segunda-feira, novembro 30, 2009

Madonna em 47 telediscos (10)

O DVD Celebration: The Video Collection revisita a música de Madonna através de 47 dos seus telediscos — são outros tantos momentos de uma história, de facto, audiovisual. [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9]

TRUE BLUE (1986)
Real.: James Foley


Terceiro teledisco consecutivo sob a direcção de James Foley, segundo fotografado por Michael Ballhaus. Num certo sentido, é um dos mais cinéfilos de toda a carreira de Madonna. Tal como em Material Girl, a referência ao espaço dos grandes estúdios é directa e festiva. Desta vez, porém, não se trata de citar nenhuma referência concreta, antes de criar uma coreografia sob o signo da cor azul — com três companhias femininas, incluindo Debi Mazar, que também participara no anterior Papa Don't Preach — que evoca a tradição dos musicais dos anos 50 e, mais do que isso, a iconografia popular da época: do carro (um Ford Thunderbird, de 1956, com matrícula 'Tru Blu'), ao balcão do diner (incluindo um grande relógio de vidro), tudo remete para um visual típico dos primórdios do rock'n'roll. Acentuando o tom lúdico das citações, começa e acaba com um grande plano de Madonna, sorrindo e piscando o olho para a câmara.

Gilles Carle (1929 - 2009)

FOTO Pierre Dury

Nascido em Maniwaki, Québec, a 31 de Julho de 1929, Gilles Carles foi um nome de referência do moderno cinema canadiano — faleceu a 28 de Novembro, na sequência de um ataque cardíaco e depois de vários anos de crescente dependência da doença de Parkinson. A sua obra oscila do documentarismo à ficção romanesca. La Vraie Nature de Bernadette (1972), uma crónica social com uma dimensão de fábula política, foi o título que o projecto internacionalmente. Entre os seus filmes mais conhecidos incluem-se La Tête de Normande St-Onge (1975) e Les Plouffe (1981). Obteve várias distinções em certames internacionais, incluindo uma Palma de Ouro (curtas-metragens) para 50 Ans, no Festival de Cannes de 1989.

>>> Obituário no Yahoo!/Canadá.

Para tirar dúvidas

Chamam-se Delphic, são de Manchester (Reino Unido) e deles já aqui escutámos o single anterior. O trio prepara-se para editar em Janeiro o seu álbum de estreia (que terá por título Acolyte). Como cartão de visita aqui fica o teledisco que acompanha o novo single, Doubt.

Late Of The Pier de regresso

Os Late Of The Pier estão de regresso, anunciando para Dezembro o lançamento de um novo single, Blueberry. A canção terá edição digital, só devendo surgir em vinil em 2010. O single é lançado pela Phantasy, a editora de Erol Aljkan, que assina novamente a produção para este grupo inglês.

História de violência

Foi um dos melhores filmes a passar este ano pelas salas portuguesas. Histórias de Caçadeira, de Jeff Nichols, tem agora edição em DVD.

América profunda (em concreto o Arkansas rural), algures no nosso tempo. Com o ritmo lento, mais feita de olhares, gestos e factos que de grandes diálogos, esta é a história assombrada de uma relação de ódio entre irmãos. Na verdade, filhos do mesmo pai, três de um primeiro casamento destruído, a mãe, depois de separada, neles tendo depositado as sementes do ressentimento. Sementes que germinaram na forma de um ódio que cresceu nos três rapazes (que nem sequer nome tiveram) que, entretanto, se fizeram homens. Do outro lado, a segunda família, nascida da transformação do pai, de alcoólico num devoto.
A tensão latente estala no funeral do pai de todos eles depois das palavras nada diplomáticas lançadas por Son (magistralmente interpretado por Michael Shannon, o mais velho dos filhos do primeiro casamento)… O confronto ganha expressão física. Primeiro usando uma cobra para matar o cão de estimação de um dos outros irmãos. Depois, agressão atrás de agressão, numa progressão de violência que chega a colher vidas. Lançando uma questão que parece não ter resposta: até quando? Os protagonistas são incapazes de a enfrentar pelo prisma da razão, vivendo sob um clima de terror fratricida que mais não ecoa senão a memória de outras sagas trágicas, algo semelhantes, que nos chegam desde tempos bíblicos.

The Wall, 30 anos depois (1)

30 de Novembro de 1979. Chegava aos escaparates das discotecas um disco que nascera em clima de convulsão interna para os Pink Floyd mas que se afirmaria poucas semanas depois como um dos maiores êxitos da sua obra, reconhecido hoje como um dos títulos mais significativos da sua obra e um dos álbuns determinantes em qualquer discografia dos anos 70. Na imagem, a capa original do álbum, tal e qual foi desenhada por Gerald Scarfe (a edição em CD juntou o nome da banda e o título ao fundo que representa um muro de tijolos brancos).
The Wall é um álbum duplo, de alma conceptual, reflectindo sobre o isolamento, tomando como personagem central uma figura de ficção, Pink, criada sob traços próximos da história da vida de Roger Waters, em certos instantes cruzando-se ainda pela sua caracterização alguns traços de Syd Barrett, fundador e primeiro timoneiro dos destinos dos Pink Floyd.



Ao longo desta semana evoca-se aqui o álbum The Wall e os universos ao ser redor, dos Pink Floyd. As imagens são do teledisco de Another Brick In The Wall (part 2), single também editado há precisamente 30 anos.

Histórias de Berlim (20)

Fechamos este mês de evocações dos 20 anos da queda do muro de Berlim com um disco que, em inícios de 1990, representou o registo de uma das primeiras manifestações de um novo tempo que então nascia. A história deste disco começa em finais de 1989. O muro tinha caído pouco mais de um mês antes. E, sob direcção de Leonard Bernstein, surgia um programa de concerto, centrado na 9ª Sinfonia de Beethoven, votado a assinalar não apenas a queda do muro (e uma nova Berlim), mas também o encerrar de todo um capítulo que conduzira à divisão da cidade no pós-guerra. Bernstein tomou ainda uma liberdade “poética”, trocando uma palavra no poema de Schiller cantado no quarto andamento. Em concreto “freiheit” (liberdade) em vez de “freude” (alegria). “Aquele parecia o momento abençoado para cantar freiheit, apesar da partitura indicar freude. Se alguma vez existiu um instante para enfrentar um risco académico em nome da alegria da humana, então é este, e estou certo de que teria a bênção de Beethoven”, confessaria depois Bernstein em texto que assina na contracapa do disco.
Uma orquestra de grandes dimensões entrava em cena juntando não apenas músicos das (até então) duas Alemanhas, mas também dos países aliados que a tinham combatido na guerra, a música de Beethoven escolhida para esbater então as diferenças entre os vencedores e vencidos, abrindo caminho a uma nova Europa. Ali se juntaram então, além das vozes solistas (June Anderson, Sarah Walker, Klaus König e Jan-Hendrick Rootering) e dos coros (três no total, provenientes da RDA e RFA), músicos da Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera, da Staatskapelle Dresden, da Orquestra do Teatro Kirov (da então URSS), London Symphony Orchestra (Reino Unido), New York Philarmonic (EUA) e Orquestra de Paris (França).
Foi um concerto em duas noites. Uma primeira, a 23 de Dezembro, na igreja Kaiser Wilhelm (na Berlim Ocidental). A segunda, a 25 de Dezembro, no Schauspielhaus, em Berlim Leste. Esta segunda noite foi gravada e editada em disco, pela Deutsche Grammophon, em inícios de 1990.

domingo, novembro 29, 2009

Trio Florestan: entre Haydn e Beethoven

Na noite de domingo, dia 29, no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, o Trio Florestan completou um pequeno ciclo de três concertos (iniciado na véspera), interpretando trios com piano, de Joseph Haydn (1732-1809) e Ludwig van Beethoven (1770-1827) — referência aglutinadora: 'Haydn e Beethoven na década de 1790'.
Formado por Anthony Marwood (violino), Susan Tomes (piano) e Richard Lester (violoncelo) [na foto, da esquerda para a direita], o trio propôs uma revisitação de uma época em que Haydn, em plena maturidade, e Beethoven, emergindo como novo e fulgurante valor, balizavam a energia artística da cidade de Viena. Como refere Rui Cabral Lopes nas notas do programa, se se pode condensar tal conjuntura na ideia de uma progressiva transferência do papel condutor do piano para o violino e o violoncelo, então estas são obras que nos ajudam a perceber uma dinâmica cujos efeitos ecoariam de forma decisiva na música do século XIX — graças à precisão e elegância do Trio Florestan, foi um concerto tão breve (pouco mais de uma hora) quanto cativante.

>>> Site oficial do Trio Florestan.

"Lua Nova" ou a cultura dos números

Nenhum filme é "bom" ou "mau" por causa dos muitos (ou poucos) milhões que acumula. Mas reduzir a vida dos filmes às tabelas de receitas é favorecer uma cultura economicista, tendendo para a absoluta indiferença artística — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 de Novembro), com o título 'Dólares e filmes'.

No dia em que escrevo este apontamento, começam a circular por todo o planeta manchetes sobre os milhões acumulados pelo filme Lua Nova no fim de semana de estreia no mercado americano. O filme é um desastre, mas poderia ser uma obra-prima que o sentido destas considerações seria o mesmo. Porquê? Porque, uma vez mais, importa demarcarmo-nos desta histeria jornalística (?) que reduz o cinema a uma mera agitação de números, de preferência dólares, e com muitos zeros à direita.
Permitam-me que esclareça: o cinema americano parece-me continuar a ser um dos mais fascinantes espaços criativos da expressão audiovisual contemporânea. Apesar disso (aliás, justamente por causa disso), importa não reduzir uma tão vasta paisagem artística aos valores decorrentes do marketing. Em boa verdade, se fossem os técnicos de marketing a fazer a maior parte das notícias sobre a actividade cinematográfica, o panorama não seria fundamentalmente diferente. Daí a minha convicção: eles gostam de olhar para os cifrões, mas não têm qualquer amor pelos filmes.

Paul Auster: "cadavres exquis"

Nos livros de Paul Auster, o surrealismo será a referência mais remota, porventura também a mais discutível. Em todo o caso, o seu mais recente e extraordinário romance — Invisible [capa da edição inglesa, Faber and Faber] — evoca de forma discreta, mas creio que serenamente calculada, a prática surrealista dos cadavres exquis.
De facto, a história da amizade de Adam Walker, estudante da Columbia University, e Rudolf Born, um francês sedutor e enigmático, tem qualquer coisa desse exercício lúdico em que é gerada uma representação visual (ou uma narrativa) a partir de fragmentos desenhados (ou escritos) por um colectivo de participantes em que cada um apenas conhece uma pequena parte da produção do participante anterior. Invisible apresenta-se, assim, como um continuum de memórias — de 1967 até quatro décadas mais tarde — que explicitam, tanto quanto baralham, as evidências maiores da paixão, do crime e da redenção moral. É, à sua maneira, um livro visceralmente cinematográfico, no sentido em que nele se discutem as tentações do visível e o devastador poder do invisível. Caminhando, claro, ou não se chamasse o protagonista walker.

A caixa (de Joly Braga Santos)

Antes de se dedicar à gravação da integral sinfónica de Luis Freitas Branco, o maestro Álvaro Cassuto dirigiu, também para a Naxos, uma série de gravações que, num total de seis discos, reuniram não apenas as seis sinfonias de Joly Braga Santos (1924-1988), mas também outras importantes das suas obras orquestrais. As gravações, entre 1997 e 2003 (com a Orquestra Sinfónica Portuguesa, a Bornemouth Symphony Orchestra, a National Symphony Orchestra Of Ireland e a Orquestra do Algarve), foram editadas em seis discos (pela Naxos), agora reunidos numa caixa que se apresenta com o título Integral das Sinfonias.
O conjunto de gravações permite acompanhar a evolução da obra de Braga Santos, as primeiras obras reflectindo uma relação próxima com a música de Freitas Branco (de quem foi discípulo), reflectindo-se depois dos anos 50 uma atenção para com as novas tendências modernistas (a 5ª Sinfonia, de 1965-66 reflecte, por exemplo, um interesse pelos marimbeiros de Moçambique), que abordou sem contudo perder uma ligação a uma identidade que talhou desde muito cedo. Aos seis discos a nova caixa junta um folheto que arruma cronologicamente as 11 obras orquestrais que o conjunto acrescenta às seis sinfonias, permitindo assim ao ouvinte uma audição cronologicamente ordenada destas obras, entre as quais figuram algumas peças de absoluta referência na história da música portuguesa.

Joly Braga Santos foi o maior sinfonista que a música portuguesa alguma vez conheceu. Nascido em Lisboa em 1924, estudou violino e composição, tendo como mestre a figura de Luís Freitas Branco (1890-1955), o responsável pela reintrodução da sinfonia na música portuguesa em inícios do século XX. A sua música começou por reflectir a presença próxima do que descobriu com Freitas Branco, demonstrando cedo um interesse partilhado pelas diversas formas de expressão das tradições populares portuguesas. Compôs a sua primeira sinfonia com apenas 22 anos, até aos 27 compondo outras três. As duas últimas surgem mais tarde, reflectindo já sinais de outros tempos, nomeadamente um interesse pela exploração de ideias modernistas. Como explica Álvaro Cassuto no booklet que acompanha esta nova edição, “como o seu mestre, Braga Santos tinha um talento inato para a grandiosidade na música, razão porque dedicou uma parte importante da sua criatividade à sinfonia”. Contudo, e como o maestro frisa logo depois, “a sua produção é tão vasta quanto diversificada, abrangendo desde a ópera e a música coral sinfónica até à música de câmara”. Ao trabalho como compositor juntou a escrita, o ensino e a direcção de orquestras.

Uma tarde com Mendelssohn

Foi uma tarde para aplicar o “era uma vez” à música de Mendelssohn, dando a entender o seu poder narrativo. As escolhas de repertório foram assim absolutamente acertadas, em todas elas surgindo a presença de personagens, narrativas, memórias ou paisagens que, exemplificadas por Alexandre Delgado, deram tranquilo passaporte para uma audição diferente, esclarecida… Talvez alguns dos mais novos entre os espectadores presentes na sala não soubessem exactamente como descodificar o sentido de expressões como “discussões homéricas” ou “ipsis verbis”, mas ninguém levou a mal…
Joana Carneiro (que assinalava também naquela tarde o lançamento de um CD, com música de Tchaikovski, de que aqui falaremos brevemente) foi impressionante presença frente a uma magnífica Orquestra Gulbenkian. Da capacidade em caminhar entre os climas variados da abertura Sonho de Uma Noite de Verão à incrível sugestão de maresia na abertura As Hébridas: A Gruta de Fingal, terminando com viço e luminosidade (italiana, de facto) nos primeiro e quarto andamentos da Sinfonia Nº 4, uma casa cheia quase viajou sem sair do lugar. Pelo simples poder da música.

Histórias de Berlim (19)

É longa e antiga a história dos filmes que toma como Berlim como cenário e, em muitas vezes, como quase uma personagem. Um dos mais antigos e célebres retratos da cidade ganhou forma em 1927 em Berlin: Die Sinfonie der Grosstadt (na imagem), de Walter Ruttmann, filme mudo que contou com música composta para acompanhar as imagens, com assinatura de Edmund Meisel. Da adaptação de Berlin Alexanderplatz de Fassbinder (para televisão, é certo) ao Cabaret de Bob Fosssee, da versão de Christian F por Uli Edel ao recente A Queda, de Oliver Hirschbiegel, a multidão de filmes “berlinenses” é vasta e variada. Neste mês em que o Sound + Vision assinalou os 20 anos da queda do muro de Berlim, apresentamos uma selecção de seis filmes que, cada qual à sua maneira, representa um retrato da cidade dividida, nuns casos olhando a Leste, noutros pelo Ocidente, por vezes observando o todo.

O Espião Que Veio do Frio, de Martin Ritt (1965). Um filme baseado no romance de John Le Carré, com Richard Burton, Claire Bloom e Oskar Werner. Uma história de espiões nos dias da guerra fria, com a assombração do muro bem presente.

A Cortina Rasgada, de Alfred Hitchcock (1966). É um thriller político e conta com Paul Newman, Julie Andrews e Lila Kedrova no elenco. A acção decorre essencialmente na antiga RDA, com parte determinante da acção a passar por Berlim Leste.

Westler, de Wieland Speck (1985). Um dos exemplos pioneiros do cinema queer europeu, apresenta a história de um relacionamento dividido pela presença do muro que também separa os dois lados da cidade.

As Asas do Desejo, de Wim Wenders (1987). Com Bruno Ganz como protagonista e inspirado pela poesia de Rilke, é um olhar muito pessoal (de autor, de facto) sobre Berlim, reflectindo sobre o seu passado, presente e futuro.

Adeus Lenine, de Wolfgang Becker (2003). Com Daniel Brühl e Katrin Sass, retrata os dias da reunificação, evocando vivências da antiga Berlim Leste. Há exteriores rodados na Karl Marx Aleee e Alexanderplatz, então o centro de Berlim Leste.

A Vida dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck (2006). Com Ulrich Mühe como protagonista, um retrato de vidas vigiadas em Berlim, pela Stasi, nos dias da RDA. Venceu o Oscar dará Melhor Filme Estrangeiro em 2007.

Como numa carta de intenções

Discografia Beatles - 39
'Paperback Writer' (single), 1966

Se Rubber Soul havia lançado novos caminhos, Revolver aprofundaria mais ainda a descoberta de outros horizontes para a música dos Beatles. E antes mesmo de editado o álbum, claros sinais de um processo em evolução chega em Maio de 1966 na forma de um single que apresentou dois inéditos gravados durante as mesmas sessões do álbum que seria lançado pouco depois. No lado A surge Paperback Writer, mais um exemplo de uma escrita que procura histórias além das clássicas narrativas boy meets girl. Possivelmente inspirada por um artigo que McCartney tinha lido no Daily Mail, a canção apresenta-se como se tratasse de uma carta de um aspirante a escritor a um editor. No lado B, não menos interessante, surge Rain, uma canção cuja relativa complexidade de formas indicia ideias exploradas em vários instantes de Revolver. A canção, inspirada sobre a forma como as pessoas sistematicamente se queixam do estado do tempo (e em concreto em conversas sobre chuva por alturas de uma viagem à Austrália), apresenta como uma das principais inovações a presença de vozes rebobinadas (em concreto, a de John Lennon). O single apresenta, no todo, um volume de som mais alto que o habitual, devendo-se o facto a novos equipamentos entretanto adquiridos. Atingiu o número um numa série de territórios, entre os quais o Reino Unido e EUA.



É por esta altura que os Beatles começam a rodar filmes promocionais para algumas das suas canções. Estas são as imagens que então acompanharam a promoção de Rain.

sábado, novembro 28, 2009

Uma noite com a RTP2

A noite de sexta-feira na RTP2 foi um caso exemplar da televisão que temos e, sobretudo, da que não temos -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Novembro), com o titulo 'Delírio intelectual'.

A noite de hoje [27 de Novembro], na RTP2, é um luxo. Assim, podemos começar com mais um episódio de Mad Men, série que nos mostra, serenamente, que o principal aparelho político das sociedades modernas se chama... publicidade. Por volta da meia-noite e meia, será possível ver uma fascinante aventura de ficção científica: THX 1138, primeira longa-metragem de George Lucas, produzida em 1971, quando o seu autor ainda era uma rapaz simples. Enfim, por volta das duas da madrugada, uma preciosidade absoluta: um concerto dos Nirvana, gravado em 1992, no Festival de Reading.
O panorama é revelador do contexto televisivo em que definhamos. De facto, será preciso uma enorme hipocrisia argumentativa para sustentar que estes três programas convocam referências indecifráveis pelo comum dos cidadãos ou pertencem a zonas mais ou menos esotéricas de consumo. Nada disso: são mesmo casos modelares de uma cultura visceralmente popular que, no nosso radioso Portugal, foram empurrados para zonas de consumo mais ou menos “especializado”. Mérito da RTP2, sem dúvida. Mas também sintoma muito cru da degradação geral dos padrões televisivos.
Ultimamente, essa degradação faz-se através da boa consciência dos debates. Boa consciência, insisto. Muitos profissionais e decisores das nossas televisões resistem, heroicamente, a qualquer sentimento de culpa através da multiplicação dos espaços de “discussão”. E quando falo em multiplicação, a palavra apenas peca por defeito. Na verdade, será preciso que alguém nos explique em que é que horas e horas de “análise” do penalty que foi e do “penalty” que não foi contribuem para uma salutar relação com esse desporto fascinante que dá pelo nome de futebol. Será preciso também que possamos compreender como é que horas e horas de especulação sobre os palavrões que José Sócrates disse ou não disse favorecem a energia democrática da nossa sociedade. Apetece aplicar a pedagogia do saudoso Diácono Remédios e dizer: “qualquer dia”... discute-se se o primeiro-ministro pensou em aplicar alguma asneira começada por “f”, ou se terá ficado pelas letras antes do “f”. Herman José faz-me falta, reconheço. Coisas de intelectual, não liguem.

O2 Arena: o silêncio do ténis

FOTO João Santos / O Jogo

Ou como o desporto nos pode fazer reencontrar um certo espírito de comunhão — este texto, para esta imagem, foi publicado no Diário de Notícias (27 de Novembro), com o título 'Os sons do silêncio'.

Com os seus 23 mil lugares, a O2 Arena, na zona de North Greenwich, em Londres, apresenta-se como um verdadeiro prodígio arquitectónico. Pelas imagens, entenda-se (nunca lá estive). Inaugurada em 2007, surpreende não apenas pelo gigantismo, mas também pela versatilidade, podendo albergar os mais diversos desportos (basquetebol, ginástica, hóquei, etc.) e espectáculos que vão desde o Disney on Ice até à ante-estreia de filmes como Os Simpsons ou Die Hard 4 (era para lá também que estavam agendados os concertos da série This Is It, de Michael Jackson). Actualmente, até ao próximo domingo [dia 29], a O2 serve de palco ao tradicional ATP World Tour Finals, uma espécie de “torneio dos torneios” que consagra, anualmente, os melhores do ténis.
Esta fotografia possui um fascínio muito especial. Dir-se-ia que podemos ouvir o bater da bola na superfície sintética, de tal modo deparamos com um cenário de expectativa e recolhimento. Como diz a canção, escutamos os sons do silêncio e compreendemos que, apesar dos exageros “festivos” que as televisões (e o marketing) tantas vezes impõem a todos os tipos de campeonatos, ainda podemos partilhar momentos de genuína comunhão desportiva. Porque uma coisa é certa: um silêncio individual pode estar carregado dos mais variados enigmas, mas um silêncio de 23 mil pessoas é algo que se “ouve” muito bem.

Die Krupps, 1989

Neste mês em que aqui evocámos nomes da música pop alemã, assinalando os 20 anos da queda do muro de Berlim, visitamos hoje um outro nome-chave da electronic body music. Naturais de Dusseldorf (tal como os Kraftwerk ou DAF), os Die Krupps deram primeiros passos em inícios de 80, atingindo o reconhecimento além-fronteiras através da bem sucedida colaboração com os Nitzer Ebb, em 1989. Recordamo-los aqui em The Machineries Oj Joy, precisamente de 1989.

Joana Carneiro hoje na Gulbenkian

Joana Carneiro dirige hoje, no Auditório da Fundação Gulbenkian, a Orquestra Gulbenkian num programa integralmente dedicado ao compositor Felil Mendelssohn-Bartholdy, cujo bicentenário se celebra este ano. Comentado por Alexandre Delgado, o concerto inclui os primeiro e quarto andamentos da Sinfonia Nº 4, em Lá maior, op. 90, Italiana, As Hébridas: 'A Gruta de Fingal', Abertura em Si menor, op. 26 e ainda Sonho de uma Noite de Verão, Abertura em Mi maior, op. 21.
O concerto de hoje assinala ainda o lançamento do primeiro disco da maestrina, à frente da Orquestra Gulbenkian. Com edição da Clean Feed. O disco junta uma série de obras de Tchaikovsky, nomeadamente as suites dos bailados O Lago dos Cisnes e O Quebra-Nozes e ainda a abertura de Romeu e Julieta.

À volta de 'Rubber Soul'

Discografia Beatles - 38
'Nowhere Man' (EP), 1966

Com a chegada do Verão de 1966, um novo EP entra em cena no mercado britânico, este trazendo um alinhamento todo ele retirado de canções de Rubber Soul. Nowhere Man, uma das primeiras canções dos Beatles a seguir caminhos distintos da mais clássica canção de amor (e que reflecte de resto uma clara manifestação de uma escrita mais pessoal de John Lennon), tem deu título ao EP onde, além desta canção surgiam ainda Drive My Car, Michelle e You Wont’ See Me. O disco atingiu o número 4 no Reino Unido.

Histórias de Berlim (18)

É talvez a melhor forma de caminhar por Berlim, as linhas novamente desimpedidas depois da queda do muro. O U-Bahn, o equivalente à nossa rede de metropolitano, é hoje uma rede com nove linhas e mais de 170 estações. É essencialmente subterrâneo, mas em muitos locais as linhas seguem à superfície, ou até mesmo elevadas face ao solo.
Criada em 1902, e depois extensivamente danificada durante a II Guerra Mundial, a rede de U-Bahn conheceu a mais drástica das intervenções durante a separação da cidade em duas, com uma série de linhas desviadas ou reduzidas para respeitar a separação imposta pelo muro.
A rede de U-Bahn conhece importante complemento numa outra rede de comboios rápidos que se cruzam em certas estações com os das demais nove linhas, e facilitam mais ainda os transportes na cidade. Criada em 1924, a rede de S-Bahn acrescenta mais 15 linhas a este sistema.

A IMAGEM: Nadav Kander, 2004

NADAV KANDER
Boy George
2004

A IMAGEM: Alberto Korda, 1960

Alberto Korda *
Guerrillero Heroico
1960

* Exposição 'Korda Conhecido Desconhecido'
Galeria Torreão Nascente (2 Dez. a 31 Jan.)

sexta-feira, novembro 27, 2009

O capitalismo perverso de Michael Moore

Com Capitalismo: Uma História de Amor, Michael Moore volta a fazer um filme que integra a retórica da mais rotineira reportagem televisiva — sair à rua e... "explicar" o sentido ao mundo —, desviando-a de forma calculadamente perversa. Dito de outro modo: este é um documentário que não se esconde em nenhuma "objectividade", antes se afirma como uma indagação muito subjectiva (mas, afinal, também muito universal) sobre os prós e contras da crise económica que começou nos EUA e contaminou todo o planeta. Com uma componente geracional que importa sublinhar: Moore pertence a uma faixa etária que, crescendo sob o efeito da sociedade de consumo, ainda acreditou na transparência (económica e moral) de um progresso eterno e imaculado...
Exemplo feliz da sua estratégia é este cartaz do filme, ironizando as memórias da iconografia comunista, quer soviética [três exemplos em baixo], quer maoísta. Em resumo: um filme que, mesmo podendo suscitar a nossa discordância, tem o mérito de pegar o real "de caras", questionando as suas convulsões e contradições.

Os dois suíços

São dois. São Suíços. E assinalam este ano os 30 anos de vida como Yello. O duo teve importância pioneira nos dias em que a pop e as electrónicas começaram a dialogar. 30 anos depois estão longe de viver na linha da frente da invenção como o fizeram ao longo dos oitentas. De resto, Touch Yello, o álbum que editaram recentemente, mais não faz que uma visita às linguagens e ideias que então desenvolveram. Aqui fica o teledisco de The Expert, uma das canções do novo disco.

O Natal, segundo Lindstrom

Lindstrom gravou uma versão de 40 minutos do clássico de Natal Little Drummer Boy. O tema estará disponível através do site da Rough Trade como bónus para quem comprar o álbum Real Life Is No Cool, que o músico aí lança na próxima semana, em parceria com Chrtistabelle.

Neutral Milk Hotel (11 anos depois)

Não, ainda não é desta vez que se dão notícias de um eventual novo disco dos Neutral Milk Hotel (e já lá vão 11 anos desde o colossal In The Aeroplane Over The Sea)… O que há de novo é o facto de, a assinalar a reedição em vinil dos dois álbuns da banda, a Merge colocou no seu blogue dois vídeos com actuações ao vivo da banda.



Imagens dos Neutral Milk Hotel em palco, na Knitting Factory (Nova Iorque), em 1998, ao som de Two Headed Boy.

Riechmann, 1978

Riechmann. O nome pode passar a léguas da atenção de muita gente se lhe não acrescentarmos outros dois nomes: Wolfganf Flur (sim, o que em tempos militou nos Kraftwerk) e Michael Rother (que passou pelos Harmonia e Neu!). Juntos em trio trabalharam como Spirits Of Sound, em finais dos anos 70. Mais tarde passou pelos Phonix. Em meados dos anos 70, o músico alemão (natural de Düsseldorf) dava por si frente a uma série de teclados, fios e botões. Trabalhando então numa série de composições com clara afinidade para com o que então eram as heranças directas dos Tangerine Dream e Klaus Schulze. Trabalhava em concreto em Wunderbar, aquele que seria o seu álbum de estreia a solo, onde a essas referências juntava marcas inevitáveis da “escola” da cidade, que entretanto colocara no mapa os nomes dos Kraftwerk, Neu! e La Dusseldorf. Mas morreu, vítima de um ataque com uma faca a três semanas da edição do disco.
Wunderbar era assim um disco quase esquecido desde então. Um pequeno manifesto de intenções que alia a uma base estrutural minimalista uma agenda melodista contida, mas que por vezes quase ensaia os caminhos da canção. É um disco pessoal, focado num conjunto de ideias concretas sobre som e composição e, como a presente reedição (em CD e vinil, pela Bureau B) permite constatar, uma peça a ter em conta na história da geração que encetou um relacionamento entre as electrónicas e a música popular.

Histórias de Berlim (17)

É um dos bairros culturalmente mais vivos da Berlim actual, com uma história que ali cruza um passado de rendas baixas e grande concentração de população emigrante, alberga grande quantidade de artistas e é, desde finais dos anos 60, o mais reconhecido berço de fenómenos e figuras da contracultura na cidade. Esta sua alma rebelde faz de Kreuzberg uma das zonas da cidade mais vezes citadas em canções (dos Bloc Party a Stephen Malkmus) ou visitadas em páginas de livros. Hoje acolhe também uma nova comunidade de classe média. E tem, em algumas das suas ruas, intensa vida de restaurantes e bares.

Kreuzberg fica mesmo no centro da cidade, imediatamente a sul dos bairros que acolhem as suas principais instituições. Conheceu o muro como uma das suas fronteiras nos dias da guerra fria, aprofundando-se então o seu afastamento face a outros pólos economicamente mais bem nutridos da então Berlim Ocidental. Surgindo novamente como um espaço dinâmico e novamente vivo no centro da cidade depois da reunificação.

A génese de Kreuzberg é relativamente recente face a outros bairros de Berlim (muitos deles nascidos de algomerados polulacionais mais antigos). Nos dias da revolução industrial instalam-se ali populações sem grandes recursos. O bairro cresce todavia apenas nos anos 20 do século XX, arrasado mais tarde no final da guerra. Com um muro por perto, habitações simples e casas pequenas, torna-se num dos bairros com maior densidade populacional de Berlim (apesar de ser um dos mais pequenos em dimensão geográfica). As comunidades emigrantes começaram a chegar nos anos 60, numa etapa em que esta era uma das zonas com habitação mais barata na Berlim dividida.

Hoje Kreuzberg é um dos bairros com maior diversidade cultural da cidade, que anualmente se expressa no Karneval der Kulturen, uma festa na qual participam as mais diversas comunidades representadas na cidade.

É em Kreuzberg que mora ainda o que poderíamos designar como o CBGB berlinense. Chama-se SO36 (na verdade o código postal dessa zona do bairro), e em finais dos anos 70 era frequentemente visitado por David Bowie e Iggy Pop. Ainda se mantém aberto, com programação regular e sobretudo atenta a novas bandas.

quinta-feira, novembro 26, 2009

"Bohemian Rhapsody" pelos Marretas

Os Marretas continuam a ser uma força da natureza — da natureza do espectáculo, entenda-se. Agora integrados no império Disney, não só reforçaram a sua presença na Net, como continuam a produzir maravilhas. A mais recente é nada mais nada menos que um recriação de um dos títulos emblemáticos de Freddie Mercury e dos Queen: Bohemian Rhapsody em versão... marreta — fiel à encenação original e, mais do que isso, às singularidades do espírito rock que o anima. Teledisco do ano?



Para actualizar memórias, recordamos o original dos Queen — Bohemian Rhapsody foi lançado em single a 31 de Outubro de 1975; integrava o álbum A Night at the Opera, que chegou às lojas três semanas mais tarde, a 21 de Novembro.

"Harry Potter": quando o marketing mente

Algures, num canal de televisão, passa um anúncio à edição em DVD de Harry Potter e o Príncipe Misterioso. São breves segundos, mas retenho que nele se proclama que o filme foi celebrado pela "unanimidade" da crítica. Surge apenas uma citação, um mero adjectivo que não fixei ("sensacional"?, "fabulo-so"?) e a assinatura de um nome inglês, que também me escapou...
O estilo é, infelizmente, conhecido: a crítica é tratada como um rebanho — quase nunca se sublinham as infinitas diferenças entre os críticos — e reduzida a um adjectivo (podem escrever-se milhares e milhares de caracteres, mas um adjectivo fora de contexto dá sempre jeito...). Acontece que este marketing mente, menosprezando a credibilidade dos outros e desbaratando a sua própria credibilidade.
Assim, parece evidente que os autores do referido anúncio não leram o artigo de Cosmo Landesman, em The Sunday Times. Depois de referir a sua "antipatia" em relação a este filme, o crítico justifica-a através destas palavras eloquentes: "É por causa do cansaço com a abundância de efeitos de uma franchise que pouco tem a ver com cinema e muito com a promoção de marcas."
Aliás, não ficaria mal aos responsáveis por este tipo de intervenções públicas lerem as críticas unânimes — no seu tom negativo, entenda-se — de Joe Morgenstern (The Wall Street Journal), Anthony Quinn (The Independent), Peter Bradshaw (The Guardian) ou Anthony Lane (The New Yorker). Certamente discutíveis, como qualquer intervenção crítica, acontece que foram publicadas por títulos de referência da imprensa dos dois lados do Atlântico. Se tiverem tempo e paciência, poderão até consultar o que está publicado neste mesmo blog.

Discos da semana, 23 de Novembro

Gosta de viver a sua vida, entre os seus, no seu espaço. Um disco de quando em vez… Alguns concertos, mas não muitos… Em 2008 fez-se novamente à estrada. 28 noites no total, numa agenda que cruzou apenas algumas cidades nos EUA e algumas mais em território europeu. À digressão Tom Waits chamou-lhe Glitter and Doom. Foi festim para poucos, o disco duplo que agora nos chega dando conta, e com as limitações que qualquer retrato inevitavelmente tem contra o valor da experiência de viver os factos in loco, do que passou ao largo de quem falhou um lugar entre aquelas plateias. E é caso para sentir inveja. Tom Waits é uma figura de raro e muito peculiar estatuto entre o mundo de quem gosta de música (e também o de quem a faz). Admirado entre os admirados, é um veterano que soma vivências que amplifica (e encena) numa música que nasce numa espécie de traseiras abandonadas onde cacos e pedaços de memórias são lançados (mas não esquecidos). É um bizarro pregador de assombrações. E, também, um raro (no sentido de ser único) contador de histórias. O alinhamento de Glitter and Doom Live visita estes vários traços da sua personalidade e obra, numa mão cheia de 17 canções que não só cruzam tempos (e vários discos), como traduzem tanto o herdeiro de tradições com ecos no mundo do cabaret, dos blues, folk ou jazz, mas também o experimentador de texturas e formas. O contador de histórias, esse mora num segundo CD, com mais de meia hora de narrativas extraordinárias que levou a cena. O disco é uma colagem de momentos escutados entre palcos diferentes, reunidos agora um pouco como as fotos que, juntas depois num álbum, contam (e recordam) como foi uma viagem. Não é uma antologia levada a palco. Mas, decididamente mais abrangente que Big Time (de 1988), é o disco gravado em palco que assegura agora a presença de Tom Waits entre aqueles raros (muito raros mesmo) autores de discos ao vivo que acrescentam algo de significativo a uma discografia.
Tom Waits
“Glitter and Doom Live”
Anti / Edel
5 / 5
Para ouvir: MySpace


Não é inédita entre nós a criação de uma música concebida, à partida, segundo as necessidades de uma ideia performativa. Os Mão Morta, por exemplo, já o fizeram em várias ocasiões, com propostas de absoluta referência em discos (depois com expressão em vídeo, ler DVD) em Muller No Hotel Hessicher Hof ou, mais recentemente, Maldoror. Os Micro Audio Waves, que de disco para disco reforçam um cada vez mais justificado protagonismo no panorama de uma música de afinidades pop feita de electrónicas em solo português, apresentam assim em Zoetrope, e sob parceria criativa com Rui Horta, mais uma significativa contribuição para o bom relacionamento entre a nova música pop portuguesa e as artes performativas. O disco que agora surge é um inevitável dois em um. Ou seja, um CD + DVD, o primeiro sendo a extensão áudio do segundo, afinal o retrato real da obra em si. O jogo de projecções e movimentos, que no DVD dá corpo à evolução das músicas em cena, confere ao todo uma identidade de conjunto da qual o CD é apenas banda sonora. Contudo, há neste disco novos sinais de uma vontade em explorar tanto as heranças (dos minimalistas norte-americanos aos pioneiros das electrónicas pop de meados de 70) como as linhas para lá dos horizonte, num diálogo que sugere aquela sempre viva sensação de descoberta. Sem dúvida, um dos acontecimentos da música portuguesa neste 2009.
Micro Audio Waves + Rui Horta
“Zoetrope”
Ed. Autor
4/5
Para ouvir: MySpace
.
.
É o segundo disco ao vivo que os R.E.M. editam em dois apenas anos. Mas este traduz uma proposta substancialmente diferente (e bem mais interessante) que a que em 2007 encontrámos em R.E.M. Live (curiosamente o novo disco é também gravado em Dublin, embora numa outra sala). 39 Songs – Live At The Olympia é uma colecção de gravações captadas ao vivo durante uma residência de seis dias no Olympia Theatre, entre 30 de Junho e 5 de Julho de 2007. Estes concertos representaram então, além de um espaço de reencontro com canções de diversas fases da sua obra (em alguns casos despertando memórias mais remotas), uma espécie de laboratório de ensaio para os temas que então se preparavam para gravar em Accelerate, álbum que seria editado em 2008, revelando um reencontro da música do grupo com uma personalidade mais eléctrica que nos dias de inícios e meados de 80 habitara, com maior protagonismo, nas suas canções. O ambiente que o álbum do ano passado acabou por reflectir já aqui se desenhava ora nas escolhas de memórias mais remotas evocadas, ora mesmo em novas abordagens a alguns temas mais recentes aqui revisitados. Não se trata portanto de um baralha e volta a dar, com palmas e entusiasmo de uma plateia de admiradores, mas antes o registo de um instante, exposto perante um público, em que a memória se cruzou com o pensar de um futuro próximo. Convenhamos que não é habitual vermos uma banda a editar registos ‘live’ de etapas de ‘work in process’. E é essa característica, algo frágil, que faz deste um instante particularmente interessante.
R.E.M.
“39 Songs – Live At The Olympia Theatre”
Warner
4 / 5
Para saber mais: site oficial
.
.
Há pouco mais de três anos o álbum Music For Tourists dava conta da entrada em cena de uma nova voz frágil e subtil. Natural de Boston, educado entre Paris e New Jersey e com vida hoje feita em Nova Iorque, Chris Garneau mostrava logo no seu disco de estreia marcas de um gosto por uma pop de câmara, por vezes de intensidade dramática quase teatral, frequentemente entregue a diálogos entre a voz e o piano nas quais se revelavam mais heranças de tempos remotos que uma relação com as linhas e formas do presente ao seu redor. Com apenas um EP a marcar terreno neste intervalo, surge em 2009 com um segundo álbum no qual, sem evitar as rotas e destinos a que o primeiro apontara, procura agora expandir horizontes a uma música que, pelas canções do primeiro disco, sugerira uma talvez excessiva insistência num mesmo comprimento de onda, dessa falta de ginástica nascendo o único senão de Music For Tourists. O segundo álbum, a que chamou El Radio, é um ciclo de canções, dividido em quatro partes, cada qual expressando ambientes e histórias segundo as estações do ano. Uma mesma melancolia e fragilidade habitam as novas canções onde, todavia, um novo arrojo, por vezes quase barroco, se revela nos arranjos. Mais ainda que no primeiro álbum Chris Garneau mostra ser um herdeiro da tradição da canção de bar e do palco. Pode não ter a visão (nem a versatilidade) de um Rufus Wainwright, nem a voz de um Antony Hegarty, mas é claro morador de um edifício que não é estranho a esses outros dois inquilinos.
Chris Garneau
“El Radio”

Absolutley Kosher
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Na música não há toques de Midas. Ainda há oito anos a presença de Scott Walker na cadeira do produtor não fez muito pelo apenas mediano conjunto de ideias (ler canções) que os Pulp traziam para We Love Life, aquele que seria o seu último álbum. Pela mesma razão a presença, evidente, de Diplo na ficha técnica do álbum de estreia em nome próprio de Amanda Blank não é condição suficiente para elevar os ingredientes em jogo muito além das suas reais potencialidades. Natural de Filadélfia, já tinha deixado interessantes cartões de visita em trabalhos de colaboração vários, nomeadamente com Spank Rock, assim como em primeiros singles (e EP) assinados por si mesma. I Love You, o seu álbum de estreia, parece fazer questão de vincar uma abertura a horizontes largos, ora acolhendo traços de uma vivência hip hop (como em Lemmie Get Some, onde contracena com Chuck Inglish), ora acendendo as luzes da pista de dança, por exemplo ao sabor de genéticas italo disco em DJ… Chama Lykke Li ou Spank Rock a parcerias, dá-nos bons exemplos de assimilação de linguagens electro em Might Like You Better. Pisca o olho a Santigold e M.I.A. Não alcança contudo o seu patamar, sobretudo no cardápio das canções, por vezes de visão bem desigual, que povoam o alinhamento. O todo não é um tiro ao lado, mas na verdade Amanda Blank só mostra pontaria certeira em poucas destas canções.
Amanda Blank
“I Love You”
Downtown / Popstock
2 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Francisco Ribeiro, Miles Davis (caixa), Britney Spears (best of), Lady GaGa (repackage com novo EP), Landscape (reedições)

Brevemente:
30 de Novembro: Tricky, Pixies (caixa), Spiritualized (reedição),Sparks (ed especial vinil), Manu Chao, Blakroc, Rolling Stones (reedição), Atlantic Records (antologia), Foo Fighters, The Cinematics, Morrissey (caixa)
7 de Dezembro: Três Cantos, Echo & the Bunnymen (live), Paul McCartney (CD + DVD), Timbaland, Cluster (reedição), Roxy Music (live), The Beatles (USB)
14 de Dezembro: Animal Collective (EP), Pet Shop Boys (EP), Sonic Youth

Dezembro: Rolling Stones (reedição), Joni Mitchell (reedições), Cluster, Judy Garland (live)
Janeiro 2010: Vampire Weekend, Final Fantasy, Magnetic Fields, William Orbit, Laura Veirs, Lindstrom + Christabelle

PS. O texto sobre os R.E.M. é uma versão editada de uma crítica publicada na revista NS a 21 de Novembro.

"Lua Nova": apenas o marketing

[cartaz francês]

"New Moon", fenómeno universal? Sem dúvida, mas apenas do marketing. O cinema surge meramente instrumentalizado e destruiu-se a energia do primeiro filme da saga — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Novembro), com o título 'Os vampiros do marketing'.

O cinema contemporâneo está a ser sugado pelo marketing: o exército do marketing impôs os seus valores de eficácia e lucro, secundarizando o cinema e a cinefilia (o amor do cinema, recorde-se). Um sintoma claro da ideologia do marketing é a alteração da própria nomenclatura do cinema: já não há “filmes”; passaram a chamar-se “produtos”. Lua Nova é apenas uma expressão grosseira dessa ideologia.
E atenção: não se trata de proclamar que se perdeu a “pureza” do cinema. Não somos ingénuos. Quando David O. Selznick produzia E Tudo o Vento Levou (1939) [cartaz], não estava propriamente à espera que o seu filme fosse uma curiosidade estética para meia dúzia de eleitos (continua, aliás, a ser o filme mais rentável de toda a história do cinema). Ou quando Alfred Hitchcock filmava Psico (1960), ele era o primeiro a saber que os seus perversos mecanismos de suspense iam arrastar multidões. Além do mais, sem ofensa, não creio que Steven Spielberg tenha feito E.T. (1982) por razões caritativas...
Acontece que, face a essas maravilhas (e muitas outras) geradas pela máquina industrial de Hollywood, Lua Nova faz figura de mediocridade fabricada por deslumbrados amadores. Já há algum tempo que não se ouviam diálogos tão banalmente “líricos”, ombreando com os disparates quotidianos das telenovelas. E se é verdade que o cinema americano ocupa a linha da frente da evolução técnica, nomeadamente nos efeitos especiais, as transformações dos lobisomens conseguem a proeza dúbia de imitar uma produção de série B sem dinheiro nem imaginação. Isto para não falarmos das redundâncias do argumento que se desenvolve à velocidade de uma tartaruga alucinada pela inclemência do sol.
O mais triste é que o primeiro título da saga, Crepúsculo (2008), de Catherine Hardwicke, era um belo exercício sobre aquilo que poderia ser um novo romantismo juvenil. Agora, o marketing despediu-a.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Charis Wilson (1914 - 2009)

EDWARD WESTON
Charis Wilson
1935

Celebrada em muitos retratos assinados por Edward Weston (1886-1958), incluindo alguns dos mais célebres nus dos anos 30/40, Charis Wilson morreu em Santa Cruz, Califórnia, contava 95 anos. Conheceram-se em 1934, tinha ela 19 anos, vindo a casar-se em 1939. Até ao seu divórcio (em 1945), o par viveu uma aventura em que se cruzavam a utopia romântica e a pesquisa fotográfica, neste aspecto contribuindo de forma decisiva para a consolidação de Weston como um dos grandes mestres clássicos da fotografia americana — Charis acompanhou-a em várias expedições no Oeste dos EUA, eternizadas em algumas das suas mais célebres paisagens. Em 1999, Charis publicou o livro de memórias Through Another Lens: My Years with Edward Weston (com Wendy Madar). Mais recentemente, deu um depoimento para o documentário Eloquent Nude: The Love and Legacy of Edward Weston & Charis Wilson (2007), de Ian McCluskey.

>>> Obituário em The New York Times.
>>> Site oficial da família de
Edward Weston.

"Oito e Meio", aliás, "Nove"

Mesmo que não tivessemos informações sobre o filme Nine, não seria difícil relacioná-lo com o clássico 8 1/2 (1963), de Federico Fellini — repare-se nos respectivos cartazes, no seu grafismo e no modo como em ambos emerge uma figura masculina enredada numa teia feminina. Nine adapta o musical homónimo da Broadway, com letra e música de Maury Yeston, inspirado, precisamente, no dispositivo felliniano: um artista (um realizador de cinema), na sua meia idade, enfrenta uma crise criativa pontuada por várias mulheres que marcaram a sua existência. Realizado por Rob Marshall (Chicago), Nine tem Daniel Day-Lewis no papel correspondente ao original de Marcello Mastroianni. Agora, a galeria feminina é composta por: Judi Dench, Nicole Kidman, Marion Cotillard, Penélope Cruz, Kate Hudson, Stacey Ferguson (Black Eyed Peas) e Sophia Loren. Trunfo fundamental na estratégia de consolidação da Weinstein Company, Nine é apontado como um candidato "inevitável" a muitas nomeações para os Oscars — a estreia americana está marcada para 18 de Dezembro; chega a Portugal no dia 14 de Janeiro de 2010.