sexta-feira, novembro 30, 2007

Eles andam aí...

Assinalam-se este mês os 30 anos da estreia do filme Encontros Imediatos do Terceiro Grau através do qual, e na sequência de Tubarão (1975), Steven Spielberg cimentou o o seu estatuto, então em clara afirmação. Contemporâneo de A Guerra das Estrelas e de um momento de retomada de fôlego do cinema de ficção científica, este filme não só era herdeiro de uma certa obsessão pelo avistamento de ovnis que fazia notícias, sobretudo nos EUA, desde os anos 50, como retomava, contra a norma das memórias de raptos e invasões das séries B de 50 e 60, um olhar diferente, não agressivo, não ansioso, pelos eventuais cenários de visita de extra-terrestres com antecedentes em filmes como The Day The Earth Stood Still, de Robert Wise (1951), The Man Who Fell To Earth (1976), de Nicholas Roeg, ou Starman,de John Carpenter (1984) e que o próprio Spielberg retomaria, cinco anos depois, em E.T. Um filão com reflexos, depois, em Cocoon, de Ron Howard (1985), O Abismo, de James Cameron (1989) ou Contacto, de Robert Zemeckis (1997), este nascido de um romance de Carl Sagan.

O título do filme, Encontros Imediatos do Terceiro Grau, decorre do terceiro grau de uma escala definida pelo “ovniologista” J. Allen Hynek (primeiro grau: avistamento; segundo: evidências físicas, terceiro: contacto). O acompanhar da narrativa soma uma série de acontecimentos que convergem, depois, para um encontro com uma nave mãe e, então, o contacto com os seus ocupantes, ou seja, o encontro de terceiro grau. Usando a tecnologia da época (modelos e técnicas clássicas de efeitos especiais), apostando numa banda sonora que toma considerável protagonismo (uma vez que se descobre um código musical de comunicação com os alienígenas), e um elenco onde o realizador reencontrava Richard Dreyfuss e acolhia a presença de um dos seus ídolos, François Truffaut, Encontros Imediatos do Terceiro Grau tornou-se paradigma de uma atitude positiva sobre uma eventual visita de seres de outros mundos. O sucesso do filme sublinhou o entusiasmo de multidões sobre a temática. Curioso o facto de, numa entrevista recente, Spielberg se mostrar hoje mais céptico que há 30 anos sobre uma eventual visita como a que o seu filme retrata. A assinalar os 30 anos da estreia, um DVD especial surge no mercado português, com três discos nos quais encontramos, além das versões original e “especial” do filme, um making of em três partes, um documentário sobre os 30 anos do filme e um outro sobre avistamento de ovnis. Para recordar, aqui fica o trailer original, de 1977.

Grace Jones regressa em 2008

Grace Jones vai editar um novo álbum em 2008. Corporate Cannibal, que conta com as colaborações de Brian Eno e Tricky, será o seu primeiro álbum após 18 anos de silêncio.

Cabelos e secadores... acção!

Chamam-se The Brunettes, são de Auckland, na Nova Zelândia e, de certa forma, uma versão pop (com tempero new wave) do modelo de duo à White Stripes. O seu álbum Structure and Cosmetics está a ser editado em territórios europeus pela Sub Pop. E como aperitivo aqui fica o teledisco do single Her Hairagami Gear, história de cabelos, secadores, barbies feias e barbies bonitas, com refrão que lembra os clássicos de Lee Hazlewood para Nancy Sinatra...

Canções de Fausto em colectânea

Enquanto conclui a terceira parte da sua trilogia sobre os descobrimentos (que envolveu já os álbuns Por Este Rio Acima e Crónicas da Terra Ardente), Fausto apresenta uma colectânea de temas reunidos tematicamente. 18 Canções de Amor e Mais Uma de Ressentido Protesto junta alguns “clássicos” como Namoro ou Rosalinda, procurando o alinhamento o encontrar de uma lógica coerente que justifique a construção de uma identidade própria para o disco. Consegue-o, de facto. Pena que a edição contemple apenas, no booklet, as letras, e não sirva alguma informação adicional, complemento que faria todo o sentido no recontextualizar das magníficas canções que aqui se apresentam. Nem que, para lembrar, pelo menos, o disco de origem de cada um dos temas agora reunidos.

quinta-feira, novembro 29, 2007

E o melhor biopic rock'n'roll é...

Há uma semana lançámos uma votação centrada nos filmes que têm levado histórias de ícones da cultura rock’n’roll para o grande ecrã. Histórias de músicos e bandas. A votação foi clara e expressiva em volta de Control, que evoca a figura de Ian Curtis, e representa a primeira experiência no cinema do fotógrafo e realizador Anton Corbijn. Além deste filme, só os biopics sobre os Doors e Johnny Cash chamaram uma votação expressiva. Aqui ficam os resultados desta votação:

Control (2007, Anton Corbijn) – Ian Curtis – 43%
The Doors (1991, Oliver Stone) – The Doors – 24%
Walk The Line (2005, James Mangold) – Johnny Cash – 23%
La Bamba (1987, Luis Valdez) – Ritchie Valens – 4%
Sid & Nancy (1986, Alex Cox) – Sid Vicious – 2%
Beyond The Sea (2004, Kevin Spacey) – Bobby Darin – 1% (*)
Backbeat (1994, Ian Softley) – Stuart Sutcliffe e Ray (2004, Taylor Hackford) – Ray Charles – 1%
Stoned (2005, Stephen Wooley – Brian Jones – 0% (**)

(*) Apesar da igualdade em percentagem no arredondamento à unidade, Beyond The Sea somou mais votos que Backbeat e Ray.
(**) Stoned, mesmo com 0% no arredondamento, somou um voto.

Dançar ao som de... Joy Division

Convenhamos que a paródia é certeira. Quantos dançam hoje, em “delírio” inconsequente ao som de clássicos como Love Will Tear Us Apart, She’s Lost Control ou Transmission, como se fossem hinos de festa "alternativa"? Let’s Dance To Joy Division é uma das melhores canções do álbum de estreia dos Wombats. Aqui fica o teledisco.

A estreia em álbum de Mazgani

Há cerca de um ano, as duas contribuições de Mazgani estavam entre as mais promissoras revelações da compilação em mp3 Acorda. Meses depois, novos sinais de promessa chegavam num outro tema, incluso na mais recente edição dos “novos talentos” da Fnac. O álbum era, portanto, e para muitos, um curioso (e esperado) mistério a caminho. Song Of The New Heart chega finalmente aos escaparates, revelando todavia um trabalho de banda que, na verdade, por vezes se mostra demasiado presente, insistente, ceifando algum protagonismo a uma voz de grande personalidade e a um satisfatório leque de canções. É nos momentos mais próximos da placidez acústica, de genética mais próxima da folk (mas aberta a contaminações) como em Strong & Holy, que o disco revela o potencial que recordamos do que as maquetes e os showcases a solo sugeriam e o álbum não cumpre em pleno. Todavia, mais que o “amansar” da banda a seu lado, o grande desafio que se coloca agora a Shahryar Mazgani decorre da sua magnífica colaboração no recente tributo a Adriano Correia de Oliveira: a descoberta do canto em português. E, em lugar do que neste disco se mostra apenas como mais um entre tantos, talvez brotasse uma outra surpresa...

quarta-feira, novembro 28, 2007

'Independança' finalmente em CD

25 anos depois de editado, Independança finalmente conhece hoje edição em CD. O primeiro álbum dos GNR, que era uma das pérolas “esquecidas” pelo digital português, é um dos cinco títulos (juntamente com discos de Jorge Palma, Tantra, Sheiks e Manuela Moura Guedes) que abrem uma série de reedições de álbuns do catálogo da Valentim de Carvalho. Nesta sua reedição o disco surge com o som remasterizado, acrescentando ao alinhamento original sete temas extra que correspondem às faixas então editadas nos singles Portugal na CEE (1981), Sê Um GNR (1981) e no máxi-single Twistarte (1983). O “completo” retrato dos GNR de 1981 a 83, de que esta edição é retrato, poderia ter juntado ainda ao alinhamento a versão “curta” de Avarias que ocupava a face B do single Hardcore (1º Escalão), editado em 1982.

Independança é um dos discos mais importantes da primeira geração pop/rock portuguesa de 80 e, claramente, um dos mais interessantes momentos da obra dos GNR, podendo-se mesmo afirmar como o seu melhor disco (com concorrência próxima dos imediatamente sucessores Defeitos Especiais, de 1984 e Os Homens Não Se Querem Bonitos, de 1985). Trata-se de um espaço de invulgar liberdade e fulgor criativo, mostrando vários pólos de interesse, diversas rotas estéticas, múltiplas ideias e formas. O álbum permite a coexistência de uma identidade pop com uma pulsão experimentalista que então habitava entre a banda, “conflito” de valores que ditaria, pouco depois, o afastamento de Vítor Rua, que concentraria então as atenções nos Telectu. A face A é uma exposição de vitalidade pop, atenta às linguagens do seu tempo (o disco é um dos mais coesos reflexos em Portugal da cultura pós-punk), e na qual se guardam algumas das mais contagiantes canções dos GNR, de Hardcore (1º Escalão) a Dupond & Dupond, de O Slow Que Veio do Frio ao Agente Único. Nelas se reflecte um sentido plástico infinitamente mais rico que na esmagadora maioria das bandas portuguesas da época, assim como se revelava a poética de Rui Reininho, que no álbum assinalava ainda a sua estreia no grupo. A mitologia pop portuguesa (se é que tal coisa existe) tende contudo a evocar frequentemente Independança pelo bizarro Avarias, “épico” free-rock que ocupa a totalidade dos 27 minutos de som da face B. Trata-se de uma experiência mais curiosa que musicalmente marcante, assinalando sobretudo uma postura de desafio formal que Independança acolhe na perfeição.

Touros, rock'n'roll y... olé!

Conquest é o terceiro single extraído do álbum Icky Thump, dos White Stripes. A acompanhá-lo um teledisco bem humorado, piscando o olho ao burlesco, e que relvela a face comediante de Jack White, num cruzamento entre os velhos heróis da comédia dos dias do cinema mudo e o Johnny Depp, em registo pirata. Como a música sugere, a cena decorre em plena tourada. Mas, contra a norma, a coisa acaba de forma diferente do habitual...

Um 'Abril' pouco entusiasmante

É uma desilusão o álbum de versões de José Afonso recentemente editado por Cristina Branco. Mesmo mais consistente que a multidão de homenagens a José Afonso que o ano escutou, de aplaudir pela opção de não cristalização da voz (e obra) num só registo e caminho, e sobretudo interessante pela abordagem jazzística dos arranjos de Ricardo J. Dias, Abril revela, por um lado, um alinhamento previsível que, salvo muito pontuais excepções, se faz de mais abordagens aos “clássicos” mais "incontornáveis". Falta, assim, um jogo de mais profunda relação de quem homenageia com quem é homenageado, falta o encontrar de quem canta em quem é cantado, a procura das “suas” canções de referência e não apenas das que o tempo elegeu como as mais populares. Depois, a voz de Cristina Branco conhece aqui inesperada irregularidade na abordagem às canções, ora segura (como em Canto Moço ou na Avenida de Angola), ora perdida em excessos de agudos (como no Menino d'Oiro ou Senhor Arcanjo) que não mostram nem o seu melhor nem a mais interessante forma de abordar estas canções. A milhas, portanto, dos melhores discos da cantora.

terça-feira, novembro 27, 2007

Discos da semana, 26 de Novembro

Se há um ano a estreia de Burial justificou entusiasmo e atenção, o seu segundo disco confirma em pleno a sua afirmação como um dos mais interessantes criadores musicais do presente. Mantendo firme o anonimato (sabe-se apenas que reside em Inglaterra), não como jogo para concentração de discurso mediático, antes como opção que visa destacar esta música de uma história de vida concreta, mantendo intacta a sua identidade abstracta, Burial consegue em Untrue novos e espantos feitos plásticos sem que, na verdade, se tenha afastado dos métodos e formas que nos deram o álbum de estreia. Aqui se cruzam ecos das genéticas dubstep com um sentido ambiental, sobretudo textural, que muito deve também ao mais remoto, mas não menos influente, tom sombrio que brotou, via trip hop, de alguma produção inglesa de inícios de 90. As vozes são um elemento fulcral na definição dos acontecimentos em Untrue. Aqui escutamos canções que não são canções, porque evitam a sua estrutura e formas. Antes, paisagens onde vozes (que não escondem provir de escola R&B) se perdem entre batidas, samples (Jean Michel Jarre é um dos “pilhados”), sugestões melodistas e cenografias. Untrue é uma colecção de pequenos ladrilhos que, juntos, pavimentam um espaço que, no fim, revela técnicas e ideias mais próximas da composição visual em artes plásticas que nas habituais mecânicas de construção musical na idade do laptop. Esta é uma música misteriosa, intrigante que, audição a audição, pede que nela nos percamos. A cada reencontro aprofunda-se uma intimidade, mas as sombras e mistérios na verdade nunca se dissipam, tal como a luz do dia nunca se acende a meio de uma viagem tardia, noite dentro, a meio de uma cidade adormecida. Na verdade, Untrue é como uma viagem como esta que se sugere. Nocturna, desgastada, sonolenta, talvez narcotizada. E por isso, apesar de abstracta e anónima, esta é a música que mais bem hoje descreve a geografia onde nasce. Ou seja, sem o parecer, uma polaroid turva da noite, fora de horas, na Londres neste início de milénio. Um dos melhores discos do ano. E uma obra pela qual, um dia, o nosso tempo poderá ser recordado.
Burial
“Untrue”

Hyperdub Records / Flur
5/5
Para saber mais: Site da editora


Editado nos EUA há já alguns meses, mas só agora lançado em Portugal, o álbum de estreia do duo The Bird And The Bee revela novos sinais de abertura a horizontes pop por parte da editora Blue Note. O duo é constituído pela cantora Inara George (a “abelha”) e pelo produtor e instrumentista Greg Kurstin (o “pássaro”), este último com trabalhos de estúdio assinados para Lilly Allen ou os Flaming Lips e membro dos Geggy Tah (uma das bandas mais interessantes reveladas pela Luaka Bop, de David Byrne). O jazz mora na história musical de ambos os músicos. Porém, The Bird and The Bee revela antes uma pop melodista, luminosa, discreta. Apesar de eventuais traços de familiaridade com umas Au Revoir Simone e, eventualmente, Broadcast e Bjork (fase Vespertine, sobretudo em Spark), esta é uma música que, passado a estranheza do primeiro encontro, acaba por conquistar, pedindo a curiosidade, não saciada, que a ela regressemos. Na verdade, este é um álbum que usou como cartão de visita (leia-se singles) as suas canções menos interessantes. E é, depois de passado o apenas interessante Again & Again e o ainda menos surpreendente (mas extremamente bem sucedido) Fucking Boyfriend, que as surpresas mais suculentas do disco se revelam, numa sucessão de canções doces, ternas, sedutoras. É portanto, para lá dos apenas medianos singles daqui extraídos, que se revela uma pop de requinte gourmet, feita do encontro de electrónicas e melodias com uma voz cativante e sugestiva. É nestas canções, mediaticamente “escondidas”, e com espantosos (mas discretos) arranjos, que saboreamos a forma como o duo recontectualiza heranças da canção dos anos 50 e 60, transforma genéticas do jazz vocal em pop, revela afinal um sentido de elegância que não esconde um gosto pelas obras de Burt Bacharah ou Brian Wilson.
The Bird and The Bee
“The Bird and The Bee”

3/5
Blue Note / EMI Music Porugal
Para ouvir: MySpace


O nunca editado Chrome Dreams, de 1977, é um dos mitos da obra de Neil Young. O disco, que reunia peças dispersas, representando vários caminhos e demandas musicais, acabou por não conhecer nunca a luz do dia como um todo, apesar de muitas das canções nele supostamente contidas terem, depois, encontrado segundas vidas em posteriores álbuns, revelando assim pérolas que hoje são clássicos, entre os quais Like a Hurricane ou Powderfinger. Chrome Dreams ficou assim, um pouco para a história dos mitos rock’n’roll como o célebre Smile dos Beach Boys (na verdade nunca editado na sua versão original, apesar da regravação recente de Brian Wilson). E ao longo dos últimos 30 contam-se os admiradores que criaram versões bootleg, cada qual tentando alcançar, por soma de peças soltas, o álbum nunca editado. 30 anos depois, o Chrome Dreams II que Neil Young agora edita é como que uma sequela do original. Sequela porque, como no álbum perdido de 1977, Neil Young aqui recolhe uma série de peças soltas, algumas, na verdade, remontando até a inícios da década de 80, regravando-as com uma banda na qual junta vários parceiros, entre os quais o baterista dos Crazy Horse, Ralph Molina. Sem o fulgor do sublime Prarie Wind (2005) nem o viço da agenda política do díptico Living In War (2006), Chrome Dreams II é, ao mesmo tempo que uma espécie de celebração dos 30 anos de um mito, um compasso de espera no qual Neil Young parece aproveitar um título histórico (e o conceito que lhe era subjacente) para reagrupar uma colecção de peças do seu baú de notas esquecidas, mas não ignoradas. Nada contra, está no seu direito. E, mesmo com uma colecção irregular de canções, que vão desde as latitudes da folk e country aos terrenos mais eléctricos, em Chrome Dreams II temos uma saudável alternantiva ao vulgar “best of” ou ao “raridades e inéditos” agrupados nem que uma ideia os justifique reundidos. A peça central de Chrome Dreams II é o longo (porque com 18 minutos de duração) Ordinary People, um conto em forma de canção sobre vidas de gente comum. Porém, o melhor do disco reside em esquecidas notas soltas como Beautiful Bluebird ou Boxcar. Peças avulso de uma obra maior, que aqui conhece um menos vulgar processo de revisão e que, afinal, revelam que nem tudo o que é esquecido é, necessariamente, menor.
Neil Young
“Chrome Dreams II”
Reprise / Warner
4/5
Para ouvir: MySpace


Os ingleses não perderam ainda para as MTVs e afins a face mais genuína de uma tradição juvenil e festiva na sua história rock’n’roll. Animados por uma certa pose mordaz, talvez com escola no clássico humor corrosivo conhecido por aquelas latitudes, esta identidade provocadora ganha frequentemente ali novos cultores, como parece ser o caso dos The Wombats. Eles são dois rapazes de Liverpool e um amigo norueguês. Encontraram-se no Institute For Performing Arts e, depois de uma sucessão de discretos singles em pequenas independentes, começam a arrecadar entusiasmos com álbum de estreia que agora editam, e com os hinos pop que dele começam a ser extraídos, nomeadamente os irresistíveis Kill The Director e o mais recente Let’s Dance To Joy Division, este uma hilariante paródia às multidões que dançam, bebem e sorriem ao som de verdadeiros monumentos à sombra, dor e solidão. Ao contrário de muitos dos ícones indie do presente, os Wombats redescobriram um sentido de verdadeiro prazer e festa na pop que nos oferecem. A sua música (e os adjectivos de franco entusiasmo que a tem acompanhado nos últimos meses) sublinha contudo que festa não é sinónimo de prazer vazio. As suas canções ostentam essa rara capacidade de falar claro, ir direito aos assuntos, usar o humor e a boa disposição ao serviço da partilha de ideias e histórias. Neste seu álbum mostram várias canções que revelam uma “fórmula” ganhadora que junta escolas indie, pulsão dançável e a demais condimentação em tons maiores que faz os hinos. Resta ver se, depois, haverá vida além desta festa. Ou se, como em tantos outros casos (e os Kaiser Chiefs são recente exemplo disso mesmo), as ideias se esgotam e as visões de outrora cedem ao mais do mesmo de que se faz a esmagadora maioria da produção pop/rock...
The Wombats
“A Guide To Love, Loss & Desperation”
14th Floor Records / Compact
3/5
Para ouvir: MySpace


O reconhecimento dos feitos de bandas como os Animal Collective e TV On The Radio abriu entretanto alas à entrada em cena de uma multidão de novos criadores de híbridos que, sob uma mesma promovem encontros de músicas que provém dos mais diversos tempos e lugares. Com os preços das rendas em Manhattan em verdadeira euforia upa-upa, Brooklyn tornou-se o pólo mais vivo da nova música que brota em Nova Iorque. E é de Brooklyn que chegam os Yeasayer, quarteto a fechar o primeiro ano de vida discográfica com um álbum de estreia que em tudo parece confirmar as expectativas de há alguns meses quando o seu single de estreia Sunrise/2080 entrou em cena sob o entusiasmo dos novos pólos de difusão do gosto indie. Herdeiros, de certa forma, da panculturalidade sob medula pop que David Byrne explora desde finais de 70 (nos Talking Heads, com Brian Eno ou a solo), mostram ser gente de horizontes vastos nas canções que registam em All Hour Cymbals. Sunrise, que abre o disco, revela novo solo fértil para velhas sementeiras gospel. Wait For The Summer, logo a seguir, cenógrafa cantos e ritmos de ascendência nativa num clima que herda sabores e tons do grande livro do psicadelismo. Segue-se 2080, onde África aflora, por via do dedilhar de uma guitarra, num clima pop de genética indie. Sente-se a presença dos Beatles, Beach Boys, dos Tears For Fears, Black Sabbath...! Reconhece-se a dada altura um gosto pelo progressivo... E os dados estão lançados... A paleta de referências consultada é vasta. Demasiado vasta, revelando o híbrido final uma surpreendente coesão entre tamanho potencial de dispersão. Este é um álbum que pede tempo a quem o escuta. Sugere uma relação que se constrói de reencontros. E que no fim compensa em pleno a sede de quem procura, sob condimentos conhecidos, um sabor a novo. As canções são interessantes, alimentando desde já a curiosidade para acompanhar futuras manifestações de uma personalidade que, para já, se apresenta com um álbum que sabe surpreender. Magnífica estreia!
Yeasayer
“All Hour Cymbals”
We Are Free / Sabotage
4/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Scissor Sisters (DVD), GNR (reedição), Jorge Palma (reedição), Tantra (reedição), Manuela Moura Guedes (reedição), Sheiks (antologia), Gorillaz (compilação), Live Earth, Ryan Adams (EP), Damien Rice, Nine Inch Nails, Whitest Boy Alive, Mazgani

Brevemente:
3 de Dezembro: Rufus Wainwright (DVD – Judy Garland), U2 (reedição), Jean Michel Jarre (regravação de Oxygene), Gravenhurst, The Magnificents, Echo & The Bunnymen (best of), The Wedding Present (live), Siousxie & The Banshees (reedições), Monkees (best of), Tom Tom Club (reedição)
10 de Dezembro: Rufus Wainwright (CD – Judy Garland), Muse live), Pink Floyd (caixa), Happy Mondays (reedições), Sylvain Chauveau, John Lennon (reedição), Caetano Veloso (DVD)

Dezembro: Johnny Greenwood, Radiohead, Montag
Janeiro: Magnetic Fields, British Sea Power

segunda-feira, novembro 26, 2007

Os actores americanos face à greve

Sejam quais forem os seus efeitos práticos, a greve dos argumentistas americanos (cinema/televisão/rádio) vai ficar como um marco nas relações entre os criadores de ficção e os detentores do poder económico nos estúdios e... na Internet — isto porque a (re)distribuição dos rendimentos angariados através dos novos canais digitais está no centro das discussões e reivindicações.
Os profissionais americanos encontram-se fortemente mobilizados para a situação, sendo o blog United Hollywood um local de eleição para acompanhar os acontecimentos e compreendermos o que está em jogo. Os actores, em particular, têm contribuído através da criação de uma série de videos que, de forma muito simples e contundente, mostram aquilo a que ficam reduzidos sem a escrita dos argumentistas. O movimento chama-se Speechless ("sem palavras") — Sean Penn, Susan Sarandon, Harvey Keitel, William H. Macy, Rosanna Arquette, Laura Linney, Matthew Modine e muitos, muitos outros, estão envolvidos no processo. Este é um dos seus videos.



Realização: George Hickenlooper, Alan Sereboff, Kamala Lopez, Jill Kushner e Michal Shemesh
Equipa técnica: Joel Marshall e Justin Shumaker
Música: Mother Tongue
Elenco: David Schwimmer, Kate Beckinsale, Chic Eglee, Susan Sarandon, Benito Martinez, Walton Goggins, Sean Penn, Richard Benjamin, Paula Prentiss, Paula Garces, Garry Marshall, Lizzy Caplan, Holly Hunter, John Amos, Gary Dourdan, Matthew Perry, Bill Hader, Robert Patrick, James Lemar, Joshua Jackson, Matthew Modine, Bill Macy, Andre Benjamin, Rosanna Arquette, Jill Kushner, Chazz Palminteri, Cch Pounder, Tim Robbins, Sean Penn, Christine Lahti, Eva Longoria, Patricia Clarkson, Amy Ryan, Frances Fisher, Justine Bateman, Jason Bateman, Ed Asner, Nicolette Sheridan, Felicity Huffman, America Ferrera, Judith Light, Rebecca Romijn, Ana Ortiz, Ashley Jensen, Mark Indelicato, Tony Plana, Freddy Rodriguez, Eric Mabius, Christopher Gorham, Michael Urie, Laura Linney, Alan Cumming e Michael Jace.

A IMAGEM: Richard Avedon, 1968

Richard Avedon
Twiggy
in "The Sixties"

Duran Duran: pop + pop

O teledisco de Falling Down, dos Duran Duran, já aqui mereceu o devido destaque. As suas imagens são o pretexto para uma nova reflexão sobre as iconografias pop — texto publicado no Diário de Notícias (25 Nov.), com o título 'Reinvenções pop segundo os Duran Duran'. >>>

Em 1981, a canção Girls on Film foi uma peça decisiva na afirmação dos Duran Duran. Era o terceiro single do álbum de estreia da banda, intitulado apenas Duran Duran, e tornou-se objecto de generalizada polémica por causa do respectivo teledisco, dirigido pela dupla Godley & Creme (Kevin Godley e Lol Creme): a MTV passou-o em versão amputada e a BBC baniu-o dos seus canais.
O teledisco propunha uma deliciosa paródia visual que colocava os Duran Duran num cenário onde se cruzavam lutadores do “sumo” japonês com uma galeria de modelos que, por assim dizer, desafiavam a força dos corpos masculinos com os argumentos próprios das suas poses. Com mais ou menos interdições, Girls on Film acabaria por conquistar um lugar emblemático na história dos clips musicais, vindo mesmo a arrebatar, em 1984, um Grammy para o melhor video/versão curta, atribuído à edição conjunta de Girls on Film e Hungry Like the Wolf (do álbum Rio, de 1982); foi, aliás, a primeira vez que tal categoria surgiu no gigantesco palmarés anual dos Grammy.
Passados 26 anos, os Duran Duran decidiram revisitar as suas próprias memórias com o teledisco de Falling Down (do novo álbum Red Carpet Massacre), magnífico exercício de uma pop cristalina que, como se prova, não menospreza as suas raízes figurativas. Dirigido por Anthony Mandler, Falling Down revisita o universo da moda, tendo como cenário uma clínica para super-modelos, com os Duran Duran a tocar numa das suas salas e o vocalista Simon Le Bon, em impecável fato branco, a assumir a personagem de director da clínica.
Curiosamente, o teledisco vai buscar a sua inspiração mais próxima a um trabalho fotográfico: o fabuloso portfolio que Steven Meisel publicou na edição do passado mês de Julho da Vogue italiana. Chamava-se “Super Mods Enter Rehab” e, como o título sugere, colocava um conjunto de modelos nos espaços de uma clínica de desintoxicação das mais variadas formas de dependência. As imagens de Meisel oscilavam entre um realismo cru, muito físico, e um sentido de efabulação poética centrado nas tragédias mais íntimas dos corpos. Agora, Falling Down propõe-nos uma reinvenção algo irónica e distanciada das imagens de Meisel, explorando todas as potencialidades do teledisco como formato, não apenas de “ilustração” da música, mas também de criação de pequenas ficções de vocação mais ou menos simbólica.
A história iconográfica da pop faz-se destas interacções e, sobretudo, desta capacidade de expor a sedução e também as contradições das imagens do nosso próprio presente. Falling Down confronta-nos com a coexistência perversa das canções com o imaginário da moda, num jogo de atracção e repulsa que a música, de uma só vez, celebra e relativiza. Que seja uma banda veterana a relançar tal vocação, eis o que merece ser sublinhado, quanto mais não seja para resistirmos às muitas “revoluções” inócuas que todos os dias nos são vendidas em nome de uma visão simplista da “juventude”. E porque estas coisas nunca são indiferentes, importa também acrescentar que Meisel, o fotógrafo inspirador dos Duran Duran, é autor das imagens de um outro momento vital da história da iconografia pop: o livro Sex (1992), de Madonna.

Oscars 2007: o calendário

Faltam cerca de três meses para o espectáculo de atribuição dos Oscars referentes à produção de 2007 — como já é tradição, o evento terá lugar no Kodak Theater, em Los Angeles, estando marcado para um domingo, dia 24 de Fevereiro de 2008. Jon Stewart [foto] regressa como apresentador e o veterano Gilbert Cates volta a assegurar a produção do espectáculo.
O calendário entregue aos membros da Academia de Artes e Ciências Cinema-tográficas é este:
* 3 de Dezembro: limite de recepção dos créditos oficiais dos filmes candidatos
* 26 de Dezembro: envio dos boletins para as nomeações
* 12 de Janeiro: encerramento da recepção dos votos para as nomeações
* 22 de Janeiro: anúncio das nomeações (Samuel Goldwyn Theater, Los Angeles, 05h30, hora local)
* 30 de Janeiro: envio dos boletins de voto
* 4 de Fevereiro: festa de apresentação dos nomeados
* 9 de Fevereiro: entrega dos prémios científicos e técnicos
* 19 de Fevereiro: encerramento da recepção dos votos (17h00, hora de Los Angeles)
* 24 de Fevereiro: OSCARS.

... E para além do futebol?

Texto publicado na revista de televisão do Diário de Notícias (23 Nov.), com o título 'O que é isso de "cultura"?' >>>

Futebol é cultura.
Toda a gente o sabe, mas poucos o reconhecem. Futebol cola-se a valores nacionais e patrióticos, e isso é cultura. Futebol promove actividades publicitárias que veiculam modelos de comportamento social, e isso é cultura. Futebol tem protagonistas que não param de dissertar sobre dignidade (“perdemos com dignidade”), trabalho (“precisamos de continuar a trabalhar”) e organização hierárquica (“o mister é que sabe”), e isso é cultura.
Toda a gente o sabe, mas não vejo responsáveis pelas programações televisivas a reconhecê-lo. Ficar-lhes-ia bem, quanto mais não seja porque evitaria esse cinismo agressivo que insiste em proclamar que “isso” de cultura é coisa de filmes, livros e peças de teatro, coisas com que intelectuais e artistas insistem em aborrecer-nos.
Que futebol é cultura demonstra-o, uma vez mais, a promoção maciça dos recentes jogos da selecção nacional. Por mim, confesso, pertenço àquele lote de treinadores de bancada que considera que a equipa está a jogar cada vez pior... Mas isso não passa de um pormenor irrelevante. O que importa sublinhar é que não há memória de haver um mísero livrinho, nem um qualquer Saramago que mereça tanto tempo de antena (a não ser o grosseiro marketing de Harry Potter). Seria um disparate, aliás, se tal acontecesse. O que só reforça a pertinência da pergunta: porque é que os destinos da nação quase só se medem em termos futebolísticos? Não há mais cultura? Cristiano Ronaldo é um talento e uma simpatia, mas não há outros modelos de comportamento que se possam oferecer aos nossos jovens?

Os Pontos Negros: neo-punk?

A notícia é muito simples: há uma nova banda portuguesa — Os Pontos Negros — que importa ouvir. Aliás, o Nuno já o disse e sublinhou aqui, ao mesmo tempo recusando qualquer efeito de "sensação", desses que fazem a rotina de alguma imprensa, incluindo certos sectores da crítica, supostamente mandatada para, da música aos filmes, descobrir "uma-revolução-por-semana"...
A questão é, também ela, muito simples: pel' Os Pontos Negros passa uma multiplicidade de referências (dos Strokes a António Variações?...) que definem uma atitude criativa que se faz de duas vias de eleição: a alegre reconversão de uma sensibilidade a que apetece chamar neo-punk e a fixação muito directa num quotidiano cru, ambíguo e sempre desconcertantemente poético. Em Numerologia, por exemplo, eles cantam assim:

Um dia acordei e tentei
Vestir-te de palavras mil
Para não ter de explicar de cor
A tua geografia

Para ouvir. Para ver (as imagens são deliciosas de ironia e poesia). E para dizer que, no espaço das formas audiovisuais, há mais mundos para além da mediocridade asfixiante da "juventude-morangos-com-açúcar".

Chegaram os Pontos Negros

Apesar das raras (muito raras) manifestações de real e entusiasmante personalidade “roquenrole” de bandas portuguesas na língua oficial da coisa (leia-se o inglês), a multidão de novas bandas que vão surgindo, garagem após garagem, umas claramente com carros lá dentro e pouco espaço para ensaiar, insiste e insiste. Resultado: nada! Claro! Salvo pontuais casos, e mesmo esses não alheios ao eventual pontapé na gramática, mas com ar de “eu até leio livros em inglês”, o pop/rock lusitano enferma de inglesite atrofiante, reduzindo a esmagadora maioria das bandas e artistas a solo a pouco mais que a soma, amalgamada, das suas referências. Clones compósitos, por vezes com boas melodias, ocasionalmente grandes canções, uma ou outra vez com um disco digno de caber na nossa playlist. Mas salvo em casos de real labuta fora de portas, porque o sonho de ser escutado do lado de lá da fronteira não cai do céu, lá vemos a esmagadora maioria das bandas pop/rock portuguesas a mostrar que são uma espécie de upgrade do conceito de banda de covers. Ou seja, fazem o som, mas em vez de versões aplicam ali uns inéditos. Há excepções, sublinhe-se de novo, mas poucas. Muito poucas (e todas elas devidamente reconhecidas).

O aparecimento, cada vez mais evidente, de uma nova geração de bandas a cantar em português devolve ao presente a pulsão que no passado fez a diferença dos yé yés nos dias do Quarteto 1111 e Filarmónica Fraude ou que deu real visibilidade ao fenómeno pop/rock na primeira metade de 80. O desafio de encontrar uma expressão, em português, para modelos musicais que nos chegam com bilhete de identidade já conhecido é, chave segura para ensaiar personalidade (sem garantias, naturalmente). Para que cada um, por aqui, nas palavras que conhece, em que fala, lê e sonha, se encontre na música onde se quer também descobrir.

Não é por passadismo ou nostalgia dos “booms” passados que aqui se sublinha a opção pelo português na hora de cantar. Uma compilação, recentemente editada pela Chiado Records, assim como o Acorda (de Henrique Amaro) dá conta da extrema vivacidade e liberdade que brotam do Portugal musical actual. Porém, poucos daqueles nomes sobreviverão ao “é giro”... Poucas demonstrarão capacidade para sustentar uma carreira e mostrar que são mais que a tal amálgama de referências... Depois dos 2008 (de quem se espera disco... em 2008), a mais estimulante revelação do rock made in Portugal chega de Queluz, e canta em português. Chamam-se Pontos Negros e apresentam um EP de estreia no qual, apesar das ainda evidentes manifestações de admiração pelas “suas” bandas (o gosto pelos Strokes mora por ali), já revela a vontade de marcar um espaço, comunicar, desafiar a comunhão. O seu nome é uma espécie de jogo de contrários com ponto de partida nos White Stripes. Mas em vez de procurarem a aplicação directa dos templates admirados, mostram vontade de contar as suas histórias, as verdadeiras e as de eventuais personagens de ficção. Para já soam a trabalho em curso... Têm uma etapa de maturação e conquistas pela frente, que determinará os “sims” e as sopas... Mas mostram já um bom ponto de partida. Estejamos atentos a estes Pontos Negros.

Link para o MySpace da banda, onde se pode fazer o download gratuito do EP.

Corpos e um piano

The Piano é o novo single extraído do mais recente álbum de PJ Harvey. Aqui fica o teledisco, mais um espantoso exemplo de animação ao serviço da canção.

Sparks em reedição.

Introducing Sparks, o álbum que assinalou, em meados de 70, e depois de uma temporada em Londres, o regresso dos Sparks aos EUA vai ser finalmente editado em CD.

Os mundos de Steve McCurry

Steve McCurry, fotógrafo da agência Magnum tem um novo livro — chama-se In the Shadow of Mountains e recolhe retratos, paisagens e fotografias de rua obtidas ao longo dos últimos 27 anos. Nascido em Filadélfia, em 1950, McCurry possui uma obra monumental, realizada nos lugares mais inóspitos ou remotos do planeta, muitas vezes ao serviço da National Geographic, mas também acompanhando conflitos como a guerra Irão/Iraque e a Guerra do Golfo. Os seus retratos, em particular, reflectem a capacidade de descobrir as marcas de culturas muito específicas, sem no entanto menosprezar as singularidades de cada indivíduo.

domingo, novembro 25, 2007

Discos Voadores, 24 de Novembro

A reedição do álbum de estreia dos House Of Love é ponto de partida para a redescoberta da banda que, em 1988, era apontada como candidata à sucessão dos Smiths no trono pop indie britânico...

Okkervil River “Unless It’s Kicks”
John Vanderslice “White Dove”
Final Fantasy “Hed Dad!”
Gorillaz “Stop The Dams”
Shady Bard “Torch Song”
Kevin Ayers “Friends and Strangers”
House Of Love “Road”
Sean Riley & The Slowriders “Moving On”
Deerhof “Matchbox Seeks Maniac”
No Kids “Another Song”
New Pornographers “Challengers”
The Raveonettes “One Day At A Time”
Blonde Redhead “Top Ranking”
Clã “Mandarim”
Brisa Roché “Breathe In Speak Out”
Au Revoir Simone “Stars”

Duran Duran “Skin Divers”
The Killers + Lou Reed “Tranquilize”
David Fonseca “Kiss Me, Oh Kiss Me”
House Of Love “Sulphur”
House Of Love “Hope”
House Of Love “Love In a Car”
House Of Love “Man To Child”
House Of Love “Fisherman’s Tale”
House Of Love “Touch Me”
House Of Love “Destroy The Heart”
The La’s “There She Goes”
The Lilac Time “Return To Yesterday”
Love & Rockets “No New Tale To Tell”
Morrissey “Everyday Is Like Sunday”
House Of Love “Crush Me”
House Of Love “Never”
The Weatherman “If You Only have One Wish”

Discos Voadores - Sábado 18.00 / Domingo 22.00
Radar 97.8 FM
ou www.radarlisboa.fm

Discos Voadores 7.0: o set

A mais recente noite de Discos Voadores no Incógnito teve lugar numa noite de sexta feira (foi a 23 de Novembro). O regresso está marcado para finais de Janeiro. Até lá, fica o set list desta sétima sessão de ovnis dançantes.

Philip Glass + David Bowie “Heroes (Aphex Twin Remix)”
Murcof “Cometa”
Pantha du Prince “Saturn Strobe”
Lindstrom “Let’s Practice”
Future Sound Of London “Lifeforms”
Groove Armada “At The River”
Serge Gainsbourg + Howie B “La Ballade de Melody Nelson”
The Machines “Mon Coeur”
Darkel “Be My Friend”
Air “Surfin On A Rocket”
Fluke “Joni”
The Grid “Crystal Clear”
Midnight Juggernauts “Into The Galaxy”
Duran Duran “Skin Divers”
Trademark “Toe The Line”
DK7 “Where’s The Fun”
White Rose Movement “Girls In The Back”
Shout Out Louds “The Comeback”
The Teenagers “Startlett Johansson”
Protocol “Where’s The Pleasure”
Cat People “Everyone Can Tell You”
Editors “Smokers Outside The Hospital Doors”
Interpol “The Heirich Manouver”
The Cinematics “Break”
Air Traffic “Charlotte”
The Wombats “Kill The Director”
Radiohead “Just”
The Raconteurs “Steady As She Goes”
Frank Black “Threshold Aprehension”
Breeders “Cannonball”
The Royal We “I Hate Rock’N’Roll”
The Long Blondes “Giddy Stratospheres”
Yeah Yeah Yeahs “Kiss Me”
The Sounds “Painted By Numbers”
The Pipettes “We Are The Pipettes”
Kim Wilde “Camboja”
Blonde Redhead “Silently”
Lilly Allen “Alfie”
The B-52’s “Rock Lobster”
New Young Pony Club “Ice Cream”
Noblesse Oblige “Bitch”
The Kills “The Good Ones (Tiga remix)”
Klaxons “Gravity’s Rainbow (Soulwax remix)”
Chemical Brothers “Do It Again”
The Whip “Sister Siam”
Bloc Party “The Prayer”
Boys Noize “& Down”
Vitalic “My Friend Dario”
Arctic Monkeys “I Bet You Look Good On The Dance Floor”
Strokes “Juicebox”
The Hives “Return The favour”
The Jam “Going Underground”
Franz Ferdinand “Do You Wanna”
Bauhaus “Ziggy Sytardust”
David Bowie “Rebel Rebel”
Duran Duran “Girls On Film”
Fischerspooner “Emerge”
Frankie Goes To Hollywood “Relax (New York Mix)”
The Bravery “Na Honest Mistake”
Interpol “C’mere”
The Wombats “Let’s Dance To Joy Division”
Joy Division “Love Will Tear Us Apart”
She Wants Revenge “Never Tear Us Apart”
The National “Apartment Story”
TV On The Radio “Wolf Like Me”
White Stripes “Conquest”
Battles “Atlas”
Animal Collective “Peacebone”
Underworld “Born Slippy”
Propellerheads + Shirley Bassey “History Repeating”
Panda Bear “Comfy In Nautica”

Diz-me que imagem roubas...

Um dos efeitos mais sistemáticos, e também mais insidiosos, da ideologia tablóide é a generalização "liberal" das mais diversas formas de voyeurismo. Ou seja: se a imprensa e, sobretudo, a televisão se imiscui "naturalmente" nas vidas privadas, isso significa que cada um de nós não passa de um espelho da própria informação — no limite, há um paparazzi que dorme em cada um de nós.
Na primeira página de The Sunday Telegraph (25 Nov.) está um esclarecedor exemplo do modus operandi dessa ideologia. Assim, a página surge dominada por um instantâneo do Príncipe Carlos e Camilla: visados pelos fotógrafos, a imagem duplica o próprio gesto a que são sujeitos, uma vez que Camilla fotografa... os fotógrafos. Perspicaz, o título tira partido da ambivalência do momento, sugerindo: "Sorria... está na câmara de Camilla." Dito de outro modo: a lógica global dos apanhados é apresentada como uma espécie de lei "natural" do universo das suas personagens eleitas — como se vivêssemos, já não de relações, mas de um mero jogo de mútua e anedótica exposição. Se eu te roubo a tua imagem, é porque tu podes roubar a minha... Vivemos esta chantagem afectiva e iconográfica como se a democracia começasse e acabasse aí.

A hora da memória

Ano Bowie - 67
'hours...' - Álbum, 1999

Depois de terminada a Earthling Tour, Bowie vivia dias de popularidade e respeito de outros tempos. A decisão de vender o antigo catálogo à EMI por quase 30 milhões de dólares e a colocação dos direitos de exploração da sua música na bolsa sublinharam a nova face do homem de negócios. O sucesso da Bowie Net demonstrava uma pioneira atenção a novas formas de comunicação. Mas, curiosamente, na hora de fazer nova música, a inspiração veio do passado. Em primeiro lugar reencontrou-se (e fez as pazes) com Tony Visconti, com quem não trabalhava desde que o deixara de fora das sessões de Let’s Dance. Em estúdio, com Reeves Gabrels a co-assinar a criação das novas canções, um novo álbum surgia de forma distinta dos anteriores 1.Ouside e Earthling. Ou seja, em vez da experimentação, a opção fazia-se pelo reencontro de formas mais tradicionais de songwriting. Nasce assim hours..., disco que acabou reconhecido como herdeiro natural de Hunky Dory (1970), mas no qual Bowie aborda, como nunca o fizera antes, temáticas ligadas ao envelhecimento, à memória, sonhos abandonados... Escrevia, como depois explicou, canções para a sua geração, procurando registar nas canções uma certa inquietude que sente característica dos que atingiram a sua idade. O disco, todavia, falou também claramente aos seus mais novos admiradores. A letra de um dos temas – What’s Really Happening – nasceu de um concurso lançado no seu site. A capa do disco (na qual Bowie recria uma pietà, velando a sua imagem de outros tempos) foi revelada, aos poucos, na Bowie Net. E o próprio álbum esteve disponível para download alguns dias antes do lançamento no mercado convencional.

Teatro de vozes

Estreado em 1968, Stimmung tornou-se rapidamente uma das obras de referência de Karlheinz Stockhausen (n. 1928) e abriu todo um novo mundo de desafios e ideias à música vocal. Stimmung não é mais que uma sucessão de sequências de sons, cantados a seis vozes, recorrendo os cantores a técnicas diversas, explorando assim o que o compositor procurou definir como um mundo interior de sons e palavras. "Stimmung" pode ser traduzido como afinação. Contudo, mais que no sentido musical do termo, a peça implica também um sentido de “afinação” enquanto processo de demanda e subsequente encontro com a alma interior de cada um, assim como sugere uma noção de “afinação” enquanto empatia no colectivo, aqui muito concretamente entre as vozes que se juntam para cantar (e, de certa maneira, entre os que se calam para escutar). A evolução da interpretação obra, centrada em tons de si bemol (daí ser por vezes enumerada quando se cita o também clássico In C de Terry Riley, se bem que sejam obras distintas nas formas, técnicas e intenções), segue um modelo não rígido, uma vez que apenas parte das notações são fixas, havendo uma série de elementos pré-determinados sobre os quais a escolha dos cantores pode seleccionar por onde seguir. Todavia, cada ensemble tende a seguir um “modelo”, sendo naturalmente de referência a chamada “versão de Paris”, que fez a estreia da obra e foi muito apresentada nos anos 70 pelo Collegium Vocale. Este disco exibe uma soberba gravação pelo Theatre of Voices, dirigido por Paul Hillier (grupo que tem ganho visibilidade com diversas gravações de obras de Arvo Pärt). Criada e gravada em 2006, em Copenhaga, esta fica já registada como a “versão de Copenhaga” de Stimmung, de Stockhausen.

Depois de uma temporada na Califórnia, Hawai e México, no Inverno de 1968 Karlheinz Stockhausen vivia em Long Island. Frente ao mar, com neve e frio como cenário do outro lado do vidro da sua janela. Curiosamente um dos trabalhos que então aceitou vinha da sua Alemanha natal, em concreto um pedido para um novo ensemble vocal, o Collegium Vocale, constituído por alunos da escola de música onde ele próprio havia estudado, em Colónia. O compositor aceitou a encomenda porque estava interessando em trabalhar a voz. Começou por cantar ideias, ensaiando-as. Mas descobriu o verdadeiro método que o levou definitivamente a Stimmung quando, depois de chamado à atenção pelo facto de ser tarde e os filhos estarem a dormir, passou antes a murmurar e zumbir os mesmos sons. A descoberta do mundo de potencialidades foi tal, que sustentou a criação desta obra que mudou a nossa noção de música vocal.

sábado, novembro 24, 2007

Dylan + Haynes + Lachman

Mais imagens do muito aguardado I'm Not There, filme de Todd Haynes sobre Bob Dylan. Desta vez estão na edição de Novembro da revista dos directores de fotografia americanos — American Cinema-tographer — e têm como motivo central o trabalho de Edward Lachman, precisamente o director de fotografia do filme. Lachman e Haynes já tinham colaborado em Longe do Paraíso (2002); Lachman possui uma carreira brilhante, tendo assinado as imagens de filmes como Desesperadamente Procurando Susana (1985), de Susan Seidelman, True Stories (1986), de David Byrne, As Virgens Suicidas (1999), de Sofia Coppola, Erin Brockovich (2000), de Steven Soderbergh, e Ken Park (2002), neste caso partilhando a realização com Larry Clark.

Veronika e Véronique

Texto publicado na revista NS do Diário de Notícias (17 Nov.) >>>

O reconhecimento da obra do cineasta polaco Krzystzof Kieslowski passa por dois momentos fundamentais: em 1989-90, na sua Polónia natal, dirigiu a série Decálogo, uma reflexão perturbante (inspirada no texto dos Dez Mandamentos) sobre as relações entre os seres humanos e o transcendente, e também um marco na história moderna da televisão; depois, em 1993-94, já com produção francesa, assinou a célebre trilogia das cores (Azul, Branco, Vermelho), reflexão multifacetada sobre os enigmáticos cruzamentos da vida material e do reino do espiritual (Kieslowski viria a falecer em 1996, com apenas 54 anos de idade).
Entre uma coisa e outra situa-se este filme, a todos os títulos admirável, que é A Dupla Vida de Véronique. Lançado em 1991, corresponde, aliás, a uma espécie de ritual de passagem entre a Polónia e a França, quanto mais não seja porque se trata de uma coprodução entre os dois países. Mais do que isso, esta é uma história literalmente dividida entre dois países, duas personagens e, por assim dizer, duas formas de assombramento.
Para a actriz francesa Irène Jacob, este foi um momento vital de afirmação do seu imenso talento (vimo-la recentemente em A Vida Interior de Martin Frost, de Paul Auster). Então com 25 anos, ela interpreta aqui duas personagens: a polaca Veronika, estudante de música, e a francesa Véronique, que ambiciona ser cantora. Por um lado, desconhecem-se em absoluto; por outro lado, as convulsões da vida de uma parecem ecoar na existência da outra, como se não fossem mais do que duas identidades ligadas por um segredo impossível de revelar... No fundo, Kieslowski filma esse sentimento, ao mesmo tempo sensual e inquietante, de não estarmos completamente no lugar em que estamos, de nos completarmos apenas noutra dimensão, através de algo ou alguém que desconhecemos.
A edição em DVD distingue-se por uma notável qualidade técnica, nomeadamente na transcrição das imagens assinadas por Slawomir Idziak (entretanto envolvido com a grande produção americana, tendo sido director de fotografia, por exemplo, de Black Hawk Down/Cercados, de Ridley Scott). Além do mais, estamos perante um caso exemplar em que os extras não possuem nada de “decorativo”, antes permitindo uma ligação efectiva com o trabalho do filme e as suas determinações temáticas, artísticas, racionais e afectivas. Temos, assim, um magnífico making of e também uma pequena, mas reveladora, entrevista com Irène Jacob (registada em 2005). São materiais que nos permitem entrar neste universo tão puro e, ao mesmo tempo, tão misterioso, onde tudo é carnal e, ao mesmo tempo, tudo nos sugere uma dimensão sagrada.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Spiritualized: álbum em 2008

Jason Pierce está neste momento na estrada, apresentando concertos acústicos (nos quais é acompanhado por instrumentos de cordas e coros) que, depois dos EUA, correm agora por solo europeu. Para 2008 anuncia-se finalmente o muito aguardado sucessor de Amazing Grace (de 2003), disco que ao NME o músico disse já ser "a música do diabo... com alguma ajuda" da sua parte...

Recordar Ian Curtis (7)

Com o divórcio entre as preocupações imediatas, Deborah vê a agenda de concertos da banda conhecer nova erupção entre Abril e Maio, mês no qual o grupo deveria partir em digressão para a América. Ian vive então na casa de Tony Wilson, depois está algum tempo com Bernard e mais tarde regressa a casa dos pais. A 2 de Maio, em Birmingham, a Joy Division dá o seu último concerto. O passo seguinte era americano, numa viagem preparada para assegurar conforto e cuidados ao vocalista. O velho amigo Terry Mason seria o responsável pelo seu bem-estar, pela medicação, pela tranquilidade. Loucuras e prazeres típicos de bandas em digressão estão vetados. Uma visita ao especialista de epilepsia coloca-o, a 6 de Maio, frente a um médico novo. Ian dá-lhe a ideia de um homem que quer recuperar e começar vida nova... Depois da consulta oferece a Terry alguns dos seus discos, entre os quais algumas raridades. Indícios para um fim em vista?

A 13 de Maio regressa a casa para ver mulher e filha. Tira uma fotografia com Natalie, a sua última fotografia. Nos dias seguintes está com amigos e colegas, discutindo com aparente entusiasmo a viagem à América. No dia 17 tem uma longa conversa com a mulher. Esta, no seu relato, recorda que nas primeiras horas da manhã ele tinha visto um filme de Herzog, bebido café e estava animado. Falaram da degradação da relação, de Annik, do seu receio em que ela conhecesse um homem enquanto ele estivesse fora. Deborah acaba por ir dormir a casa dos pais. Ian pedira-lhe para não regressar antes das dez da manhã, hora a que deveria apanhar um comboio para Manchester. Bebe mais café, acaba a garrafa de whisky que tinham na despensa. Tira a fotografia da filha da parede, ouve The Idiot de Iggy Pop e escreve uma longa carta à mulher. Pedia-lhe para não entrar em contacto com ele durante algum tempo porque lhe era difícil falar com ela, revelou Deborah mais tarde. Esta regressa de manhã a casa. Sente a falta do cheiro a tabaco na sala. Vê a carta sobre a lareira, e, olhando para o lado, constata que Ian ainda ali está, ajoelhado, na cozinha. Fala com ele. Só então repara na cabeça tombada, as mãos sobre a máquina de lavar, a corda em volta do pescoço.

O corpo de Ian é velado na Chapell of Rest, onde Tony agenda cautelosamente a visita de Annick, para evitar mais dramas. Tony Wilson também convida Paul Morley a comparacer, mas este fica à porta e recua. Wilson convidara-o para escrever "o" livro, mas Morley recusa. Ian Curtis é cremado a 23 de Maio de 1980. Na lápide Deborah inscreve: "Love Will Tear Us Apart". Love Will Tear Us Apart foi editado em Junho, e deu à Joy Divison a sua primeira entrada no Top 20. Closer, o álbum, também teve edição póstuma e subiu ao número seis da tabela de vendas, colhendo igualmente críticas de entusiasmo geral. Seis meses depois da morte de Ian, a banda reunia-se em estúdio para gravar um novo single. Bernard Sumner apresentava-se agora como vocalista. Gillian Gilbert, mulher de Stephen, entrava como teclista. Juntos gravaram Ceremony e o fúnebre (premonitório?) In A Lonely Place cujas maquetes haviam sido registadas com Ian Curtis, duas semanas antes do seu suicídio. As faixas eram parte de um novo single, apresentado como... New Order. É particularmente arrepiante a gravação de In A Lonely Place, canção na qual um morto, enforcado, é carpido por alguém que observa a sua lápide. Terá Ian Curtis escrito sobre a sua própria morte numa bizarra passagem de testemunho? Coincidência? Ou pura mitologia rock'n'roll?

quinta-feira, novembro 22, 2007

FOTOGRAMAS: O Homem Elefante, 1980

As lágrimas que se insinuam no olhar de Anthony Hopkins são as lágrimas do médico que vê, pela primeira vez, a figura disforme do "homem-elefante" (interpretado por John Hurt). Quer isto dizer que o confronto com o monstro é totalmente alheio aos mais mecânicos clichés do cinema de terror. O medo — e, mais do que isso, o pânico — é esse bicho que podemos figurar no outro mas que, de facto, nos habita, expondo-nos à estonteante frieza do indizível, quer dizer, à infinita multiplicidade do factor humano. Em boa verdade, David Lynch filmou uma tragédia suspensa, enraizada na súbita possibilidade de o monstruoso coincidir, sem mácula nem preconceito, com o sublime. Admirável imagem também pelo modo de utilização do formato scope: preencher o écran não é "enchê-lho", mas sim tratá-lo como a superfície rugosa de uma paisagem imensa, em última instância, apenas mental.

THE ELEPHANT MAN / O Homem Elefante
Reino Unido/EUA, 1980

Realização: David Lynch
Produção: Brooksfilms
Argumento: Christopher De Vore, Eric Bergren e David Lynch, a partir de livros de Sir Frederick Treves e Ashley Montagu
Interpretação: Anthony Hopkins, John Hurt, Ann Bancroft

No país de David Lynch

Ainda sob efeito do genial Inland Empire, o mercado português recua trinta anos, até 1977, e dá-nos a ver, em reposição, a primeira longa-metragem de David Lynch: essa aventura sempre enigmática e envolvente que é Eraserhead.
Por um lado, importa sublinhar a própria reposição: a capacidade de o mercado — isto é, neste caso, o circuito das salas — manter viva a memória do cinema é sintoma de vitalidade cultural e económica (mesmo se, nesse campo, o contexto português continua a ser muito mais deficitário que os mais importantes mercados europeus); por outro lado, há que lembrar que Lynch iniciava, aqui, uma démarche que o iria incluir na galeria dos maiores criadores de formas da produção contemporânea.
Estamos muito para além dos pressupostos correntes do género de terror (a bem dizer, de qualquer género...). A história do homem (interpretado pelo lendário John Nance, noutros títulos identificado como Jack Nance) que deve cuidador do seu bebé-monstro é uma daquelas fábulas capaz de relativizar todas as divisões tradicionais com que organizamos a nossa experiência existencial. Trata-se de uma história de um realismo cru e, ao mesmo tempo, de uma aventura interior transfigurada em cenários de fascinante imponderabilidade — penetrar em Eraserhead é, de facto, entrar num país novo cujo mapa foi desenhado pelo próprio Lynch.

Cores que escorrem

O novo single extraído do mais recente álbum dos canadianos New Pornographers corresponde ao tema título do álbum. Challengers é pop simples, directa, clássica, profundamente reconfortante. Aqui fica o teledisco, com realização é de Darren Pasemko.

Led Zeppelin em digressão

Os Led Zeppelin vão mesmo avançar com uma digressão de reunião em 2008. Os Cult, soube-se ontem, serão a banda se suporte. Resta saber por que terras passará a banda...

Recordar Ian Curtis (6)

Em Março de 1980 o grupo regressa a estúdio para gravar um segundo álbum. Hannett está novamente na cadeira de produção, e volta a interferir na condução da atmosfera dominante. Ian está inspirado, entregue à criação. Mas a sua escrita revela-se mais gélida que nunca, implacável contra si, contra o futuro. Uma premonição? Se o álbum anterior havia definido um rumo, este novo explode em todas as direcções, numa erupção espantosa de criatividade bem estruturada. Os teclados afloram com maior evidência, acrescentando ferramentas dramáticas ao arranjo das melhores canções da obra da banda. O vazio explorado na lírica é aqui oposto evidente da massa sonora e grandiosidade formal.

Um mês depois de gravado Closer, Ian Curtis toma uma overdose da medicação contra a epilepsia. É levado para o hospital, onde lhe é lavado o estômago. Ian é visto por um psiquiatra nessa noite, que conclui contudo que o paciente não é potencial suicida! Mas Ian chegou mesmo a deixar uma nota de suicídio à mulher, que Deborah não divulga aos amigos e familiares. No seu livro conta que se sentiu marginalizada pelo marido e banda, e que desde UnknownPleasures não conhecia as canções nem lia as letras. Não conhecia a nova realidade da natureza profunda da alma de Ian... Aconselham-no a uma pausa, e por dias deveria ficar numa casa de Tony Wilson em pleno campo. Mas no dia seguinte levam-no para o Deby Hall, em Bury, onde chegam a discutir se dão ou não concerto, tal é a debilidade do vocalista. Ian canta dois temas. E os fãs, desencantados, revoltam-se e quase destroem a sala. Ian segue para casa de Tony. Este e mulher desconhecem, todavia, a verdadeira dimensão da sua depressão, agravada certamente pela progressiva degradação da vida familiar (claramente retratada no single Love Will Tear Us Apart que então acabara de gravar), a precaridade da relação extra-marital, consequência clínica potenciada pela epilepsia, e um descontentamento para com a indústria musical. Este último, confessa-o a Deborah quando consigo vai a uma consulta de psiquiatria, a caminho da qual lhe terá dito que se havia realizado com as edições de Transmission e UnknownPleasures e que tanto Closer como LoveWillTear Us Apart não faziam já parte das suas aspirações. Segundo Deborah, Ian desejava abandonar a banda. Terá dito o mesmo a Stephen Morris, mas este julgou que o vocalista se queria mudar para outro lugar. Decades (de Closer) já havia levantado um debate interior sobre a futilidade da vida numa banda (e da vida em geral)...
(continua)

O que vem aí

É muito simples e não é preciso possuir dotes de adivinhação. Agora que a selecção de futebol portuguesa está apurada para o EURO2008, vamos assistir a uma nova avalancha política, económica e cultural:
* Política — a selecção será promovida como símbolo dominante do país (os homens de boa vontade mandarão pôr bandeiras nas janelas).
* Economia — das televisões à publicidade, todas as referências à selecção vão ser enquadradas por complexas estratégias de investimento, secundarizando-se muitas prioridades colectivas estranhas ao futebol (ter o telemóvel mais sofisticado ou beber a cerveja mais bizarra serão assuntos cuja gravidade, em nome da selecção, invadirá o quotidiano).
* Cultura — a noção de ser português será ideologicamente retrabalhada para se confundir com o próprio gesto de apoio à selecção (pouco ou nada se falará de futebol, apenas se promoverão as ilusões simplistas de "vitória").
>>>
O que vem aí, não tenhamos ilusões, será quase sempre estranho ao simples gosto pela energia própria do desporto, de qualquer desporto. O espaço dos sons e das imagens vai ser invadido (em boa verdade, já está...) pelos valores da histeria futebolístico-consumista — o ruído e o fogo de artifício ditarão as suas leis. E haverá sempre quem nos garanta que, com tudo isso e, sobretudo, por causa de tudo isso, seremos mais felizes.

Beatles for sale

Que pena... Across the Universe, de Julie Taymor, é uma tentativa de revisitar as canções dos Beatles, enquadrando-as por uma história que, ligando um jovem inglês e uma adolescente americana, se propõe fazer uma espécie de balanço romanesco dos anos 60/70. E não faltam algumas belas versões, cantadas pelos actores principais — Evan Rachel Wood e Jim Sturgess — ou por inesperados guest stars, incluindo Joe Cocker (Come Together) e Bono (Lucy in the Sky with Diamonds). O certo é que o kitsch se sobrepõe às próprias referências sociais e simbólicas, de tal modo que as canções acabam por perder a sua relação... com qualquer contexto. É mais um exemplo curioso, mas desesperadamente falhado, da dificuldade de refazer ou reinventar as matrizes do género musical.

quarta-feira, novembro 21, 2007

A day in the life

Hoje é dia 21 de Novembro de 2007. Este é o mundo dos heróis de cara contorcida. Vivemos dominados por uma cultura do êxtase instantâneo, habitada por heróis de expressão puerilmente dramatizada. São seres maquilhados de triunfo que ignoram tudo do seu abandono. São ensinados a praticar uma histeria militante, protegidos e encenados para disfarçar a irresponsabilização colectiva dos adultos. De vez em quando, vale a pena celebrar a tristeza dos que resistem às mais básicas ilusões colectivas e, com toda a vulnerabilidade que isso implica, conhecem a sua solidão. Quantos portugueses nunca ouviram falar de Buster Keaton?

Qual é o melhor biopic rock'n'roll?

Esta semana propomos uma votação centrada nos filmes que têm levado histórias de ícones da cultura rock’n’roll para o grande ecrã. Num momento em que está em cartaz o filme Control, que evoca a figura de Ian Curtis e enquanto esperamos a estreia de I’m Not There, de Todd Haynes, sobre Bob Dylan, aqui fica uma lista de títulos. A votação, como sempre, faz-se na barra lateral do blogue, antes da zona de agenda. Para não sugerir opções da nossa parte, a imagem que acompanha este post é retirada de I’m Not There, que não é colocado a votação porque não teve ainda estreia em Portugal. Por ordem alfabética, são estes os filmes à vossa consideração:

Backbeat (1994, Ian Softley) – Stuart Stutcliffe
Beyond The Sea (2004, Kevin Spacey) – Bobby Darin
Control (2007, Anton Corbijn) – Ian Curtis
La Bamba (1987, Luis Valdez) – Ritchie Valens
Ray (2004, Taylor Hackford) – Ray Charles
Sid & Nancy (1986, Alex Cox) – Sid Vicious
Stoned (2005, Stephen Wooley – Brian Jones
The Doors (1991, Oliver Stone) – The Doors
Walk The Line (2005, James Mangold) – Johnny Cash



Caso optem pela resposta "outros", podem indicar-nos, por email, que "outro" o da vossa escolha e que esta lista de base não contemplou.

Plural majestático

Chegam de Glasgow, na Escócia e são mais um nome da nova geração de indie kids britânica. Com o pomposo nome The Royal We (ou seja, plural majestático), acabam de editar um álbum, do qual este I Hate Rock'N'Roll serve de contagiante aperitivo.

Visage em segunda vida

Os Visage têm uma segunda vida. Desde 2005, acompanhado por uma nova banda, Steve Strange tem corrido palcos, sobretudo recriando velhos temas da banda que se fez notar no panorama pop britânico na passagem de 70 para 80 e na época foi reconhecido paradigma do que se identificou então como movimento neo-romântico. A nova encarnação da banda, que se apresenta como Steve Strange & Visage MK II acaba de editar o seu primeiro single, para já apenas em versão para download digital, o preço sendo ditado por cada potencial comprador, revertendo os lucros a favor de uma campanha de beneficência à qual Steve Strange tem estado ligado nos últimos anos. O single tem por título Diary Of A Madman e está apenas disponível no site oficial desta nova encarnação dos Visage.