1. No nosso mundo hiper-inflacionado de "informações" e "canais de informação", o WikiLeaks veio repor, não exactamente o problema filosófico da verdade, mas as atribulações dramáticas do efeito de verdade.
2. Quer isto dizer que, ao tentarmos pensar e compreender a linguagem do WikiLeaks, é acessório o facto de as suas "revelações" servirem para sustentar um discurso "pró-América" (porque o trabalho da diplomacia dos EUA estaria ameaçado) ou "anti-América" (porque os EUA teriam mentido ao mundo e, em particular, aos seus aliados) — trata-se de saber que acontece e, sobretudo, como acontece quando uma linguagem recobre o real e o hierarquiza em função de uma dicotomia "verdade/mentira".
3. Temos assistido, assim, a um frequente efeito exponencial: as informações divulgadas são automaticamente tratadas como um juízo de valor político, mesmo quando a sua "verdade" era mais ou menos implícita, para não dizer banalmente conhecida.
4. Na prática, isto significa que a própria informação surge desvirtuada, expurgada de qualquer discurso ou contexto, para ser reduzida a um pueril efeito de verdade — porque era informação, e porque estava oculta, a sua exposição pública só pode ser concebida como um passe mágico de verdade, e em direcção à verdade.
5. Num mundo de tantas e tão gratuitas formas de "personalização", este imaginário da verdade implica um esvaziamento mais do indivíduo e da sua possibilidade de pensar: "sou informado, logo existo" — eis o lema infantil de quase todas as zonas do nosso espaço mediático. Escusado será acrescentar que o próprio jornalismo passa a ser convocado para funcionar como um mero torniquete de informações, sem recuo, sem pensamento. E sempre contra algo ou alguém — porque este é um imaginário sem capacidade de confronto, apenas indutor de conflito.