1. Em 2010, Paulo Bento assumiu o cargo de seleccionador nacional de futebol, recebendo um ordenado de cerca de 64 mil euros/mês.
2. O país não tremeu. Afinal de contas, o antecessor de Paulo Bento, Carlos Queiroz, recebia cerca de 114 mil euros por mês (um pouco mais do que aquilo que Cavaco Silva recebe num ano) e também não foi isso que alimentou a cultura dominante de infinitos debates sobre a "crise".
3. Sou dos que pensam que não faz sentido "culpar" Paulo Bento por um ordenado afinal mediano no universo do futebol — além do mais, mesmo não esquecendo as muitas desigualdades sociais do país, está por provar que a mera redução de ordenados (inclusive dos políticos, de um modo geral muitíssimo mal pagos) acrescente qualquer pingo de solução a tais desigualdades.
4. O que se regista é o facto de, na cena política e no espaço jornalístico, continuarmos a sofrer os efeitos de uma mentalidade de permanente purificação de usos e costumes, ao mesmo tempo que, entre os arautos do Bem, ninguém sugere uma discreta hipótese de reflexão sobre o lugar do futebol no imaginário social. Aliás, para os respectivos discursos, há dois temas que continuaram a não se discutir: o papel do futebol na identidade colectiva e o poder da televisão como normalizador cultural.
5. Que Paulo Bento consiga levar a selecção ao Euro 2012, são os meus votos. Atribuir-lhe o epíteto de homem do ano parece-me, ainda assim, prematuro — seja como for, o ordenado do ano foi dele. Parabéns.