Gerry e Kate McCann / FOTO DN
A rede de "revelações" do WikiLeaks estendeu-se, agora, ao caso McCann. Subitamente, o texto de um telegrama de 2007 (do embaixador inglês em Lisboa para o seu homólogo americano) relança todo o circo de especulações mediáticas sobre a "inocência/culpa" de Kate e Gerry McCann — não por acaso, ilustrando a sua mais básica lógica de reflexos condicionados, a Net volta a estar cheia de cidadãos que acham por bem ocupar o espaço virtual e apresentar, ora como juízes encartados, ora como heróis vingadores, as suas "certezas".
O episódio possui um valor altamente sintomático que talvez possa ajudar a relativizar um pouco as convulsões que o WikiLeaks tem provocado em torno de questões mais especificamente políticas ou geo-estratégicas. De facto, o que está em causa não é a situação particular do casal McCann, mas sim a dinâmica social que, em todos os casos, o WikiLeaks coloca em marcha. A saber: a percepção e aferição de qualquer actividade humana passa a depender daquilo que foi posto a circular... É sobre isso, e a partir disso, que importa recolocar a questão da nossa relação com aquilo que, mal ou bem, insistimos em continuar a designar como os factos.
Será que chegámos a um ponto em que rejeitamos a pluralidade imensa da enunciação desses factos, "encomendando-a" a uma entidade única de nome WikiLeaks? Se assim for, o nosso viver social cedo se resumirá a uma única prática: não ver, não ouvir, não pensar e... aguardar o próximo leak.