quarta-feira, dezembro 29, 2010

Em tempo de outras tradições


Este texto foi publicado na edição de 27 de Dezembro do DN com o título “E para o próximo ano haja mais um Natal com os Pop Dell'Arte”

Porque as tradições não têm de ser exactamente o que eram, a noite de Natal lisboeta começa a conhecer novas... tradições. Se o Legendary Tiger Man já ganhou lugar cativo na ZDB, os Pop Dell'Arte começam a conhecer semelhante estatuto no palco do Maxime. E, na noite de sábado, foi o próprio João Peste, vocalista do grupo, quem deixou já levantado o véu de eventuais cenas dos próximos capítulos para a agenda natalícia daquela sala (hoje vibrante e revitalizada) em Dezembro de 2011. E tal como ele o disse, também nós, que os vimos, deixamos já o desejo bem claro. E queremos estar ali, novamente, daqui a um ano, para ver e ouvir os Pop dell'Arte.

Mas este foi um concerto de Natal diferente para o grupo (que é um dos mais sólidos casos de veterania nascidos do panorama alternativo do Portugal dos oitentas). Em 2010, e após um hiato de 15 anos (pelo caminho apenas interrompido por um EP e um best of), os Pop Dell'Arte voltaram a editar um álbum de originais. E se o alinhamento do concerto percorreu várias etapas de uma obra que remonta a meados de 80, as canções de Contra Mundum representaram um espaço de justificado protagonismo, abrindo a noite inclusivamente ao som de Ritual Transdisco e My Rat Ta Ta, precisamente as faixas que abrem o novo álbum lançado este ano.

O disco de 2010, no qual o grupo cruza elementos de uma linguagem muito pessoal com ecos de sinais dos tempos que hoje vivemos não foi todavia a única "estrela" da noite, acabando de certa forma por partilhar algumas atenções com temas do histórico Free Pop, álbum de 1987 (o primeiro da discografia dos Pop Dell'Arte) que, anunciou João Peste em palco, será reeditado em Janeiro de 2011. Canções como Rio Line, Avanti Marinaio ou Turin Welisa Strada, que fazem parte da história da génese de uma ideia de música "alternativa" no Portugal de meados dos oitentas, não exibem sinais maiores de envelhecimento 23 anos depois do momento em que chegaram a disco pela primeira vez. De resto, pela conquista de um idioma particular, os Pop Dell'Arte cedo demarcaram um espaço de identidade que cruza tempos, línguas e formas, o mash up que resulta do alinhamento de um concerto acabando por reflectir essa mesma força que ainda hoje os distingue dos demais nomes da música (moderna) portuguesa.

Houve espaço para memórias. Para ouvir Sonhos Pop, My Funny Ana Lana ou Querelle. Houve uma versão de um clássico dos T-Rex. Houve um clima informal. Houve casa cheia. E para o ano muitos dos presentes ali certamente regressarão.