A noite de sexta-feira na RTP2 foi um caso exemplar da televisão que temos e, sobretudo, da que não temos -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Novembro), com o titulo 'Delírio intelectual'.
A noite de hoje [27 de Novembro], na RTP2, é um luxo. Assim, podemos começar com mais um episódio de Mad Men, série que nos mostra, serenamente, que o principal aparelho político das sociedades modernas se chama... publicidade. Por volta da meia-noite e meia, será possível ver uma fascinante aventura de ficção científica: THX 1138, primeira longa-metragem de George Lucas, produzida em 1971, quando o seu autor ainda era uma rapaz simples. Enfim, por volta das duas da madrugada, uma preciosidade absoluta: um concerto dos Nirvana, gravado em 1992, no Festival de Reading.
O panorama é revelador do contexto televisivo em que definhamos. De facto, será preciso uma enorme hipocrisia argumentativa para sustentar que estes três programas convocam referências indecifráveis pelo comum dos cidadãos ou pertencem a zonas mais ou menos esotéricas de consumo. Nada disso: são mesmo casos modelares de uma cultura visceralmente popular que, no nosso radioso Portugal, foram empurrados para zonas de consumo mais ou menos “especializado”. Mérito da RTP2, sem dúvida. Mas também sintoma muito cru da degradação geral dos padrões televisivos.
Ultimamente, essa degradação faz-se através da boa consciência dos debates. Boa consciência, insisto. Muitos profissionais e decisores das nossas televisões resistem, heroicamente, a qualquer sentimento de culpa através da multiplicação dos espaços de “discussão”. E quando falo em multiplicação, a palavra apenas peca por defeito. Na verdade, será preciso que alguém nos explique em que é que horas e horas de “análise” do penalty que foi e do “penalty” que não foi contribuem para uma salutar relação com esse desporto fascinante que dá pelo nome de futebol. Será preciso também que possamos compreender como é que horas e horas de especulação sobre os palavrões que José Sócrates disse ou não disse favorecem a energia democrática da nossa sociedade. Apetece aplicar a pedagogia do saudoso Diácono Remédios e dizer: “qualquer dia”... discute-se se o primeiro-ministro pensou em aplicar alguma asneira começada por “f”, ou se terá ficado pelas letras antes do “f”. Herman José faz-me falta, reconheço. Coisas de intelectual, não liguem.
A noite de hoje [27 de Novembro], na RTP2, é um luxo. Assim, podemos começar com mais um episódio de Mad Men, série que nos mostra, serenamente, que o principal aparelho político das sociedades modernas se chama... publicidade. Por volta da meia-noite e meia, será possível ver uma fascinante aventura de ficção científica: THX 1138, primeira longa-metragem de George Lucas, produzida em 1971, quando o seu autor ainda era uma rapaz simples. Enfim, por volta das duas da madrugada, uma preciosidade absoluta: um concerto dos Nirvana, gravado em 1992, no Festival de Reading.
O panorama é revelador do contexto televisivo em que definhamos. De facto, será preciso uma enorme hipocrisia argumentativa para sustentar que estes três programas convocam referências indecifráveis pelo comum dos cidadãos ou pertencem a zonas mais ou menos esotéricas de consumo. Nada disso: são mesmo casos modelares de uma cultura visceralmente popular que, no nosso radioso Portugal, foram empurrados para zonas de consumo mais ou menos “especializado”. Mérito da RTP2, sem dúvida. Mas também sintoma muito cru da degradação geral dos padrões televisivos.
Ultimamente, essa degradação faz-se através da boa consciência dos debates. Boa consciência, insisto. Muitos profissionais e decisores das nossas televisões resistem, heroicamente, a qualquer sentimento de culpa através da multiplicação dos espaços de “discussão”. E quando falo em multiplicação, a palavra apenas peca por defeito. Na verdade, será preciso que alguém nos explique em que é que horas e horas de “análise” do penalty que foi e do “penalty” que não foi contribuem para uma salutar relação com esse desporto fascinante que dá pelo nome de futebol. Será preciso também que possamos compreender como é que horas e horas de especulação sobre os palavrões que José Sócrates disse ou não disse favorecem a energia democrática da nossa sociedade. Apetece aplicar a pedagogia do saudoso Diácono Remédios e dizer: “qualquer dia”... discute-se se o primeiro-ministro pensou em aplicar alguma asneira começada por “f”, ou se terá ficado pelas letras antes do “f”. Herman José faz-me falta, reconheço. Coisas de intelectual, não liguem.