen, Silver Columns, Casiokids, Hurts, Wavves, Deerhunter, Magic Kids, Kanye West, N.E.R.D., Darkstar, Patrick Wolf, John Grant ou Robyn, entre muitos mais... Mas para seguir as regras, aqui ficam as dez mais do ano. No topo da lista, um bom exemplo de uma escrita pop atenta às linguagens do presente e conhecedora dos métodos da dança.

1. Hot Chip “I Feel Better”
2. Duran Duran “Blame The Machines”
3. Gorillaz “On Melancholy Hill”
4. Twin Shadow “Tyrant Destroyed”
5. Perfume Genius “No Problem”
6. Matthew Dear “Gem”
7. Beach House “Zebra”
8. Crystal Castles “Celestica”
9. Men “Off Our Backs”
10. LCD Soundsystem “I Can Change”

Figuras do ano: James Blake


Mais que apenas uma “revelação” em 2010, James Blake é já um nome a ter em conta entre as referencias emergentes na segunda década do século XXI. Londrino com formação clássica, mostrou nos três EPs que lançou ao longo do ano uma série de ideias que cruzam pontes entre linguagens acima das barreiras dos géneros, a sua relação com o piano e com as electrónicas, o seu interesse pela canção e uma atenção sobre os espaços do silêncio talhando caminhos que assim fazem do seu álbum de estreia, agendado para Fevereiro, um dos mais aguardados de 2011.

A imagem: Helmut Newton, 1986


Mão gorda com dólares, Monte Carlo

1986

quarta-feira, dezembro 29, 2010

Fotogramas de 2010 (2)


* A DANÇA, de Frederick Wiseman

Frederick Wiseman filma o trabalho — não o conceito ou a legislação, mas a certeza de alguma transformação material. E isso é válido quando ele se interessa por um liceu, um quartel militar ou um laboratório de ciência. Ou ainda uma companhia de dança (aqui, o Ballet da Ópera de Paris). Na sua discreta presença no filme, estas mãos exprimem a verdade material de um mundo que não se rendeu às vertigens do digital, da sua prática ou da sua mitologia. Precisamos de cineastas como Wiseman para resistirmos à incessante "catalogação" do real, todos os dias promovida pela televisão — para não nos esquecermos, sobretudo, que um instante é apenas um instante, um precalço do tempo maravilhosamente enredado na sua própria redundância.

[1]

Buke and Gass: auto-didactas dos sons


A capa de Riposte, álbum de estreia dos Buke and Gass, sugere as peculiaridades dos trabalhos manuais. E não por acaso: os seus membros — ele, Aron Sanchez; ela, Arone Dyer — são também os fabricantes dos respectivos instrumentos.
São de Nova Iorque, Brooklyn. O nome da banda adopta as designações de duas das suas criações: "buke", uma espécie de bandolim que parece uma guitarra de brinquedo, e "gass", uma guitarra metálica de seis cordas. Resultado: um auto-didactismo feliz, num labirinto de muitas arestas com cordas que parecem soar como baterias, mas que conservam uma estranha rudeza folk, paradoxalmente melódica. Dir-se-ia que o resultado nasceu do cruzamento do rock gelado de The Kills com o experimentalismo sensual de Tune-Yards: agreste, vertiginoso, de uma admirável nudez poética — este é o teledisco de Page Break.


>>> Site oficial dos Buke and Gass.
>>> Buke and Gass na editora Brassland.
>>> Crítica de um concerto dos Buke and Gass no New York Times.

"O Mágico": desenhos cinéfilos


Sylvain Chomet materializa, em desenho animado, um argumento de Jacques Tati e, mais do que isso, recria o seu universo visual e temático — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 de Dezembro), com o título 'A cinefilia também se desenha'.

Escusado será lembrar que a história dos desenhos animados dos últimos vinte anos é, sobretudo, made in USA. Mais do que isso: as muitas (e, por vezes, fascinantes) transfigurações impostas pela animação digital passam, no essencial, pelos estúdios americanos, com inevitável destaque para a Pixar. Daí que O Mágico surja como um contraponto, singular e brilhante, que importa valorizar: aqui está um objecto eminentemente europeu, de produção franco-britânica, que aposta em manter uma riquíssima relação criativa com a tradição dos desenhos executados à mão.
O resultado é tanto mais tocante quanto envolve uma calorosa dimensão cinéfila. Ao filmar o argumento legado por Jacques Tati, Sylvain Chomet homenageia o criador do Sr. Hulot [foto], quanto mais não seja pela semelhança física entre a figura do ilusionista e o próprio Tati (há mesmo uma breve sequência em que o ilusionista entra numa sala de cinema onde se projecta O Meu Tio). Mas Chomet não se limita a esse gesto de reverência. Em boa verdade, O Mágico colhe na obra de Tati os seus métodos essenciais de encenação e, em particular, a exploração de cenas relativamente longas, apresentadas de um único ponto de vista.
Daí o carácter heterodoxo do trabalho de Chomet. Num tempo em que muitos filmes (incluindo desenhos animados) confundem a intensidade da acção com a “velocidade” da montagem, O Mágico vem revalorizar a nobre arte da contemplação e, mais do que isso, a sua vertiginosa velocidade afectiva.
E embora muitos aspectos do Natal, em particular do Natal cinematográfico, tenham sido derrotados pelo marketing mais desumano, há que dizer que alguns filmes ainda conseguem recuperar o espírito tradicional das festas. O Mágico é, seguramente, um desses filmes.

Canções do ano (13)
Gorillaz, On Melancholy Hill


Uma das canções do terceiro álbum dos Gorillaz deu-nos um dos melhores momentos pop do ano. On Melancholy Hill foi inclusivamente editada em single. Aqui fica o teledisco.

Os concertos de 2010

Foto: DN

POP/ROCK:

Lady Gaga
(Pavilhão Atlântico, Lisboa)
Mais que mero aparato visual, mais que apenas um desfile de canções e de criações de moda. Houve comunicação, causas, interacção com a plateia. E uma partilha das cenografias e poses com os músicos e até mesmo episódios ao piano. A Monster Ball Tour foi mesmo um dos acontecimentos do ano.

Janelle Monáe
(Teatro Tivoli, Lisboa)
Foi “o” concerto da edição deste ano do Super Bock em Stock. Com o álbum The Archandroid por pano de fundo, um percurso por vários géneros e referências numa invulgar exposição de versatilidade.

Divine Comedy
(Teatro Maria Matos, Lisboa)
Em palco apenas um piano e uma guitarra. As canções, despidas à medula da sua essência, falaram mais alto e o já conhecido sentido de humor de Neil Hannon fez o resto.

Vampire Weekend
(Campo Pequeno, Lisboa)
Um já sólido corpo de canções, apenas dois álbuns após o arranque da aventura, sustentam um concerto irresistível, no qual as qualidades de uma banda bem rodada na estrada ficaram bem claras.

Rufus Wainwright
(Aula Magna, Lisboa)
Um concerto para voz e piano, com as canções de All Days Are Nights – Songs For Lulu na primeira parte e uma série de clássicos na segunda.



CLÁSSICA:


Mitsuko Uchida + Simon Rattle
Berliner Philharmoniker
(Philharmonie, Berlim)
Um programa, em Fevereiro, com obras de Ligeti, Sibelius e Beethoven. Foi para um dos concertos para piano e orquestra deste último que ao maestro e orquestra se juntou a pianista Mitsuko Uchida.

Maria João Pires + John Eliott Gardiner
London Symphony Orchestra
(Coliseu dos Recreios, Lisboa)
Uma das mais aclamadas digressões do ano por uma das grandes orquestras mundiais levou à sala lisboeta um programa dedicado a Beethoven.

‘A Flowering Tree’, de John Adams
Joana Carneiro + cantores
Orquestra Gulbenkian
(Fundação Gulbenkian, Lisboa)
Espantosa leitura de compromisso para uma versão de concerto da mais recente ópera de John Adams, num modelo que permitiu valorizar as qualidades narrativas da música.

Ambrose Field + John Potter
(Teatro Maria Matos)
O ponto de partida era a música do álbum Being Dufay, de 2009, que estabelecia pontes entre a música antiga e texturas electrónicas do presente. Actuação minimalista nos recursos, mas plena de sentidos.

Lawrence Foster
Orquestra Gulbenkian
(Fundação Gulbenkian)
Num programa logo no início do ano destacava-se a Sinfonia Nº 1- Jeremiah, de Leonard Bernstein.O viço na direcção de Foster deu-nos uma leitura daqueles que mereciam disco. O programa incluía ainda obras de Tilson Thomas e Mahler.

Acontecimentos do ano:
Óperas do Met em HD


Uma das grandes novidades da temporada de música 2010/2011 da Gulbenkian assinalou a entrada de Lisboa no circuito de cidades (e são já mais de 40) que, pelo mundo fora, assistem às óperas do Met, em Nova Iorque, em transmissões em directo em alta definição. A programação abriu com um soberbo Ouro do Reno.

Em tempo de outras tradições


Este texto foi publicado na edição de 27 de Dezembro do DN com o título “E para o próximo ano haja mais um Natal com os Pop Dell'Arte”

Porque as tradições não têm de ser exactamente o que eram, a noite de Natal lisboeta começa a conhecer novas... tradições. Se o Legendary Tiger Man já ganhou lugar cativo na ZDB, os Pop Dell'Arte começam a conhecer semelhante estatuto no palco do Maxime. E, na noite de sábado, foi o próprio João Peste, vocalista do grupo, quem deixou já levantado o véu de eventuais cenas dos próximos capítulos para a agenda natalícia daquela sala (hoje vibrante e revitalizada) em Dezembro de 2011. E tal como ele o disse, também nós, que os vimos, deixamos já o desejo bem claro. E queremos estar ali, novamente, daqui a um ano, para ver e ouvir os Pop dell'Arte.

Mas este foi um concerto de Natal diferente para o grupo (que é um dos mais sólidos casos de veterania nascidos do panorama alternativo do Portugal dos oitentas). Em 2010, e após um hiato de 15 anos (pelo caminho apenas interrompido por um EP e um best of), os Pop Dell'Arte voltaram a editar um álbum de originais. E se o alinhamento do concerto percorreu várias etapas de uma obra que remonta a meados de 80, as canções de Contra Mundum representaram um espaço de justificado protagonismo, abrindo a noite inclusivamente ao som de Ritual Transdisco e My Rat Ta Ta, precisamente as faixas que abrem o novo álbum lançado este ano.

O disco de 2010, no qual o grupo cruza elementos de uma linguagem muito pessoal com ecos de sinais dos tempos que hoje vivemos não foi todavia a única "estrela" da noite, acabando de certa forma por partilhar algumas atenções com temas do histórico Free Pop, álbum de 1987 (o primeiro da discografia dos Pop Dell'Arte) que, anunciou João Peste em palco, será reeditado em Janeiro de 2011. Canções como Rio Line, Avanti Marinaio ou Turin Welisa Strada, que fazem parte da história da génese de uma ideia de música "alternativa" no Portugal de meados dos oitentas, não exibem sinais maiores de envelhecimento 23 anos depois do momento em que chegaram a disco pela primeira vez. De resto, pela conquista de um idioma particular, os Pop Dell'Arte cedo demarcaram um espaço de identidade que cruza tempos, línguas e formas, o mash up que resulta do alinhamento de um concerto acabando por reflectir essa mesma força que ainda hoje os distingue dos demais nomes da música (moderna) portuguesa.

Houve espaço para memórias. Para ouvir Sonhos Pop, My Funny Ana Lana ou Querelle. Houve uma versão de um clássico dos T-Rex. Houve um clima informal. Houve casa cheia. E para o ano muitos dos presentes ali certamente regressarão.

terça-feira, dezembro 28, 2010

Fotogramas de 2010 (1)


* IRÈNE, de Alain Cavalier

O cinema como janela aberta para o mundo. O filme como espelho do seu realizador. Num momento cristalino, Alain Cavalier relança dois mitos fundadores do imaginário cinematográfico do século XX, com um desvio que está longe de ser banal: a sua câmara digital. Em boa verdade, o seu gesto aceita coexistir com um terceiro mito, pós-moderno e televisivo: o "amador" com a sua câmara, redesenhando a paisagem da sua própria identidade. É uma coexistência perversa, porque em tudo e por tudo alheia à pornografia televisiva: não se trata de fazer "apanhados" nem de promover patéticos "desnudamentos" do corpo ou da alma, mas de voltar a sentir como o cinema se aproxima do desejo e da morte. Bataille sente-se por aqui — como num espelho.

Bo Derek, aliás, José Mourinho


As ideias de José Mourinho são inteligentes e, por isso mesmo, merecem ser discutidas. Isto, claro, se discutirmos o que ele diz, não o que se imagina que ele poderá ter dito... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Dezembro), com o título '"11" numa escala de "10"'.

O futebol espanhol tem um problema grave na péssima qualidade média dos seus árbitros. O exemplo recente do Real Madrid – Sevilha [19 Dez.] é esclarecedor: há muito que não se via uma arbitragem tão medíocre. Que tenha sistematicamente prejudicado o Real, é apenas um pormenor: o árbitro conseguiu destruir qualquer hipótese de espectáculo.
Julgava eu que os protestos de José Mourinho no final do jogo quase passassem despercebidos. Esperei que, por uma vez, se abordasse a arbitragem de forma construtiva, repelindo qualquer forma de clubismo. Mas não: afinal, o “mau da fita” era o próprio Mourinho... Surpresa? Nenhuma. As suas ideias não são intocáveis mas, em termos mediáticos, muitos tratam-no apenas como um alvo disponível.
Poucos dias antes, tinha sido pedido a Mourinho que se classificasse numa escala de zero a dez. Resposta: “11”. Curiosamente, ninguém faz estas perguntas patéticas a outros treinadores... Ainda assim, esperei que, ao menos, o mundo do futebol detectasse a memória irónica de uma cena do filme Uma Mulher de Sonho (1979), quando é pedido a Dudley Moore que classifique a beleza de Bo Derek numa escala de zero a dez. Resposta: “11”. Que tristeza: já não há sentido de humor no mundo do futebol e, pelos vistos, a cinefilia também anda muito por baixo.

Um mundo com WikiLeaks (7)


JEFF DARCY: cartoon de The Plain Dealer / Cleveland

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1. No nosso mundo hiper-inflacionado de "informações" e "canais de informação", o WikiLeaks veio repor, não exactamente o problema filosófico da verdade, mas as atribulações dramáticas do efeito de verdade.

2. Quer isto dizer que, ao tentarmos pensar e compreender a linguagem do WikiLeaks, é acessório o facto de as suas "revelações" servirem para sustentar um discurso "pró-América" (porque o trabalho da diplomacia dos EUA estaria ameaçado) ou "anti-América" (porque os EUA teriam mentido ao mundo e, em particular, aos seus aliados) — trata-se de saber que acontece e, sobretudo, como acontece quando uma linguagem recobre o real e o hierarquiza em função de uma dicotomia "verdade/mentira".

3. Temos assistido, assim, a um frequente efeito exponencial: as informações divulgadas são automaticamente tratadas como um juízo de valor político, mesmo quando a sua "verdade" era mais ou menos implícita, para não dizer banalmente conhecida.

4. Na prática, isto significa que a própria informação surge desvirtuada, expurgada de qualquer discurso ou contexto, para ser reduzida a um pueril efeito de verdade — porque era informação, e porque estava oculta, a sua exposição pública só pode ser concebida como um passe mágico de verdade, e em direcção à verdade.

5. Num mundo de tantas e tão gratuitas formas de "personalização", este imaginário da verdade implica um esvaziamento mais do indivíduo e da sua possibilidade de pensar: "sou informado, logo existo" — eis o lema infantil de quase todas as zonas do nosso espaço mediático. Escusado será acrescentar que o próprio jornalismo passa a ser convocado para funcionar como um mero torniquete de informações, sem recuo, sem pensamento. E sempre contra algo ou alguém — porque este é um imaginário sem capacidade de confronto, apenas indutor de conflito.

Canções do ano (12)
Darkstar, Gold


Inicialmente um lado B dos Human League, Gold surgiu em 2010 numa belíssima versão assinada pelos Darkstar e que integrou o alinhamento do seu muito recomendável álbum North.

Reedições de 2010


A memória (a sua redescoberta, entenda-se) fez parte das atenções da agenda editorial de 2010 muitos foram os casos de reedições a ganhar grande visibilidade mediática. As grandes apostas neste campo não se limitam contudo mais a uma cosmética no som, com a inevitável remasterização em função do state of the art tecnológico do nosso tempo. Station To Station de Bowie é um bom exemplo da integração de vinil e CD, do disco original e de elementos adicionais (neste caso um concerto da época), somando ainda informação escrita e imagens à oferta final. Do lado de cá da fronteira celebre-se a reedição da obra do GAC. E em Com que Voz, de Amália, assinale-se um patamar de excelência que deverá servir de paradigma para futuras operações do género.

1. David Bowie “Station To Station”
2. Amália Rodrigues “Com Que Voz”
3. Rolling Stones “Exile On Main Street”
4. Arcadia “So Red The Rose”
5. Nick Cave & The Bad Seeds “The Good Son”
6. GAC “Pois Canté!”
7. Riechmann “Wunderbar”
8. Propaganda “A Secret Wish”
9. Wings “Band On The Run”
10. Galaxie 500 “This Is Our Music”

Figuras do ano: Lady Gaga


Em recta final da Monster Ball Tour (que recentemente passou por Lisboa), Lady Gaga conclui um ciclo iniciado com a edição do seu álbum de estreia e que, em dois anos, de si fez um caso de popularidade planetária. Como deixou claro na actuação lisboeta, nem só de música, imagens e criações de moda vive a sua agenda, uma clara política de causas não tendo nunca deixado de a acompanhar. Sobretudo na luta pelos direitos da comunidade LGBT e pela expressão da identidade de cada um.

Bernard-Pierre Donnadieu (1949 - 2010)


Actor secundário francês de presença intensa e versátil, Bernard-Pierre Donnadieu faleceu no dia 27 de Dezembro, em Versalhes, vítima de cancro no pulmão.
Formado em teatro e cinema na Sorbonne Nouvelle, em Paris, começou a sua carreira em meados dos anos 70, com pequenos papéis, tendo sido dirigido, entre outros, por Roman Polanski (O Inquilino, 1976), Joseph Losey (Monsieur Klein, 1976) e Patrice Chéreau (Judith Therpauve, 1978). O seu confronto com Jean-Paul Belmondo, em O Profissional (1981), de Georges Lautner, tornou-o popular junto dos espectadores franceses, a partir daí sendo frequentemente convocado para papéis de "duro", sobretudo em telefilmes e séries policiais. Rue Barbare (1984), de Gilles Béhat, valeu-lhe uma nomeação para o César de melhor actor secundário. Faubourg 36 (2008), de Christophe Barratier, foi o seu derradeiro trabalho.

>>> Obituário no jornal Libération.

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Magnum: um livro, 365 imagens


Um gelado caído no asfalto na zona de Geraldton, na Highway One, na zona ocidental da Austrália — obtida por Trent Parke, em 2006, a fotografia serve de capa a uma nova edição da Magnum: chama-se A Year in Photography e, através de 365 imagens icónicas, propõe uma fascinante viagem pelo património da agência. Para ver e contemplar, lentamente. Mais três exemplos.

HERBERT LIST
Itália - Liguria, Portofino, 1936

THOMAS HOEPKER
Japão, 1997

ALESSANDRA SANGUINETTI
Argentina - Buenos Aires, Belinda com Rosita, 1998

Teena Marie (1956 - 2010)


Em 2009, numa entrevista a propósito daquele que seria o deu derradeiro álbum, Black Cool, disse à revista Essence que se considerava como "uma artista negra de pele branca" — cantora, compositora e produtora de Rhythm & Blues, Teena Marie foi encontrada morta, a 26 de Dezembro, na sua casa de Pasadena.
Criada em Oakwood, California, numa zona particularmente marcada pela cultura afro-americana, Teena Marie — de seu nome verdadeiro Mary Christine Brockert — foi a primeira artista branca a assinar um contrato de edição com a Motown, em 1979: com a respectiva chancela, lançou alguns dos seus álbuns marcantes, incluindo Lady T e Irons in the Fire, ambos de 1980. Acabou por deixar, litigiosamente, a Motown, passando para a Epic; nos últimos anos, foi representada pela Stax. Lovergirl [video de 1985], Square Biz e Fire and Desire (em dueto com o seu mentor Rick James) são alguns dos exemplos mais populares de um estilo tão enérgico quanto inconfundível. Os recentes espectáculos no Las Vegas Hilton acabariam por ser os derradeiros da sua carreira.


>>> Obituário na revista Essence.

Paulo Bento: o homem (aliás, o ordenado) do ano


1. Em 2010, Paulo Bento assumiu o cargo de seleccionador nacional de futebol, recebendo um ordenado de cerca de 64 mil euros/mês.

2. O país não tremeu. Afinal de contas, o antecessor de Paulo Bento, Carlos Queiroz, recebia cerca de 114 mil euros por mês (um pouco mais do que aquilo que Cavaco Silva recebe num ano) e também não foi isso que alimentou a cultura dominante de infinitos debates sobre a "crise".

3. Sou dos que pensam que não faz sentido "culpar" Paulo Bento por um ordenado afinal mediano no universo do futebol — além do mais, mesmo não esquecendo as muitas desigualdades sociais do país, está por provar que a mera redução de ordenados (inclusive dos políticos, de um modo geral muitíssimo mal pagos) acrescente qualquer pingo de solução a tais desigualdades.

4. O que se regista é o facto de, na cena política e no espaço jornalístico, continuarmos a sofrer os efeitos de uma mentalidade de permanente purificação de usos e costumes, ao mesmo tempo que, entre os arautos do Bem, ninguém sugere uma discreta hipótese de reflexão sobre o lugar do futebol no imaginário social. Aliás, para os respectivos discursos, há dois temas que continuaram a não se discutir: o papel do futebol na identidade colectiva e o poder da televisão como normalizador cultural.

5. Que Paulo Bento consiga levar a selecção ao Euro 2012, são os meus votos. Atribuir-lhe o epíteto de homem do ano parece-me, ainda assim, prematuro — seja como for, o ordenado do ano foi dele. Parabéns.

Canções do ano (11)
Perfume Genius, No Problem


Uma das revelações do ano, o projecto Perfume Genius apresentou ao mundo indie a voz e o talento raro de Mike Hadreas. O seu álbum de estreia, Learning, é um dos grandes discos do ano, propondo canções de incrível fragilidade. Este é um dos temas do álbum e tem por título No Problem.

Revelações de 2010


Entre os que entraram em cena em 2010 (ou aqueles que, já antes com vida activa, só este ano captaram as devidas atenções), destacam-se uma mão cheia de figuras, entre absolutos estreantes e novos projectos de gente já experiente (como o são, por exemplo, o ex-Czars John Grant ou a dupla James Mercer e Danger Mouse, entretanto reunida sob a designação comum Broken Bells). A “revelação” do ano, apresentada numa sucessão de três belíssimos EPs e um single (e anunciando a edição de um álbum de estreia para inícios de 2011, colocou em cena, e já com merecido destaque, a figura de James Blake. Londrino, com formação clássica, revela um interesse pelas electrónicas e por uma muito pessoal assimilação de ecos de escolas da chamada música de dança. É um nome a seguir com toda a atenção em 2011.

1. James Blake
2. Perfume Genius
3. Twin Shadow
4. Broken Bells
5. John Grant
6. Ou Est Le Swimming Pool
7. Hurts
8. Verão Azul
9. Silver Columns
10. Casiokids

Acontecimentos do ano:
Nasa revela novas formas de vida


Com um raro aparato (e lançando desde logo expectativas) sobre uma descoberta que se sabia ser do campo da exobiologia, a Nasa revelou, já na recta final do ano, a descoberta de um novo tipo de bactérias encontradas no Lago Mono, na Califórnia, com um metabolismo à base de arsénico (o que até aqui se julgava impossível em função dos mecanismos biológicos conhecidos). A revelação permite sobretudo um alargar do leque de hipóteses para a busca de vida extra-terrestre...

domingo, dezembro 26, 2010

"The Walking Dead": zombies na televisão


Concluída a primeira temporada de The Walking Dead, a série parece poder sustentar um curioso revivalismo da tradição cinematográfica dos zombies — este texto integra parte de uma crónica de televisão publicada no Diário de Notícias (24 de Dezembro).

O canal Fox Life passou os seis episódios de The Walking Dead, série concebida por Frank Darabont a partir de uma banda desenhada de Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard (está em marcha uma segunda temporada). É mais um curioso exemplo de apropriação de uma referência cinematográfica, o género de terror, desta vez a partir de uma das suas variantes mais bizarras, o filme de zombies. A série possui uma sofisticação técnica invulgar, em particular na caracterização dos “mortos-vivos”, superior a muitos exemplos do próprio cinema. Ainda assim, a sua eficácia não depende de qualquer ostentação técnica, mas sim da metódica exploração de sugestões eminentemente familiares.
Tal como em alguns filmes de Darabont, em particular o brilhante The Mist/Nevoeiro Misterioso (2007), o apocalipse revela-se no contraste entre a devastação dos cenários e o dramático intimismo em que descobrimos as personagens. Mais do que isso: há em The Walking Dead uma “lentidão” da narrativa, perturbante e mobilizadora, que contrasta com as facilidades de muito cinema contemporâneo (de terror ou não) que confunde a “velocidade” da montagem com a gestação de verdadeiras emoções. Se está aqui o princípio de um revival consistente, capaz de resistir às próprias rotinas impostas pelo modelo televisivo, eis o que valerá a pena avaliar com a segunda temporada (prevista para Outubro de 2011).

Bud Greenspan (1926 - 2010)


Foi durante várias décadas um dos nomes de referência do documentarismo desportivo nos EUA — atingido há alguns anos pela doença de Parkinson, Bud Greenspan morreu aos 84 anos, no dia de Natal, em Nova Iorque.
A sua ligação com o desporto começou, em 1947, na rádio WMGM (actual WEPN, 1050 ESPN New York), colaborando depois em várias revistas desportivas. Após algumas experiências pontuais, iniciou em 1964 uma actividade regular como realizador: foi nesse ano que rodou Jesse Owens Returns to Berlim (acompanhando Owens de regresso aos cenários dos Jogos Olímpicos de 1936). Em 1967, criou a sua própria companhia, Cappy Productions, Inc.,através da qual produziu mais de duas dezenas de títulos, com particular incidência nas actividades olímpicas — por exemplo, 16 Days of Glory/Los Angeles (1984), Mark Spitz Returns yo Munich (1992), America's Greatest Olympians (1996), Bud Greenspan's Stories of Winter Olympic Glory (2002) e, por fim, Beijing 2008 America's Olympic Glory (2009). Entre as muitas distinções que recebeu, incluem-se um prémio honorário da Directors Guild of America, em 1995, e um outro, um Emmy de 2006, atribuído pela Academia de Artes e Ciências da Televisão.

>>> Do filme sobre os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, eis os momentos que registam a vitória de Carl Lewis na corrida de 100 metros.

Manuel Ivo Cruz (1935 - 2010)


Figura marcante do espaço musical português, especialmente conhecido do grande público pelos programas da RTP em que participou, Manuel Ivo Cruz faleceu no Hospital de Santo António, no Porto — contava 75 anos.
Natural de Lisboa, filho do maestro Ivo Cruz (1901-1985), era formado em Ciências Histórico-Filosóficas, tendo dado o seu primeiro concerto, ainda estudante, em 1954. Formou-se com distinção, como maestro, na Áustria, na Academia de Mozart da Universidade de Salzburgo. Entre outras funções, desempenhou os cargos de director musical e chefe da Orquestra Filarmónica de Lisboa e maestro-director do Teatro Nacional de São Carlos. Fundou e dirigiu os Cursos Internacionais da Costa do Estoril. Como maestro convidado, dirigiu concertos e óperas em Espanha, Alemanha, França, Grécia, Itália, Brasil, EUA, Rússia e Venezuela. Foi agraciado com a condecoração de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2004, nas comemorações de meio século de carreira artística, a Câmara Municipal do Porto distinguiu-o com a Medalha Municipal de Mérito.

Uma ópera para a televisão


Um clássico em tempo de Natal. Criada em inícios dos anos 50, a ópera Amahl and The Night Visitors, de Gian Carlo Menotti, está disponível em recente edição pela Naxos, numa gravação com a Nashville Symphony Orchestra.

Foi, na origem, uma ópera criada para a televisão. Na verdade, Amahl and the Night Visitors foi mesmo a primeira ópera criada para ser especificamente estreada e apresentada como um programa de televisão. Com ponto de partida encontrado na contemplação de uma Adoração dos Magos, de Bosch, no Metropolitan Museum of Art, o compositor italo-americano Gian Carlo Menotti (1911-2007) criou uma narrativa que adaptou a uma ideia musical dramática em apenas um acto. Cantada em inglês (e claramente dirigida a um grande público), a ópera teve estreia na programação de Natal da NBC, a 24 de Dezembro de 1951. O sucesso da transmissão levou à sua reposição nos anos seguintes, transformando Amahl and the Night Visitors no primeiro especial natalício televisivo regular da televisão americana, repetindo todos os anos, na noite de Natal, na NBC, até 1966. Com o tempo foi surgindo em outros canais e outros países, consolidando a sua presença enquanto referência musical da quadra natalícia. Com “ingredientes” acessíveis, Amahl and The Night Visitors traduz uma linguagem musical atenta ao pragmatismo exigido por uma ideia narrativa, apresentando mesmo algumas marcas de relacionamento com a música dramática do seu tempo. As linhas vocais são simples e claras, permitindo o acompanhar da evolução da narrativa. As cores orquestrais conciliam os ambientes característicos da quadra com uma luminosidade optimista. A edição da Naxos junta um seguro elenco vocal a uma boa performance orquestral. E acrescenta a Amahl and The Night Visions a peça orquestral e vocal My Chrtistmas, também de Menotti, de 1987.

Pop com máquina de calcular

Discografia Kraftwerk - 24
'Pocket Calculator' (single), 1981



Single extraído do alinhamento do álbum de 1981 Computer World, Pocket Calculator afirmou-se rapidamente como mais um “clássico” na obra dos Kraftwerk. Em palco grupo apresentava a canção com recurso a calculadoras de bolso, usando os seus sons. Pocket Calculator teve edição em várias línguas para mercados distintos, apresentada como Taschenrechner na Alememanha ou Mini Calculateur em França. O lado B do single incluía uma versão em japonês, sob o título Dentaku.




Imagens de uma actuação na televisão alemã em 1981, ao som da versão local do tema. Ou seja, de Taschenrechner.

E agora em versão de câmara...


Ciclo Carl Orff - 7
‘Carmina Burana (Versão de câmara)' (1937)

Lena Nordin, Hans Dornbusch e Peter Mattei

Dir. Cecilia Rydinger Alin

BIS Recordings


Uma versão de câmara da cantata cénica criada por Carl Orff em finais dos anos 30 foi entretanto criada para interpretação com um ensemble significativamente reduzido de músicos, mantendo todavia a mesma expressão do corpo de vozes entre solistas e coro. Carmina Burana, nesta versão de câmara, usa apenas o trabalho de dois pianistas e um grupo de percussões além das vozes.
A capa acima apresentada acompanha uma gravação captada em 1995 em Uppsala, na Suécia e entretanto editada pela BIS. Dois coros e o Kroumata Percussion Ensemble, assim como os pianistas Roland Pöntinen e Love Derwinger são dirigiodos por Cecilia Rydinger Alin. Como solistas apresentam-se Lena Nordin (soprano), Hans Dornbusch (tenor) e Peter Mattei (barítono).