quarta-feira, dezembro 15, 2010

Um mundo com WikiLeaks (3)

JACKSON POLLOCK
Number 8 [detalhe]
1949 

[1] [2]

* Anti-americanismo. Não é possível compreender o funcionamento simbólico do WikiLeaks sem ter em conta que a sua simples existência encontra automático apoio num anti-americanismo primário. Precisamente porque é primário — e com fortíssimo enraizamento em diversos sectores da política e do jornalismo —, o seu aparato ideológico não reconhece nos EUA outra coisa que não seja a expressão automática de um mal sem remissão possível.
* Que história(s)? Para tal visão, no seu ódio cego, a "América" é uma entidade global, una e indivisível, sem arestas nem contradições. Assistimos todos os dias à redução de mais de 200 anos da história de um país a esse anedotário de medíocre banda desenhada. Abraham Lincoln? John Ford? William Faulkner? Jackson Pollock? Bob Dylan? Esqueçam. Mais de 200 milhões de habitantes marcados por infinitas diferenças e contradições? Esqueçam. É a "América"... Na prática, não foi a administração Bush que mentiu sobre as condições históricas em que ocorria a invasão militar no Iraque... foi a "América". Em tempos recentes, a inanidade argumentativa vai ao ponto de ignorar o simples facto de muitas das mais exigentes e elaboradas reflexões sobre a história recente do Iraque serem indissociáveis do pensamento americano (apenas um exemplo: o livro A Vida Imperial na Cidade Esmeralda, de Rajiv Chandrasekaran, e também o filme, Green Zone, nele inspirado).
* Informação/inteligência. A ideologia libertária que reconhece no WikiLeaks a expressão de um radioso progresso informativo é também a mesma que se empenha, todos os dias, em reduzir a imensidão da informação histórica a um catecismo moralista onde nada mais existe a não ser o mal absolutamente maligno (pré-identificado como um destino) e o bem absolutamente redentor (embora nunca explicitado). Para tal ideologia, fazer história é, antes do mais, praticar um exorcismo que nos liberte da convivência perniciosa com a "América".
* O cidadão. Que lugar se atribui, então, ao cidadão? Apenas o de escolher um dos dois lados de um obsceno maniqueísmo. Que valor se atribui, assim, à inteligência do cidadão?