segunda-feira, abril 30, 2007

Um filme, duas imagens


Entre as estreias de 2007, Assalto e Intromissão, de Anthony Minghella, é uma das grandes vítimas. Sublinho: vítimas. Porque é muito fácil — é mesmo um "desporto" a que muio boa gente gosta de se dedicar — explicar os movimentos do mercado pela "indiferença" dos jornalistas ou pela "maldade" dos críticos... De facto, semelhantes generalizações servem quase sempre para retirar responsabilidade(s) a quem comercializa os filmes.
Não que distribuidores e exibidores se devam reger por critérios jornalísiticos (muito menos críticos) — a legitimidade das suas opções não está em causa. O certo é que o reconhecimento formal dessa legitimidade não nos deve impedir de lembrar um facto muito objectivo: por vezes, há filmes que, apesar dos seus trunfos comerciais (sublinho: comerciais), são colocados no mercado sob o efeito de uma indiferença que, na prática, só pode apagar a sua imagem junto dos espectadores potenciais.
Assalto e Intromissão foi um desses filmes. E não o foi por razões portuguesas, entenda-se. Em boa verdade, o filme — mesmo tendo um elenco com nomes como Jude Law, Robin Wright Penn ou Juliette Binoche, e apesar de Minghella ser o autor de um título tão popular como O Paciente Inglês (1996) — começou por ser demonizado no mercado dos EUA. Razões para tal? Várias, certamente, a começar pela mais insólita, mas cruelmente verdadeira: os novos especialistas (?) do marketing quase só sabem trabalhar "homens-aranhas", "harry-potters" e produtos afins. Na prática, não têm ideias para lidar com um bom melodrama à moda antiga, para mais empenhado em falar das relações humanas num tom grave, seriíssimo e completamente adulto. Afinal, de contas, nada que fosse impossível prever.
Episódio mais recente deste calvário a que o filme de Minghella está sujeito: depois de ser lançado com um belíssimo cartaz [acima reproduzido], irá surgir no mercado do DVD (pelo menos nos EUA), com esta capa absolutamente vulgar.


Que se faz, assim? Tenta-se transformar um objecto de grande riqueza e complexidade emocional numa história em que as personagens "vão para a cama"... Não, não é que seja uma informação falsa. O problema é outro: ao sugerir Assalto e Intromissão como um derivado das ficções mais ou menos "cor-de-rosa", o marketing está a enganar, pela segunda vez, o espectador/consumidor.
Claro que é possível (e, mais uma vez, legítimo) tentar seduzir o espectador. Mas é preciso fazê-lo através de informações que falem verdade sobre o filme em causa. Essa é, afinal, a mais básica regra de marketing — e também a mais esquecida.
*
PS - Até mesmo a mudança das palavras é significativa. Assim, a capa do DVD reproduz uma banalíssima frase (pelo menos fora do respectivo contexto) de um artigo da imprensa: "A sexy, thoughtful, smart film." Desapareceu, desde modo, a belíssima frase promocional do cartaz original: "Love is no ordinary crime."

Vampiros de 1995

Na genealogia do moderno cinema americano, Abel Ferrara (nascido no Bronx, em 1951) tende a ser dos autores mais tipificados — e também por isso dos menos conhecidos pelas especificidades do seu trabalho. De facto, mesmo se é verdade que muitos dos seus filmes se impõem através de uma relação ambígua com muitos géneros da produção clássica (por exemplo, o policial Bad Lieutenant, 1992), não é menos verdade que o seu universo é inseparável de uma dimensão eminentemente filosófica e religiosa: ele é, afinal, um cineasta de um mundo ferido pela ausência de Deus e também pelo seu permanente apelo simbólico.
Tanto bastaria para transformar a edição portuguesa em DVD de Os Viciosos (The Addiction, 1995) num grande aconte-cimento. Ferrara propõe, aqui, um arriscado exercício criativo, evocando a tradição do filme de vampiros para a refazer numa Nova Iorque assombrada e contemporânea (admiravelmente fotogra-fada a preto e branco por Ken Kelsch). As componentes tardicionais do género vão-se dissolvendo numa intriga em que o onirismo coincide com uma violenta pulsão realista, tanto mais perturbante quanto pelo filme perpassam algumas memórias traumáticas do século XX, incluindo o envolvimento dos EUA no Vietname. Com um leque invulgar de interpretações — Lili Taylor, Christopher Walken, Annabella Sciorra [foto], Edie Falco, etc. —, Os Viciosos é também uma apoteose da dimensão mais física, dir-se-ia fisiológica, do cinema de Ferrara: cada actor/actriz representa no limite da verosimilhança, gerando personagens em que, drasticamente, a máxima violência se confunde com a máxima vulnerabilidade.

Discos da semana, 30 de Abril

Alguns discos que hoje chegam aos escaparates, num breve olhar crítico.

O alemão Hendrik Weber está longe de ser um novato, mas o seu alter-ego Pantha du Prince ainda não era, até aqui, um motor de curiosidade por estes lados. This Bliss pode mudar tudo. Não por surguir depois de remisturas para os Depeche Mode, mas por representar um dos mais intrigantes álbuns de música electrónica dos últimos tempos. Intrigante porque concilia mundos distintos sob um tecto comum, encontrando personalidade não na soma das parcelas, mas na forma de as observar, em conjunto, desse plural nascendo uma noção de visão total. Um gosto pela meticulosa construção de eventos mora na raiz de um projecto onde Hendrik tanto dá largas a um franco conhecimento de formas que habitualmente manipula (nomeadamente uma convivência inteligente e dialogante com matrizes techno), como revela gostos em outros domínios, sobretudo a música contemporânea ou o vasto universo indie rock, facção sombria. Terry Riley é homenageado em Moonstruck. As texturas suaves e os silêncios de um Arvo Pärt ou Górecki revelam-se no espantoso Saturn Strobe. E, mais significativas ainda que as afinidades no som, este é um disco que transporta, mesmo sem palavras, uma pulsão narrativa, podendo as imagens de um artwork fundamental servir de eventuais pistas para daí fazer crescer histórias. A descobrir!
Pantha du Prince
“This Bliss”
Dial/Flur
4/5
Para ouvir: MySpace

Stefan Betke, Pole para os discos, definiu na segunda metade de 90 um perfil minimalista, geométrico, quase asceta, todavia fundamental na construção de novos caminhos para uma música construída através de ferramentas digitais. Praticante de uma techno sem gordura, despida à essência das estruturas e claramente influenciada pelo dub, Betke moldou, através do projecto Pole, uma linguagem precisa, exacta, estrutural. Depois de uma trilogia de afirmação linguística, completada com um álbum de remisturas em 2001, abriu horizontes. Primeiro rumo ao hip hop, num álbum relativamente falhado (Pole, de 2003). Agora, em Steingarten, mostra como pode dar nova vida a princípios e ideias que investigo nesses “ensaios” editados entre 1998 e 2000, apresentando aquele que, até agora, é o mais entusiasmante dos seus discos. A recente descoberta do noise (há quem graceje, dizendo que deve ter ouvido o clássico Evol, dos Sonic Youth, quando pensava este novo disco), do prazer melodista, de uma noção de paisagismo possível além das geometrias essenciais que definem o espaço, faz deste álbum um mundo de acontecimentos que conciliam o prazer da descoberta com uma noção de conforto minimalista para clientes habituais do género. A capa, que nos mostra o sumptuoso palácio Schloss Neuschwanstein, de Luís II da Baviera, indicia por si só uma revolução de intenções, que o som do álbum confirma em pleno. Não se espere, aqui, o catácter narrativo das sugestões de This Bliss de Pantha du Prince. Antes uma intenção estética apelativa, ciente de um espaço, ornamentado, meticuloso, intrigante, que sabe bem descobrir (o que não quer dizer que tenha, obrigatoriamente, uma história para contar).
Pole "Steingarten"
~Scape/Flur
4/5
Para ouvir: MySpace

E agora um disco-mistério... Somando e ordenando os dados que se recolhem online, corre que, em 1978, o duo francês Black Devil (ou seja, Bernard Fevre e um tal Jacky Giordano, de quem nunca ninguém viu o rosto) supostamente editou o EP Disco Club. Tido como obra perdida durante mais de 20 anos, ressurgiu reeditado em 2004 pela etiqueta Rephlex, de Aphex Twin, revelando uma colecção assombrosa de seis temas do melhor electro disco, aparentado ao que então fazia Giorgio Moroder e, pouco depois, gravaria Patrick Cowley. Um dos temas, diz-se, terá sido samplado pelos Chemical Brothers em Got Glint. Mas, sabido o gosto de Aphex Twin pela "ficção", logo houve quem levantasse a hipótese de Disco Club, dada a actualidade de um som feito de teclados e programações novamente em voga, ser, na verdade, uma parceria recente (do subgénero "partida") de Richard James e Luke Vibert... Dois anos depois, eis que surge 28 After, supostamente uma sequela de Disco Club, da qual a capa apenas revela uma pista, apontando a autoria das músicas ao francês Bernard Fevre... Espantosa colecção de canções electro disco, o álbum não guarda nas suas entrelinhas quaisquer marcas temporais. Serão estas gravações de 1978? Ou actuais? 28 After afirma-se, acima desta história de mistério (para já sem resposta), como mais uma importante afirmação de vitalidade de um género que, quase 30 anos depois, ainda motiva músicos e cativa públicos (veja-se o exemplo do assombroso It's A Feedelity Afair, de Lindstrom, editado em 2006, para deitar eventuais dúvidas por terra). Antigo ou actual, ficção ou realidade, o certo é que 28 After não deixa de traduzir marcas de contemporaneidade, inscrevendo-se numa família que redescobre, com sentido de oportunidade, marcas clássicas que estão na raiz do italo disco, do acid house, do hi-nrg. Clássico perdido, manobra de fantasia ou, apenas, um "novo" disco, um saboroso convite para dançar em 2007.
Black Devil Disco Club
“28 After”
Lo Recordings /Ananana
4/5
Para ouvir: MySpace

Na música, Lelsie Feist já experimentou todos os pontos cardeais possíveis, do rock intenso dos Placebo (os seus, não os de Brian Molko) à placidez acústica das canções qie criou, em casa, quando o médico lhe disse que, depois de crise vocal, não voltaria a cantar. Isto sem esquecer as parecrias com Peaches ou os Kings of Convenience... Há três anos, o bem sucedido (e justificadamente aclamado) Let It Die deu provas de um talento na composição que fez da jovem canadiana mais que uma bela voz. Agora, porém, quando mais dela se esperava, menos acontece. Em regime burguês, instalada em castelo chique, contando com colaboradores de nomeada (como Jamie Lidell, Mocky ou Eric Glambek Boe, este último o rapaz discreto dos Kings Of Convenience), gravou The Reminder em apenas duas semanas. O álbum abre com quatro temas absolutamente arrebatadores, sugerindo um promissor alargamento de horizontes e diversidade de caminhos e texturas. Porém, a coisa depois acaba morna, mais do mesmo. Em regime satisfatório, mas blasé...
Feist
“The Reminder”
Polydor/Universal
2/5
Para ouvir: MySpace

O mais antigo e regular dos colaboradores de Nick Cave só arranjou tempo (ou vontade) para gravar em nome próprio ao fim de quase 20 anos de discos. Estreou-se com dois álbuns de versões de Serge Gainsbourg em 1995 e 97 e, de novo fez-se silêncio, interrompido apenas em 2005, com nova gravação a solo, a primeira contando com temas da sua autoria. Two Of Diamonds é, agora, o sucessor desse álbum de há dois anos, e não mostra sinais de fuga ao que já nos mostrou. Placidez inteligente para arranjos ora simples, ora sumptuosos, numa colecção de canções onde não só encontramos novas expressões da sua criatividade autoral, como renovada vontade em reinterpretar temas de terceiros. E, convenhamos, é aqui que novamente mais conquista. A versão de Here I Am, de Emmylou Harris é puro espanto. E, igualmente caticvantes, são as leituras de Everything Is Fixed (de David McComb) ou Don’t Want You On My Mind (de Bill Withers), esta última a revelar as pistas de reinvenção baladeira dos blues que Mick Harvey ajudou a adaptar para o som de alguns dos mais recentes álbuns de Nick Cave com os Bad Seeds.
Mick Harvey
“Two Of Diamonds”
Mute Records / EMI Music Portugal
3/5
Para ouvir: MySpace

Também esta semana:
Bob Dylan (DVD), Tori Amos, Manic Street Preachers, Squeeze (best of), Tributo a Joni Mitchell, Black Rebel Motorcycle Club

Brevemente:
7 de Maio: The Knife (edição Deluxe), Simian Mobile Disco, Björk, Groove Armada, Cinematic Orchestra, Elliott Smith, Yoko Ono, Dean & Britta
14 de Maio: Rufus Wainwright, OMD (reedição), Wilco, Larrikin Love
21 de Maio: Blonde Redhead, Tiga (remisturas)

Maio: Four Tet, Gary Numan (BBC Sessions), Larrikin Love, The Bravery, Marilyn Manson, Jeff Buckley, The National
Junho: Spiritualized, Bonde do Role, Bryan Ferry (DVD)

Estas datas podem ser alteradas a todo o momento

A tradição Tony Silva

1. Herman. Dos tempos herói-cos do Tony Silva até ao actual programa Hora H (SIC – noites de domingo), o mundo deu muitas voltas, o trabalho de Herman José também e não serei eu a pretender ter uma visão “única” sobre os seus altos e baixos (mal ou bem, escrevi muitas vezes, e em tons muito diversos, sobre esse trabalho). Em todo o caso, mesmo com desequilíbrios, Hora H confirma que Herman é um dos nossos criadores televisivos com uma visão mais ágil e mais inteligente sobre a televisão como fenómeno e, sobretudo, como linguagem.
2. Linguagem. Figura modelar desse reino da “espontaneidade” que a televisão pretende ser, Herman tende a mostrar que... a espontaneidade não existe! Tudo é linguagem. Nos seus melhores momentos, os seus programas de humor fornecem-nos armas (perversas, sem dúvida) para lidarmos com as imposturas quotidianas da televisão. Depois de um arranque incerto e hesitante, Hora H está a encontrar o tom justo para o seu próprio projecto (obviamente reminiscente do saudoso Tal Canal): primeiro, foram secundarizadas as “derivações” menos interessantes (a personagem do “ucraniano” não encaixa neste universo e “bonecos” como o realizador brasileiro Edmilson Fitipaldi Filho carecem de potencialidades para aguentar muitas variações), sendo dada maior importância narrativa às situações que têm a ver com os programas do próprio canal de televisão (“Cnn”); depois, encontrou-se uma montagem cada vez mais ágil e contrastada; finalmente, têm surgido algumas magníficas personagens (por exemplo, o prof. Eduardo “Sabe” ou o entrevistado que acordou de um coma de 28 anos).
3. Músicas. O episódio de ontem (29 de Abril) — com o homem do coma, o vulcão de Cracatoa, a bombista distraída, etc. — foi, claramente, o mais conseguido até agora, tirando o melhor partido dos talentos do elenco. Pela primeira vez, tivemos a sensação de um programa coeso, não de uma mera colagem de sketches (mais ou menos conseguidos). Os números musicais, na melhor tradição do Tony Silva, ilustram de forma exemplar o sentido criativo, a subtileza crítica e alegria do Hora H — de programas anteriores, aqui ficam alguns extractos encontrados no YouTube, incluindo o já clássico “Trio Admira-te”.

domingo, abril 29, 2007

Rostropovich: sons e imagens

A rádio pública norte-ame-ricana — NPR — propõe uma memória multifacetada de Mstislav Rostropovich, o genial violoncelista e maestro russo falecido a 27 de Abril, aos 80 anos de idade. Assim, numa página dedicada à sua vida e obra, temos acesso a várias faixas da sua discografia, incluindo duas compostas por Dmitri Shostakovich: "Allegretto" do Concerto para Viloncelo nº1 (gravação de 1959, Sony Classical) e "Allegretto" da Sinfonia nº 5, com Rostropovich na direcção (gravação de 1983, Deutsche Grammophon). Além de várias evocações, a NPR disponibiliza ainda uma entrevista com o próprio Rostropovich, realizada em 1987, por ocasião do seu 60º aniversário, na sequência de um concerto comemorativo da National Symphony Orchestra, no Kennedy Center, em Washington (Rostropovich dirigiu a orquestra entre 1977 e 1994). A ter em conta ainda um video com a "Guige" da Suite nº 5 de Bach, num registo na Basílica de Santa Madalena, em Yvonne (França). Maravilhas e preciosidades — para ver e... ouvir!

Discos Voadores, 28 de Abril

Com Inland Empire em cartaz, aproveitamos a distribuição nacional do novo disco das Au Revoir Simone para recordar outras protegidas de David Lynch e músicas das suas bandas sonoras.

Sufjan Stevens “Free Man In Paris”
Cinematic Orchestra “To Build A Home”
Mick Harvey “Here I Am”
Peter Von Poehl “Going To Where The Tea Trees Are”
Lavender Dimanond “You Broke My Heart”
Cocorosie “Rainbowarriors”
Au Revoir Simone “Fallen Snow”
Micro Audio Waves “2Night (U & I)”
Bass-O-Matic “My Tears Have Gone”
Björk “Earth Intruders”
Animal Collective “Tikwid”
Panda Bear “Comfy In Nautica”
Alex Gopher “Nasty Wish”
Peter, Björk & John “Amsterdam”
Old Jerusalem “Dayspring”
The Shins “Australia”

Patrick Wolf “The Stars”
Ratatat “Swisha”
Balla “Saltei de Mim”
Au Revoir Simone “Stars”
Au Revoir Simone “Violent Yet Not Flammable World”
Au Revoir Simone “I Couldn’t Sleep”
Angelo Badalamenti “Laura Palmer’s Theme”
Julee Cruise “Mysteries Of Love”
Linda Scott “I’ve Told Every Little Star”
David Lynch + John Neff “Pretty 50’s”
Nicholas Cage “Love Me Tender”
David Bowie “I’m Derranged”
Smashing Pumpkins “Eye”
Au Revoir Simone “Way To There”
Rádio Macau “De Azul em Azul”


Discos Voadores - Sábado 18.00 / Domingo 22.00
Radar 97.8 FM ou www.radarlisboa.fm

Techno Voodoo

Tomem nota desta expressão que, acreditem, se arrisca a fazer história: Techno Voodoo. Quem a emprega é Björk, a propósito do seu novo e fabuloso álbum, Volta (One Little Indian/Universal — lançamento a 7 de Maio). Está tudo no New York Times, numa magnífica entrevista assinada por Jon Pareles. Björk fala da produção do álbum, da vontade de voltar a sair do seu casulo islandês e desse reencontro paradoxal com outras referências e culturas: "Sinto-me em casa sempre que o desconhecido me envolve." Timbaland e Antony Hegarty (sim, sim, o Antony de Antony and the Johnsons!) são alguns dos colaboradores desta nova aventura multi-étnica, electro-sinfónica e sempre pop. Entretanto, recordamos que já se pode ver & ouvir o single de apresentação: Earth Intruders.

sábado, abril 28, 2007

A IMAGEM: Julião Sarmento, 2006

Julião Sarmento
You Are Always on My Mind, 2006

Solidão de espectador

(continuação de post de 18 de Abril)
7. Provavelmente, para sermos dignos do radicalismo de David Lynch, deveremos ter a coragem de negar as "evidências" que nos querem impor. E dizer não. Dizer que os filmes não "servem" para contar histórias. Dizer que as histórias não dão "sentido" ao mundo. Dizer que o mundo não está escrito como um "destino".
8. Claro que Inland Empire não é um filme fácil. Mas também não é fácil compreender as notícias da economia. Aliás, em boa verdade, cada vez que os telejornais começam a falar do PSI-20 e outras maravilhas que comendam a nossa existência, quase ninguém entende o que está jogo... E, no entanto, ninguém diz nada! Mas se um cineasta faz um filme que fuja à preguiça mental das telenovelas, então há sempre quem grite ao escândalo... O insuportável é sentirmo-nos desamparados face a um filme. E sentir que esse desamparo nos coloca perante a evidência da nossa própria condição solitária — ser espectador é isso: ter medo e continuar.
9. Sinopse possível para Inland Empire: alguém tem medo e esse medo transmite-se como um vírus. Quem tem medo é uma actriz de cinema. Quem fica contaminado é um espectador de cinema. A doença que assim se propaga só pode ter um nome: um filme.
(continua)

sexta-feira, abril 27, 2007

Depois do massacre da Virginia

A realidade não se faz apenas da informação imediata e imediatista que, por regra, triunfa nas televisões. O tempo de um acontecimento tem um antes e um depois, inscreve-se no devir histórico. Uma tragédia, em particular, é feita do choque que instala, mas também do trabalho de luto que se segue. Veja-se, por isso, o extraordinário portfolio proposto pela agência Magnum e dedicado aos dias seguintes ao massacre da Universidade de Blacksburg, na Virgínia — Virginia Tech Shooting Aftermath. As imagens têm assinatura de Thomas Dworzak e foram registadas para a revista Time.

Jack Valenti (1921-2007)

Com a morte de Jack Valenti (a 26 de Abril), desaparece uma das per-sonalidades mais influentes — e, por isso mesmo, também mais polé-micas — na reconfiguração do cinema clássico de Hollywood e, por con-sequência, na criação das condições económicas e culturais que trans-formaram a indústria audiovisual ame-ricana numa força global. O seu trabalho como presidente da Motion Picture Association of America (MPAA), cargo de que tomou posse em 1966, ficou marcado por algumas decisões históricas: primeiro, a criação do sistema de classificação etária da MPAA, em 1968, numa lógica de "auto-regulação" para além da intervenção normativa do Estado; depois, a implementação de um revolucionário sistema de distribuição/exibição, decorrente da nova idade dos blockbusters (cujo início simbólico se pode situar em 1975, com o filme Tubarão, de Steven Spielberg); enfim, o combate à pirataria na era digital, desenvolvido no interior do mercado americano, mas também, inclusivé pela via diplomática, nos mercados estrangeiros (nomeadamente no continente asiático).
Curiosamente, Jack Valenti começou por se afirmar na política, assumindo o estatuto de conselheiro especial do Presidente Lyndon Johnson, depois do assassinato de John Kennedy, em 1963 (Valenti figura na célebre fotografia de Johnson, ao lado de Jacqueline Kennedy, tomando posse do cargo, a bordo do Air Force One). Presidiu à MPAA até Agosto de 2004, altura em que se retirou com 82 anos. Spielberg foi uma das primeiras personalidades a reagir à notícia da sua morte, chamando-lhe "o maior embaixador que Hollywood já conheceu".

'Volta', estás perdoada!

Está aí a chegar o álbum novo de Björk. Volta será editado a 7 de Maio, e é antecedido pelo single Earth Intruders, o seu melhor single numa mão cheia de anos. Como aperitivo, aqui fica o espantoso teledisco que lhe serve de banda visual... Depois do teledisco, saiba como pode ouvir, em primeira mão, em Lisboa, o álbum novo de Björk...



'Volta', amanhã, na Fnac Colombo

Uma primeira apresentação das canções do novo álbum de Björk faz-se amanhã, pelas 21.30, na Fnac Colombo. Audição integral do álbum, com aperitivos vários. Sessão apresentada por Nuno Galopim.

Cubismo à la Pet Shop Boys

Eles não páram. Em 2006 deram-nos um disco de originais, um CD ao vivo (com orquestra) gravado na BBC, um documentário em DVD, um livro com o historial gráfico e uma exposição na National Portrait Gallery, em Londres. Agora, os Pet Shop Boys anunciam a edição de mais u DVD ao vivo. Trata-se de Cubism Live, concerto registado a 14 de Novembro de 2006 no Auditorio nationale, na Cidade do México. A realização do filme é assinada por David Barnard, que já trabalhou com Björk e os Gorillaz.

"Here's Johnny!"

"Here's Johnny!" — era assim que, num misto de agressividade e sarcasmo, Jack Torrance (aliás, Jack Nicholson) gritava quando tentava assassinar a mulher e o filho, no final de Shining (1980), de Stanley Kubrick. Aliás, desde que víramos o texto do seu misterioso romance — com infinitas repetições da frase popular "all work and no play makes Jack a dull boy" —, tínhamos compreendido que algo de maligno se passava na sua cabeça...
"Here's Johnny!" é uma das escolhas da revista americana Premiere (agora apenas em edição na Net), para a sua lista das 100 Melhores Frases de Filmes. Claro que é uma escolha virada para a produção anglo-saxónica e não passa, como é óbvio, de uma curiosa brincadeira sem nada de científico. Mas vale pelo jogo... e pelas memórias que evoca. "Here's Johnny!" está em 36º lugar, pertencendo o 100º a "I see dead people", dito por Haley Joel Osment em O Sexto Sentido (1999). O Top 3 é este:
* 1 - "Here's looking at you, kid." — Humphrey Bogart, em Casablanca (1942).
* 2 - "Frankly, my dear, I don't give a damn." — Clark Gable, em E Tudo o vento Levou (1939).
* 3 - "Rosebud." — Orson Welles, em O Mundo a Seus Pés (1941).

quinta-feira, abril 26, 2007

Magia de Terabithia

Como vai o cinema infanto-juvenil dependente da formatação e das rotinas impostas por "Harry Potter"? Vai mal... Mas, em boa verdade, ainda tem hipóteses de recuperar alguma da magia clássica que a fábula exige. Exemplo gratificante é O Segredo de Terabithia, por uma vez um filme protagonizado por dois jovens — Josh Hutcherson e Anna Sophia Robb — que não precisam de se fingir adultos ou patetas para, de facto, terem personagens dramaticamente consistentes, genuinamente humanas e emocionalmente contagiantes. Ao inventarem um mundo alternativo ("Terabithia"), eles vão viver uma aventura que funciona também, curiosamente, como mecanismo de reavaliação do seu próprio quotidiano, das suas relações familiares e escolares.
Dirigido por Gabor Csupo, criador multifacetado de origem húngara (ligado às séries Os Simpsons e Rugrats), O Segredo de Terabithia possui, além do mais, uma elaborada concepção visual, muito para além de qualquer ostentação dos "célebres" efeitos especiais. E porque estas coisas nunca acontecem por acaso, convém lembrar que a fotografia do filme tem assinatura de Michael Chapman, veterano de 71 anos que, por exemplo, em 1975, foi director de fotografia de Taxi Driver... E, já agora, em 1979, também de Touro Enraivecido.

O dia seguinte

Cartaz de Maria Helena Vieira da Silva

O que conta é o dia seguinte. Como quando, depois de sonhos ou pesadelos, acordamos ao lado de alguém. E, no dia seguinte, as comemorações do 25 de Abril soam a falso. E não apenas as que se repetem na esfera oficial (e sobre as quais, sintomaticamente, o próprio Presidente da República exprimiu sensatas dúvidas: "O 25 de Abril de 1974 representou, antes de mais, um gesto de inconformismo e de não resignação. A pior maneira de o celebrar será aceitarmos, acomodados, que a erosão do tempo transforme o 25 de Abril numa simples efeméride, num dia feriado que, ano após ano, os Portugueses gozam com a indiferença dos velhos hábitos."). Também no espaço cultural e, muito em particular, nos ecrãs de televisão, as celebrações piedosas e paternalistas só podem produzir um ainda maior desgaste simbólico e favorecer uma crescente indiferença. Exemplo? Porque é que, desde que José Afonso morreu, a RTP insiste, em dias festivos (?), em promover avalanchas de "Zeca Afonso"? O que conta é o dia seguinte. O que conta é que, hoje, a RTP regressa ao bocejo populista de Um Contra Todos, logo seguido de mais uma telenovela "séria" como Paixões Proibidas. A propósito: que tem a classe política a dizer sobre tudo isto? Nada, como sempre. Foi para isto que se fez o 25 de Abril?

quarta-feira, abril 25, 2007

Desencanto americano

Eis que se aproxima a edição de Release the Stars, o quinto álbum de Rufus Wainwright e um dos mais esperados discos de 2007. O aperitivo já por aí anda. Chama-se Going To A Town, uma trova tocante sobre um cetro desencanto americano no presente. Aqui está o teledisco:

terça-feira, abril 24, 2007

Os insectos do vício

O IndieLisboa passa hoje, pelas 18.15 no King (em sessão conjunta de curtas-metragens) um dos mais espantosos filmes de toda esta edição do festival. Trata-se de Bugcrush que, com argumento e realização de Carter Smith, revela, em apenas 30 minutos de intenso cinema, uma história que cruza as linguagens de Gus Van Sant e David Cronenberg. Com inícuio de acção num liceu norte-americano de pequena cidade interior, e desfecho num celeiro perdido no meio de nada, uma história sombria, de tempero fantástico, que nasce da atracção de um jovem estudante tímido (excelente interpretação de Josh Carras) por um colega cool. Uma atracção que revelará a presença de estranhos insectos... E por aqui mais não se revela, sob pena de estragar o prazer da descoberta do espectador. Bugcrush é um contagiante pedaço de cinema. Curto, directo, claro, empolgante. Capaz de contar uma história, revelar personagens, colocá-las num espaço e contexto... E tudo isto em apenas 30 minutos.

Bugcrush
Realização:
Carter Smith
Filme incluído na sessão "Competição Curtas 6" hoje no King, pelas 18.15


Sigur Rós em dose familiar

Não vão faltar as novas edições de discos e DVD dos Sigur Rós nos próximos meses O grupo vai começar por lançar, em CD, em Julho, a banda sonora que compôs em 2002 para o filme Itlemmur, de Olafur Sveinsson, ao que seguirá um EP. Em Outubro chegará a edição, em DVD, de um filme sobre a etapa islandesa da sua digressão de 2006. A edição deverá ser acompanhada por um álbum de versões acústicas... Para Janeiro de 2008, espera-se o lançamento do épico Odin's Raven Magic em DVD e CD... Chega?

3 homens + 1 mulher = Brazilian Girls

Eles são Didi Guttman (teclados e computadores), Jesse Murphy (baixo) e Aaron Johnston (bateria). Ela chama-se Sabina Sciubba e canta, admiravelmente, não apenas no seu italiano natal, mas também em inglês, francês, espanhol, alemão...
Chamam-se Brazilian Girls, movem-se na cena noturna de Nova Iorque e são do melhor que, em tempos recentes, aconteceu à prática de fusões, dissoluções e recriações em que vive quase toda a música popular — são muitas e muito elegantes electrónicas recheadas de reminiscências house, um feeling de jazz, algumas derivações bossa nova, tudo muito dançável e, por vezes, desconcertantemente intimista.
O primeiro álbum — Brazilian Girls — saíu em 2005 e era uma espécie de manifesto desse gosto pelos cruzamentos de referências que, em última instância, geram uma sonoridade metodicamente pop; o segundo — Talk To La Bomb — é de finais de 2006 (chegou há poucas semanas ao mercado português) e possui a gravidade, paradoxalmente ligeira, de um exercício de descomplexada liberdade criativa, com La Signora Sciubba a confirmar-se como um caso muito sério de voz, pose e auto-ironia. Vale a pena ver e ouvir Brazilian Girls no teledisco de Don't Stop, tema emblemático do primeiro álbum.

segunda-feira, abril 23, 2007

Discos da semana, 23 de Abril

Alguns discos que hoje chegam aos escaparates, num breve olhar crítico.

Au Revoir Simone? Não se tem ouvido falar de outro nome. Entre bloggers, são três "velhas amigas" de Brooklyn, com álbum de estreia, auto-editado em 2005 e entusiasticamente elogiado. E entre os fãs, David Lynch, assim como a equipa de produção da série Anatomia de Grey, que logo pediu três canções do álbum de estreia para usar nos seus episódios. Com nome tirado de uma personagem secundária de Pee-Wee's Big Adventure, de Tim Burton, Erika Forster, Annie Haet e Heather D'Angelo, cada qual armada até aos dentes com nada mais que teclados (de preferência baratos), juntaram-se em 2003. E aos quatro anos de vida, e com um segundo e magnífico álbum entre mãos, ameaçam vir a ser um dos "casos" do ano. Descendentes (bem) evidentes da escola Young Marble Giants, aparentadas com os Múm, Broadcast ou mesmo Stereolab, praticam uma pop electrónica feita pastiches gourmet bem recolhidos, de sonhos e sorrisos, discreta e luminosa, doce mas misteriosa. As suas canções são leves como nuvens. Macias como um colchão de algodão. No limbo entre o sono e o despertar. Simples, longe de visionárias, mas arrebatadoramente belas, como um jardim secreto que se descobre a cada audição. As melodias crescem entre teclas e vozes sussurradas. Ao seu redor evoluem filigranas digitais de espantosa fragilidade. Contudo, no seu conjunto, estas canções fazem de The Bird of Music um dos mais viciantes discos pop que 2007 já escutou.
Au Revoir Simone “The Bird Of Music” Moshi Moshi/Edel
Para ouvir: MySpace

Já vão no seu terceiro álbum, mas por muitos ainda são quase ilustres desconhecidos. Na verdade, nem deveríamos usar o plural para falar de uma banda que o não é. Porque Papercuts, na verdade, não é mais que uma aventura de um homem só, Jason Robert Quever de seu nome, parceiro de músicos e bandas como, entre outros, os Casiotone For The Painfully Alone, Vetiver ou Cass McCombs. Nómada com vida pelas estradas e músicas da América profunda, encontrou porto seguro em São Francisco. E, aí, uma música que cruza essa noção de América vivida com a essência de diversas (e bem interessantes) escolas indie pop. Papercut é, portanto, o resultado de uma pausa urbana numa vida de great outdoors... Can’t Go Back, sucessor dos mais discretos Rejoicing Songs e Mockingbird é um evidente passaporte para outro reconhecimento e estatuto para Jason Robert Quaver. As raízes mais evidentes da memória americana (Dylan, Byrds, Buffalo Springfield) são ora o tutano de memórias reinventadas, ora a raiz de uma ideia qual emerge um híbrido que traduz cenas de uma biografia em construção. A actual residência californiana justifica a luz e vida de uma música que, nos confins de cada palavra ou melodia não esquece, contudo, episódios de melancolia e solidão vividos estrada fora. Nem rock nem folk, nem pop nem indie, mas também tudo isto ao mesmo tempo, Can’t Go Back é um pequeno mundo de histórias e vivências em formato de canção. Um álbum que tem em Dear Employee uma das melhores aberturas de alinhamento dos últimos tempos. Uma abertura que seduz. E que tem nos restantes nove temas motivos mais para manter o ouvinte atento... E seduzido.
Papercuts “Can’t Go Back” Sabotage
Para ouvir: MySpace

Com raizes pessoais na cultura punk rock da Alemanha de Leste (sim, clandestina, mas existia!), os Tarwater são um duo constituído por Bernd Jestram e Ronald Lippock (este último uma das forças criativas dos To Rococo Rot). A sua carreira, com discografia que remonta a 1996, nasceu numa sequência sde álbuns essencialmente instrumentais, aos quais muitos associaram a etiqueta pós-rock. Etiqueta que por nada se pode aplicar ao novo álbum, um dos mais entusiasmantes dos seus discos. Mais que nunca (e seguindo pistas já sugeridas pelo anterior The Needle Was Traveling, de 2005), a canção parece ser a meta de um duo que nela encontrou nova terra firme. Canções que, como os seus instrumentais (e aqui ainda encontramos alguns), nascem de estímulos sugeridos pelos sons criados em estúdio, e depois crescem em busca de ideias ou palavras que provoquem eventuais mecanismos de identificação de quem ouve junto de quem cria. Não é uma obra-prima, mas uma sólida conquista evolutiva.
Tarwater “Spider Smile” Morr Music/Flur
Para ouvir: MySpace

Michael Cashmore, um dos mais antigos e regulares parceiros de David Tibet nos Current 93, e velho colaborador de figuras como Nick Cave ou Björk, estreou-se oficialmente a solo com um álbum em 2006. Meses depois, eis um novo disco que, todavia, não podemos encarar como um sucessor dessa estreia em Sleep England. The Snow Abides (formalmente um EP) não é mais que uma recolha de gravações com cerca de sete anos de existência, até aqui escondidas em arquivo privado. Na verdade, devemos ao sucesso recente de Antony Hegarty (Antony and The Johnsons) a visibilidade destas gravações. A sua voz surge em alguns dos temas aqui reunidos e, claro, serve de valor acrescentado para as potencialidades de mercado de um disco feito de delicadas melodias e plácidas cenografias. Piano, cordas, flautas, desenham quadros de travo melancólico nos quais a voz de Antony assenta que nem uma luva, pontualmente cedendo espaço a instrumentais de contido sinfonismo. Como a capa do disco sugere, estas são músicas e canções de tempo frio, trovas de invernia que o calor de uma voz rara aquece e torna confotáveis.
Michael Cashmore “The Snow Abides” Dutro / Sabotage
Para ouvir: MySpace

Não tem sido entusiasmante o panorama editorial português. E a cada excepção à norma, faz-se a festa. E, convenhamos, sabe bem fazer a festa ao som do novo álbum dos Micro Audio Waves. Odd Size Baggage não só é o melhor dos discos deste colectivo, como representa uma das mais interessantes e oportunas aventuras com electrónicas que a música portuguesa viveu nos últimos anos. Depois de arrumadas experiências e ensaios em dois primeiros discos onde tactearam terreno (mostrando já evidentes sinais de ousadia e ambição), chegam ao terceiro álbum com as ferramentas afinadas e uma linguagem pessoal bem definida. Tomaram a canção como meta. E acertaram! Sem se repetir, conseguindo o alinhamento do álbum uma versatilidade pop admirável, Odd Size Baggage cruza referências e estéticas, tempos e formas, sugerindo um paraíso digital que sabe bem descobrir aos poucos. As canções mostram sinais de contemporaneidade, luminosidade cativante e uma voz que sabe como encantar. Afinal, a pop electrónica também acontece por aqui! Escute Shadow of Things ou o tema-título do álbum quem ainda tiver dúvidas.
Micro Audio Waves “Odd Size Baggage” Magic Music
Para ouvir: MySpace

Também esta semana: Arctic Monkeys, Mick Harvey, Feist

Brevemente:
30 de Abril: Pantha du Prince, Blonde Redhead, Bob Dylan (DVD), Tori Amos, Manic Street Preachers, Squeeze (best of), Tributo a Joni Mitchell
7 de Maio: The Knife (edição Deluxe), Simian Mobile Disco, Björk, Groove Armada, Cinematic Orchestra, Elliott Smith, Black Devil Disco Club
14 de Maio: Rufus Wainwright, OMD (reedição), Wilco, Larrikin Love

Maio: Spiritualized, Four Tet, Gary Numan (BBC Sessions), Larrikin Love, Black Rebel Motorcycle Club, The Bravery, Marilyn Manson
Junho: Bonde do Role, Bryan Ferry (DVD)


Estas datas podem ser alteradas a todo o momento

60 x BBC

Ano Bowie 45
BBC - 8 de Janeiro de 2007



Que ele se chama David Robert Jones, já o sabemos. Mas essa é apenas uma das 60 informações que a BBC decidiu reunir para assinlar os 60 anos de Mr. Bowie. Algumas delas: a idade com que começou a aprender saxofone (12 anos); a utilização do tema Space Oddity, em 1969, pela BBC, nas emissões relacionadas com os primeiros astronautas na Lua; a identificação do tema italiano Ragazzo Solo, Ragazza Solo... tudo em Sixty things about David Bowie.

Tati, 1958

Até que ponto a reposição de O Meu Tio (1958), de Jacques Tati, pode funcionar como a (re)descoberta de um genuíno clássico? A pergunta justifica-se, quanto mais não seja porque, de acordo com a ideologia televisiva dominante, o passado cinematográfico tende a ser encarado como uma curiosidade meramente "pitoresca". Pior do que isso: quando esse passado tem a ver com a comédia, quase sempre surge o preconceito paternalista segundo o qual os autores cómicos não passariam de derivações menores dos "verdadeiros" clássicos...
É pena se assim acontecer. De facto, O Meu Tio é um objecto de rara depuração formal e, mais do que isso, uma visão crítica do valor social da tecnologia cuja actualidade simbólica não se desvaneceu. Retomando a sua personagem emblemática — "Monsieur Hulot" —, Tati encena os êxtases e rotinas de uma família em ascensão social (a do sobrinho de Hulot), desse modo expondo os equívocos existenciais que fundamentaram o nascimento da sociedade de consumo (depois tão modelarmente analisada por estudiosos como Jean Baudrillard).
Com um humor de infinita subtileza, em tudo e por tudo alheio à lógica da gargalhada grosseira, hoje em dia imposta pelas mais medíocres derivações da stand-up comedy, O Meu Tio constitui, além do mais, a possibilidade de reeencontrar um dos grandes mestres do cinema francês. Embora exterior às lógicas e ao trabalho da Nova Vaga francesa, ele era também, neste final da década de 50, um dos mais revolucionários criadores da produção cinematográfica europeia.

Daft... Gerry

Um filme dos Daft Punk sem os Daft Punk? Nem mesmo a música dos Daft Punk?... Nem mesmo electrónicas por perto?... OK, expliquemo-nos... Electroma é na verdade um muito longo e ainda mais lento devaneio essencialmente visual, apenas pontualmente musical, assinado por Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem Christo, ou seja os Daft Punk. Porém, apesar de pensado em volta da noção do homem-robot que o duo francês tomou por imagem de marca há já alguns anos (usando inclusivamente os mesmos capacetes hi-tech que em 2006 vimos no concerto no Sudoeste), nada mais aqui deve ao universo da banda. De resto, não há uma gota de música da banda num conjunto de sequências que somam até mais minutos de silêncio que de notas tocadas ou cantadas, cabendo esses desejados oásis de som a gravações de Todd Rundgren, Brian Eno, Curtis Mayfield ou Sebastien Tellier, assim como a interpretações de obras de Chopin ou Haydn. Sem uma narrativa evidente, o filme segue a deambulação, sem palavras, de dois robots, ora a guiar por estradas quase vazias, ora entregues a uma equipa de técnicos de laboratório, em fuga dos seus semelhantes depois de "vestidas" máscaras de rostos humanos... E, mais tarde, caminhando pela orla do deserto californiano, logo depois por um campo de dunas dentro. Uma deambulação que, após fracassado sonho de humanidade (a herança Pinóquio ainda dá frutos, naquela que é a única grande ideia do filme), os lança definitivamente pelo deserto dentro, sem rumo aparente, o desnorte abraçando-os, sem que a vontade em regressar os acorde deste torpor. Minimalismo sci-fi? Na verdade, são frequentes as citações ao soberbo Gerry de Gus van Sant, não apenas nos regimes de caminhada e cenários, como no evidente tom surreal que nos é sugerido. No final, instala-se a dúvida: estas imagens, devidamente editadas, teriam gerado um belo teledisco. Porém, esticadas à duração de uma ideia de cinema que aqui não parece existir, são provação a que nem todos os fãs dos Daft Punk conseguirão resistir...
(versão longa de texto hoje publicado no DN)

Electroma
Realização: Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem Christo
Sessão no São Jorge (sala 1) pelas 21.45 (duração 74')


Patrick Wolf produz Marianne Faithfull

Patrick Wolf vai produzir o próximo álbum de Marianne Faithfull, cuja edição está prevista para ainda este ano. O músico revelou a notícia, em primeira mão, em entrevista na edição desta semana dos Discos Voadores, comparando os objectivos da ideia que tem em mente ao que, nos últimos anos, vimos acontecer entre o produtor Rick Rubin e Johnny Cash, ou seja, certamente veremos uma abordagem relativamente minimalista à música, privilegiando a voz e potencial interpretativo da cantora. O projecto deverá incluir novas versões para velhas canções, uma delas devendo ser o clássico As Tears Go By. A relação entre os dois músicos teve primeiro episódio numa etapa final da concepção do álbum The Magic Position, de Patrick Wolf, quando este desafiou Marianne Faithfull a cantar um dueto consigo em Magpie. Ao vivo, Patrick não deixa de tocar esta canção, usando para o efeito um registo vocal gravado da veterana nova parceira.
De passagem por Lisboa, Patrick Wolf foi desafiado a entrar no ovni, para uma conversa à volta da sua música e dos seus discos de referência.

CocoRosie "Rainbowarriors"
Au Revoir Simone "Fallen Snow"
Micro Audio Waves "That's Me Man, Half A Man"
Björk "Earth Intruders"
Patrick Wolf "The Magic Position"
Panda Bear "Comfy In Nautica"
Pantha du Prince "Saturn Strobe"
Peter Von Poehl "Virgin Mountains"
Sérgio Godinho "O Velho Samurai"
BC Camplight "Soy Tonto!"
The Shins "Girl Sailor"
Yo La Tengo "I Should Have Known Better"
Of Montreal "Heimdalsgate Like A Promethean Curse"
Alex Gopher "Go!"
Ratatat "Gettysburg"
Tarwater "World Of Things To Touch"

Patrick Wolf "Enchanted"
Klaus Nomi "Cold Song"
Osvaldo Golijov + Dawn Upshaw "Tancas Serradas a Muru"
Marianne Faithfull "As Tears Go By"
Joni Mitchell "California"
Patrick Wolf "The Stars"

Discos Voadores - Sábado 18.00 / Domingo 22.00
Radar 97.8 FM
ou www.radarlisboa.fm

domingo, abril 22, 2007

A morte, por um não crente

Aos nove anos de idade, Gabriel Fauré (1845-1924) foi um dos primeiros alunos de uma nova escola para “música religiosa e clássica” em Paris. Aí começou por ser um aluno de excepção (sobretudo no trabalho no órgão e com coros) e, mais tarde, professor, somando experiências, sobretudo na construção de uma noção muito clara de identidade cultural que o formaram enquanto indivíduo e compositor. Experiências marcantes quando, mais tarde, encontrou lugar como organista na Madeleine (sucedendo a Saint Saëns e Dubois), posto talvez estranho para um não crente, todavia não céptico, projectando muita da filosofia e noção de cidadania do seu tempo numa obra que emergia aos poucos.
Durante a primeira etapa da sua carreira criativa, dedicou tempo a, sobretudo, formas mais simples, da canção à música de cena, dessa época datando também muita da sua obra para piano. As composições de maior amplitude (entre as quais uma ópera, Penélope) surgiram depois dos 60 anos. Porém, aquela que é por muitos apontada como uma das suas obras de referência, criou-a ainda antes de chegado aos 50 anos. Data de 1887 (se bem que a versão final tenha sido apenas apresentada em 1900) e é um dos mais belos exemplos de música coral de todos os tempos. Trata-se da sua Missa de Requiem, que acaba de regressar aos escaparates das novidades em CD numa assombrosa gravação dirigida por Michel Corboz, à frente da Sinfonia Varsovia e do Ensemble Vocal de Lausanne.

O Requiem de Fauré tem uma história atribulada e, como tantas outras obras-primas, uma gestação por etapas, de escrita e reescrita, em busca da ideia total. Ao contrário de tantas outras missas pelos mortos, Fauré começou a trabalhar num Requiem por nada mais que... gosto. Por prazer (sendo hoje praticamente certo que as mortes da sua mãe e pai, respectivamente em 1885 e 1887, não estarão ligadas a esta vontade). O próprio esclareceria, mais tarde, que este desafio serviu ainda para procurar uma outra maneira de acompanhar a despedida dos mortos, cansado que estava (o organista) de assinalar esses momentos segundo cânones sempre iguais.
Um ano depois de lançadas as primeiras ideias (que logo evidenciavam uma franca atitude melodista, assim como uma tendência para mergulhos no obscuro, na introspecção), tinha pronta uma primeira versão, para pequena orquestra. E assim a estreou em Paris, em 1888. Intenso trabalho conduziria a música no sentido de uma mais eloquente e grandiosa identidade que, quando apresentada em 1900, valeu ao compositor algumas críticas pelo tom invulgarmente positivo e luminoso que sugere. Chegaram mesmo a descrever a missa como uma espécie de canto de embalar pelos mortos, o que de Fauré mereceu resposta à altura da provocação, limitando-se a explicar que, para si, a morte não era mais que uma entrega livre, uma aspiração ao maravilhoso da transcendência e não uma transição pela dor. Ou seja, tudo menos uma experiência de dor e melancolia terminal. E, convenhamos, o seu Requiem é expressão evidente dessa atitude invulgar perante a morte, a paz sublime da voz solista no Pie Jesu ou do arrebatador coro no Agnus Dei a sublimar medos e angústias de outras peças mais tensas, “teatrais” e opressivas que a história nos foi revelando em tantas outras ocasiões.
Mais de cem anos depois, a missa pelos mortos de um compositor para quem o conceito de Deus se confundia com o de Amor é hoje vista sem o filtro de quem criticava, na época, a sua não-crença. Na verdade, é das mais belas dádivas de um mortal à música religiosa, expressão de uma visão pessoal sobre a fé por alguém que via a morte como apenas uma personagem suave e discreta. Como ele próprio se via a si mesmo... Tanto que a 8 de Novembro de 1924, no dia do seu funeral, foi esta a música que acompanhou a descida do caixão à cripta na Madeleine.

Na espantosa edição da Mirare, à Missa de Requiem (opus 47), juntam-se outras peças de música coral religiosa de Fauré, nomeadamente a Ave Verum (opus 65) e Ave Maria (opus 67), ambas para vozes femininas e orgão e o Tantum Ergo (opus 56), para coro e órgão. No Requiem são solistas Peter Harvey (barítono) e Ana Quintans (soprano). Nota final para a capa, magnífica, explorando um óleo de Emilie Renouf: La Veuve de L’île de Sein.

O suave milagre

Ano Bowie 44
'Miracle Goodnight' - Single, 1993



O terceiro (e último) single extraído do álbum Black Tie, White Noise (que em 1993 devolveu Bowie a patamares de interesse, popularidade e aplauso que não conhecia desde os dias de Let's Dance, precisamente dez anos antes) é uma das pérolas menos conhecidas da sua obra nos anos 90. Certamente composta depois da lua de mel com Iman, no Bali, é uma evidente canção de amor, sem espaço para dúvidas numa letra clara como poucas. Um riff para teclado electrónico (que Bowie disse ser inspirado em "cantos" de sapos no Bali) é insistente coluna vertebral de uma canção que cresce em voltas, desembocando num momento épico, no qual se cita, devidamente reinventado, um momento de The Arrival of The Queen of Sheeba, de Haendel. Sucessor de Jump They Say e do tema-título do álbum, teve discreta presença nas tabelas de vendas, não ultrapassando o número 40, logo na semana de lançamento, em Outubro de 1993. No lado B, uma homenagem a Lester Bowie, retirada do alinhamento do álbum.

Miracle Goodnight (Arista, 1993)
Lado A: Miracle Goodnight
Lado B: Looking For Lester
Produção: David Bowie e Nile Rodgers



Pela discreta carreira comercial do single se justifica a igualmente pouco visível vida de um dos mais interessantes telediscos de David Bowie. Realizado por Matthew Rolston, mostra-nos uma série de dispositivos visuais, nomeadamente citações pop art e uma curiosa utilização de espelhos (uns reais, outros construídos na montagem de ecrãs fragmentados). Mais significativo é o reencontro de Bowie com um sentido de teatralidade que nos remete a referências aos dias em que trabalhou como mimo na Inglaterra de finais de 60. Bowie veste várias personagens, num jogo de sugestões que fazem deste um dos mais deslumbrantes dos seus telediscos de 90.

Os 70 anos de Jack

Não se inquietem com o ar ameaçador (foi apenas Scorsese que o mostrou assim, em The Departed/Entre Inimigos). Mr. Nicholson é uma excelente pessoa e, embora no bilhete de identidade esteja escrito que ele se chama John Joseph, é comum chamarem-lhe Jack. Nasceu a 22 de Abril de 1937, o que quer dizer que faz hoje 70 anos. Happy birthday, Jack!

sábado, abril 21, 2007

Discos Voadores no IndieLisboa

Ouvem-se ovnis pelo folyer do São Jorge... Discos Voadores, em registo lounge na noite de segunda-feira, dia 23, a partir das 23 horas. Receita mais electrónica, a guitarrada indie do costume lá mais para a noite... Quem aterrar por ali perto, apareça...

A China aqui tão perto

É uma história em que há uma pistola. Mas não é uma história que possamos adivinhar por nela haver uma pistola — é preciso seguir o movimento dos pensamentos, os circuitos imponderáveis dos desejos e também a luz peculiar de Lisboa.
Em apenas 17 minutos, China, China dá a haver uma espécie de "tribo chinesa em cenários lisboetas" (o pai e o filho fascinados por filmes chineses com muitas cenas de violência, a mãe construindo mentalmente a possibilidade um regresso). O filme transforma um quase fait divers num pequeno e fascinante ensaio sobre o modo como se pertence ao lugar onde se não está — ou como se permanece aí, num recanto de onde o pensamento já partiu para um exílio sem nome.

Com assinatura de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, China, China é um dos mais belos filmes surgidos, em tempos recentes, na produção portuguesa: um pequeno prodígio de contenção e inteligência, habitado por corpos muito concretos e uma alma quase abstracta, em convulsão. Passa hoje no IndieLisboa (Fórum Lisboa, 19h00), repetindo nos dias 23 (King 1, 22h00) e 26 (King 3, 17h45).

sexta-feira, abril 20, 2007

Sequelas da solidão

Passa hoje (IndieLisboa, competição) o filme Le Dernier des Fous, do francês Laurent Achard. Com impressionante cuidado visual, magnífica direcção de actores e um argumento de dar socos no estômago, esta é a história de uma família da França rural dos nossos dias onde os esforços de uma avó gélida e de um pai desmotivado para manter as aparências não escondem a tempestade que a desmorona de dia para dia. O filme é centrado no dia a dia do pequeno Martin (espantosa interpreetação de Julien Cocheli) que, aos 13 anos, é paradigma da solidão que tantas depressões gera entre adolescentes. A sua mãe five fechada num quarto. A avó, já o dissémos, é máquina-gestora de uma quinta à beira da falência. O pai, desencantado, um morto-vivo ao serviço do campo. Todos tratam Martin com indiferente silêncio. A excepção é o irmão mais velho, que sonha ser escritor, e passa as tardes de Verão a ler livros ao pequeno Martin. O ténue equilíbrio rompe-se quando a vida emocional do irmão cai por terra ao saber que o seu antigo companheiro vai casar... A solidão de Martin amplifica-se. E o pequeno rapaz, habituado a espreitar o mundo por buracos nas paredes, acabará por agir de forma tão exacerbada quanto o ruido insuportável do silêncio a que a sua existência é votada.

Le Dernier des Fous
Realização: Laurent Achard
Sessão hoje no Cinema King, pelas 22.00. Repete quinta-feira, pelas 16.00.

Cannes 2007: o cartaz

Acontece em Maio. Começa a 16 vai até dia 27. O maior festival de cinema do mundo já tem cartaz: Cannes 2007 celebra a variedade e a exuberância criativa do cinema através de um affiche que combina várias fotos, assinadas por Alex Majoli (Agência Magnum) e obtidas durante a edição de 2006; a montagem das imagens é de Christophe Renard.

No topo está o cineasta do Mali, Souleyman Cissé; na zona central do cartaz surgem a espanhola Penélope Cruz, o chinês Wang Kar-wai e dois franceses, Juliette Binoche e Gérard Depardieu, tendo entre eles a neozelandesa Jane Campion; na linha de baixo estão dois americanos, Bruce Willis e Samuel L. Kackson, e o espanhol Pedro Almodóvar.

quinta-feira, abril 19, 2007

As cidades remisturadas

Abre hoje mais uma edição do festival Indie Lisboa. São várias as sessões que o Sound + Vision recomenda, a primeira das quais representando, de resto, a "abertura oficial". Trata-se de Life in Loops, filme-concerto no qual a música dos Sofa Surfers caminha sobre imagens "remisturadas" do assombroso documentário Megacities, de Michael Glawogger, filme que deu que falar quando foi exibido numa edição anterior do festival e que, recentemente, chegou ao DVD entre nós. Life In Loops é, na essência, um desafiante exercício eminentemente estético, as imagens "repensadas" para servir um conceito que muito deve agora à música dos Sofa Surfers. Porém, mesmo sem a cuidada contextualização que fazia de Megacities um olhar-retrato sobre uma colecção de realidades actuais em regime urbano, não deixa de querer mostrar figuras e espaços, inevitáveis conclusões (que, mais sugeridas que condicionadas, afloram ao gosto e sensibilidade de cada um). No final, apenas uma ressalva: a pobreza extrema não é bela, por mais deslumbrantes que sejam as imagens e sons que a retratam (ou usam em nome da arte). Para os interessados, fica um excerpto de uma sequência em Nova Iorque:

Life In Loops
Realização: Timo Novotny
Sessão no Cinema São Jorge, pelas 21.30



Falar de Life In Loops, obriga-nos a recordar Megacities, o filme de 1998 que está na base desta aventura de som e imagem: aqui o recordamos:

Uttam dorme nas traseiras de um restaurante numa rua esquecida, igual a tantas outras, um entre os mais de 13 milhões de anónimos da gigantesca metrópole que é Bombaim. Durante o dia trabalha, cesto abaixo, cesto acima, na descarga de peixe numa das docas. Mas à noite, sim, aí vive. Porque, como diz, “viver é ver filmes”. E não perde um, sempre que pode. Uttam é protagonista de uma entre as muitas histórias de gente real que Michael Glawogger observou e nos revela em Megacities. O filme caminha pelas ruas das traseiras de quatro grandes cidades (Bombaim, Moscovo, Cidade do México e Nova Iorque), nelas encontrando vidas que, como em tempos descreveu o cronista Joseph Mitchell, conhecem “anos de profunda intimidade com a pobreza”. Vidas precárias, tendo a sobrevivência como meta possível. Vidas como a de Baba Khan, tintureiro de Bombaim, que se veste involuntariamente com o pó da tinta que recicla numa peneira, conterrâneo de Shankar, o homem que todos os dias corre a cidade mostrando pedaços de filmes, cozidos à mão, num velho bióscopo. Ou Modesto, vendedor patas de galinha na Cidade do México, que nos explica como se prepara este “pitéu” que há anos lhe assegura o ganha-pão. Mais à frente vemos Rubio, da mesma cidade, um ladrão “profissional” que procura que nada falte à família. Ou ainda mexicano, Nestor, respigador nas lixeiras no subúrbio. Em Moscovo conhecemos Kolya, um rapaz sem-abrigo que vive em bando quase selvagem nas ruas da cidade, a velha capital imperial que visitamos numa noite em que nos é revelado um centro de desintoxicação de alcoólicos “perdidos”. De regresso ao México acompanhamos Cassandra, uma stripper roliça que dança e se deixa tocar a troco de dinheiro num teatro decadente de periferia, não muito diferente sendo a vida de Toni, falso prostituto nova iorquino que assalta os clientes e ganha mais a vender drogas que alugando o corpo à hora... Em quase todas as histórias, resignadas, o sonho contudo marca presença. O sonho que alimenta a sobrevivência, a única resistência possível a verdadeiras vidas em loop.
Sob espantosa direcção fotográfica de Wolfgang Thaler, Megacities é como o Powaqqatsi de Godfrey Reggio sem a necessidade de “servir” a música de Philip Glass ou um Baraka, de Ron Fricke, despido da aura new age que a respectiva banda sonora lhe imprimia. Curiosamente, a menos que parta dos espaços filmados, a música quase não existe em Megacities. O filme é cru e verdadeiro. Por vezes pontualmente encenado (sem que tal contrarie a pulsão “realista” que estrutura o filme). Como se de uma exposição de fotografias (com som e movimento) se tratasse. Poucas palavras, o texto muitas vezes apenas no contexto.
(Este último texto foi originalmente publicado na revista 6ª)

The In Sound From Way Out...

Beastie Boys, em concerto instrumental, a 12 de Junho na Aula Magna (ou seja, um dia depois da sua actuação no Alive Festival). É, desde já, uma das notícias do ano!
Outros concertos entretanto confirmados garantem-nos os Sonic Youth em Paredes de Coura, a 15 de Agosto e os Klaxons no Porto, a 1 de Junho. Ainda cabem mais concertos na agenda de 2007?

quarta-feira, abril 18, 2007

A IMAGEM: Sam Shaw, 1957

Sam Shaw
Marilyn Monroe, Central Park, New York, 1957

Patrick Wolf hoje no Lux

Patrick Wolf actua hoje à noite no Lux. Hora marcada: 22.00. Será o primeiro concerto do músico na cidade, e deverá ter na ementa, como protagonistas, as canções do recente The Magic Position. Para efeitos de aperitivo, aqui fica o teledisco do tema que dá título ao álbum. Pop, pop, pop... Antes do som e das imagens, memórias recentes (em texto originalmente publicado na revista 6ª).

Qual é, afinal, o mundo de Patrick Wolf? O de um violetista de sensibilidade rara, mas que gosta de contaminar a sua música com outras fontes de som? O de um cantautor que partilha genéticas na música clássica e folk com um óbvio sentido pop? O de um esteta em pleno processo de ensaio e erro, aventura ainda à procura de porto, e alguns anos somados de vida nómada a justificar os muitos caminhos até aqui experimentados? Ou, como o próprio explica, com claro sentido de humor, ao afirmar que cada um de nós é “na verdade cem pessoas ao mesmo tempo”. Ou, como continua: “Não somos um estereótipo de nós mesmos, pelo que gosto da ideia de poder celebrar o facto de acordar em atmosfera suicida e, à hora do almoço, ter vontade de me casar...” No fundo, isto não é mais que o estranho, mas envolvente e contagiante mundo de sensações que encontramos no seu novo disco. “The Magic Position é, creio, uma boa representação daquilo que fui durante um ano”, confirma. Umas canções foram escritas num contexto espacial de instabilidade, mas de grande estabilidade emocional: “Aquela estabilidade encontrada... Aquela calma que se alcança quando se conhece alguém com quem se quer partilhar os dias que faltam das nossas vidas. E isso permitiu-me expressar, artisticamente, coisas muito diferentes”, confessa.

Este, na verdade, talvez seja o mais pessoal (e transmissível) dos seus álbuns e não tem sido por acaso que os seus amigos, após uma primeira audição, lhe têm telefonado a felicitá-lo: “Creio que consegui finalmente expressar o que sempre tinha querido dizer aos meus amigos, escrever o que nunca tinha conseguido dizer... Foi quase uma experiência confessional ao jeito religioso”, explica. E não parece receoso pelo patamar de exposição em que agora é colocado. “Estou mais confiante”, conclui. Na verdade, Patrick Wolf sempre gostou de desafiar as suas fragilidades e de se sentir confrontado com o inesperado “sobretudo naqueles momentos em que somos obrigados a regressar à estaca zero”. Há um ano e meio estava afogado em dívidas e emocionalmente quase derrotado. Voltou ao zero. Gravou um novo disco. Renasceu. “Documentei um pedaço da minha vida, gravei-o, coloquei-o numa caixa. E agora pode ser apreciado, comentado, discutido, reflectido. Mas já não é meu. Libertei-me dele”, conclui.