quinta-feira, novembro 26, 2009

Discos da semana, 23 de Novembro

Gosta de viver a sua vida, entre os seus, no seu espaço. Um disco de quando em vez… Alguns concertos, mas não muitos… Em 2008 fez-se novamente à estrada. 28 noites no total, numa agenda que cruzou apenas algumas cidades nos EUA e algumas mais em território europeu. À digressão Tom Waits chamou-lhe Glitter and Doom. Foi festim para poucos, o disco duplo que agora nos chega dando conta, e com as limitações que qualquer retrato inevitavelmente tem contra o valor da experiência de viver os factos in loco, do que passou ao largo de quem falhou um lugar entre aquelas plateias. E é caso para sentir inveja. Tom Waits é uma figura de raro e muito peculiar estatuto entre o mundo de quem gosta de música (e também o de quem a faz). Admirado entre os admirados, é um veterano que soma vivências que amplifica (e encena) numa música que nasce numa espécie de traseiras abandonadas onde cacos e pedaços de memórias são lançados (mas não esquecidos). É um bizarro pregador de assombrações. E, também, um raro (no sentido de ser único) contador de histórias. O alinhamento de Glitter and Doom Live visita estes vários traços da sua personalidade e obra, numa mão cheia de 17 canções que não só cruzam tempos (e vários discos), como traduzem tanto o herdeiro de tradições com ecos no mundo do cabaret, dos blues, folk ou jazz, mas também o experimentador de texturas e formas. O contador de histórias, esse mora num segundo CD, com mais de meia hora de narrativas extraordinárias que levou a cena. O disco é uma colagem de momentos escutados entre palcos diferentes, reunidos agora um pouco como as fotos que, juntas depois num álbum, contam (e recordam) como foi uma viagem. Não é uma antologia levada a palco. Mas, decididamente mais abrangente que Big Time (de 1988), é o disco gravado em palco que assegura agora a presença de Tom Waits entre aqueles raros (muito raros mesmo) autores de discos ao vivo que acrescentam algo de significativo a uma discografia.
Tom Waits
“Glitter and Doom Live”
Anti / Edel
5 / 5
Para ouvir: MySpace


Não é inédita entre nós a criação de uma música concebida, à partida, segundo as necessidades de uma ideia performativa. Os Mão Morta, por exemplo, já o fizeram em várias ocasiões, com propostas de absoluta referência em discos (depois com expressão em vídeo, ler DVD) em Muller No Hotel Hessicher Hof ou, mais recentemente, Maldoror. Os Micro Audio Waves, que de disco para disco reforçam um cada vez mais justificado protagonismo no panorama de uma música de afinidades pop feita de electrónicas em solo português, apresentam assim em Zoetrope, e sob parceria criativa com Rui Horta, mais uma significativa contribuição para o bom relacionamento entre a nova música pop portuguesa e as artes performativas. O disco que agora surge é um inevitável dois em um. Ou seja, um CD + DVD, o primeiro sendo a extensão áudio do segundo, afinal o retrato real da obra em si. O jogo de projecções e movimentos, que no DVD dá corpo à evolução das músicas em cena, confere ao todo uma identidade de conjunto da qual o CD é apenas banda sonora. Contudo, há neste disco novos sinais de uma vontade em explorar tanto as heranças (dos minimalistas norte-americanos aos pioneiros das electrónicas pop de meados de 70) como as linhas para lá dos horizonte, num diálogo que sugere aquela sempre viva sensação de descoberta. Sem dúvida, um dos acontecimentos da música portuguesa neste 2009.
Micro Audio Waves + Rui Horta
“Zoetrope”
Ed. Autor
4/5
Para ouvir: MySpace
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É o segundo disco ao vivo que os R.E.M. editam em dois apenas anos. Mas este traduz uma proposta substancialmente diferente (e bem mais interessante) que a que em 2007 encontrámos em R.E.M. Live (curiosamente o novo disco é também gravado em Dublin, embora numa outra sala). 39 Songs – Live At The Olympia é uma colecção de gravações captadas ao vivo durante uma residência de seis dias no Olympia Theatre, entre 30 de Junho e 5 de Julho de 2007. Estes concertos representaram então, além de um espaço de reencontro com canções de diversas fases da sua obra (em alguns casos despertando memórias mais remotas), uma espécie de laboratório de ensaio para os temas que então se preparavam para gravar em Accelerate, álbum que seria editado em 2008, revelando um reencontro da música do grupo com uma personalidade mais eléctrica que nos dias de inícios e meados de 80 habitara, com maior protagonismo, nas suas canções. O ambiente que o álbum do ano passado acabou por reflectir já aqui se desenhava ora nas escolhas de memórias mais remotas evocadas, ora mesmo em novas abordagens a alguns temas mais recentes aqui revisitados. Não se trata portanto de um baralha e volta a dar, com palmas e entusiasmo de uma plateia de admiradores, mas antes o registo de um instante, exposto perante um público, em que a memória se cruzou com o pensar de um futuro próximo. Convenhamos que não é habitual vermos uma banda a editar registos ‘live’ de etapas de ‘work in process’. E é essa característica, algo frágil, que faz deste um instante particularmente interessante.
R.E.M.
“39 Songs – Live At The Olympia Theatre”
Warner
4 / 5
Para saber mais: site oficial
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Há pouco mais de três anos o álbum Music For Tourists dava conta da entrada em cena de uma nova voz frágil e subtil. Natural de Boston, educado entre Paris e New Jersey e com vida hoje feita em Nova Iorque, Chris Garneau mostrava logo no seu disco de estreia marcas de um gosto por uma pop de câmara, por vezes de intensidade dramática quase teatral, frequentemente entregue a diálogos entre a voz e o piano nas quais se revelavam mais heranças de tempos remotos que uma relação com as linhas e formas do presente ao seu redor. Com apenas um EP a marcar terreno neste intervalo, surge em 2009 com um segundo álbum no qual, sem evitar as rotas e destinos a que o primeiro apontara, procura agora expandir horizontes a uma música que, pelas canções do primeiro disco, sugerira uma talvez excessiva insistência num mesmo comprimento de onda, dessa falta de ginástica nascendo o único senão de Music For Tourists. O segundo álbum, a que chamou El Radio, é um ciclo de canções, dividido em quatro partes, cada qual expressando ambientes e histórias segundo as estações do ano. Uma mesma melancolia e fragilidade habitam as novas canções onde, todavia, um novo arrojo, por vezes quase barroco, se revela nos arranjos. Mais ainda que no primeiro álbum Chris Garneau mostra ser um herdeiro da tradição da canção de bar e do palco. Pode não ter a visão (nem a versatilidade) de um Rufus Wainwright, nem a voz de um Antony Hegarty, mas é claro morador de um edifício que não é estranho a esses outros dois inquilinos.
Chris Garneau
“El Radio”

Absolutley Kosher
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Na música não há toques de Midas. Ainda há oito anos a presença de Scott Walker na cadeira do produtor não fez muito pelo apenas mediano conjunto de ideias (ler canções) que os Pulp traziam para We Love Life, aquele que seria o seu último álbum. Pela mesma razão a presença, evidente, de Diplo na ficha técnica do álbum de estreia em nome próprio de Amanda Blank não é condição suficiente para elevar os ingredientes em jogo muito além das suas reais potencialidades. Natural de Filadélfia, já tinha deixado interessantes cartões de visita em trabalhos de colaboração vários, nomeadamente com Spank Rock, assim como em primeiros singles (e EP) assinados por si mesma. I Love You, o seu álbum de estreia, parece fazer questão de vincar uma abertura a horizontes largos, ora acolhendo traços de uma vivência hip hop (como em Lemmie Get Some, onde contracena com Chuck Inglish), ora acendendo as luzes da pista de dança, por exemplo ao sabor de genéticas italo disco em DJ… Chama Lykke Li ou Spank Rock a parcerias, dá-nos bons exemplos de assimilação de linguagens electro em Might Like You Better. Pisca o olho a Santigold e M.I.A. Não alcança contudo o seu patamar, sobretudo no cardápio das canções, por vezes de visão bem desigual, que povoam o alinhamento. O todo não é um tiro ao lado, mas na verdade Amanda Blank só mostra pontaria certeira em poucas destas canções.
Amanda Blank
“I Love You”
Downtown / Popstock
2 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Francisco Ribeiro, Miles Davis (caixa), Britney Spears (best of), Lady GaGa (repackage com novo EP), Landscape (reedições)

Brevemente:
30 de Novembro: Tricky, Pixies (caixa), Spiritualized (reedição),Sparks (ed especial vinil), Manu Chao, Blakroc, Rolling Stones (reedição), Atlantic Records (antologia), Foo Fighters, The Cinematics, Morrissey (caixa)
7 de Dezembro: Três Cantos, Echo & the Bunnymen (live), Paul McCartney (CD + DVD), Timbaland, Cluster (reedição), Roxy Music (live), The Beatles (USB)
14 de Dezembro: Animal Collective (EP), Pet Shop Boys (EP), Sonic Youth

Dezembro: Rolling Stones (reedição), Joni Mitchell (reedições), Cluster, Judy Garland (live)
Janeiro 2010: Vampire Weekend, Final Fantasy, Magnetic Fields, William Orbit, Laura Veirs, Lindstrom + Christabelle

PS. O texto sobre os R.E.M. é uma versão editada de uma crítica publicada na revista NS a 21 de Novembro.