quarta-feira, janeiro 31, 2007
Cinderela, aliás Scarlett Johansson
O corvo... mudo
Encomendado pela Comissão Nacional Para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses e estreada na recta final da Expo 98 no Teatro Camões, a 26 de Setembro de 1998, a ópera O Corvo Branco, de Philip Glass é, por razões distintas, um motivo de orgulho e vergonha para o nosso país. Orgulho por representar um dos mais notáveis episódios do já extenso catálogo operático do compositor, e a terceira das colaborações com o encenador Robert Wilson (depois do histórico Einstein On The Beach e de The CIVIL warS: Rome Section). Vergonha pela total ausência de movimentações (pelo menos visíveis) no sentido de assegurar não só a sua gravação, como eventual representação em Lisboa ou outras cidades portuguesas, depois das curtas três récitas públicas de Setembro de 1998.
Com libreto de Luísa Costa Gomes, cantado em português, O Corvo Branco é das óperas mais invisíveis de Philip Glass e, portanto, das menos conhecidas, a sua frequente menção devendo-se sobretudo ao facto de recuperar a dupla compositor/encenador de Einstein On The Beach. Co-produzida pelo Teatro Real de Madrid, O Corvo Branco teve passagem pela capital espanhola depois das discretas récitas lisboetas. Mesmo assim, ao contrário da RTP ou RDP, a RTVE não só transmitiu em directo uma das representações, como a deve manter no seu arquivo. Nove anos depois não se pedem mais contas pelo aparente imobilismo que não permitiu o registo áudio nem vídeo da ópera em Lisboa. Mas ninguém, na RTP, se lembrou ainda de pedir à RTVE a cedência do vídeo para exibição em Portugal?
O lindíssimo quinto acto de O Corvo Branco chegou a ter uma interpretação mais, numa noite dedicada a Glass no nova-iorquino Lincoln Center. E acabou ostensivamente citada no andamento VIII da sua Sinfonia Nº 5. Fora isso, é como se fosse coisa esquecida.Bradaram raios e coriscos muitos que não concordaram com o dinheiro gasto nesta produção. Cara, de facto, para apenas três noites de luxo em fim de Expo. Mas potencial registo da exposição (e de um olhar pela identidade portuguesa), caso tivesse direito a gravação e comercialização, sobretudo em disco. Mas não está tudo perdido. As partituras estão disponíveis em ChesterNovello.com. CCB? Culturgest? Serralves? Casa da Música? Ninguém as aluga, transforma em espectáculo, grava e edita em disco? Que o corvo não morra na praia...
Centro Pompidou: 30 anos
Entre as exposições neste momento patentes, o "Beaubourg" (de acordo com a sua localização, perto de Les Halles e do Marais) oferece uma panorâmica da obra de Hergé, cujo centenário se cumpre este ano, e ainda "Le Nuage Magellan" (do título de um livro de Stanislaw Lem), dedicada ao modernismo e às suas derivas utopistas. Para 14 de Março, anuncia-se uma exposição dedicada a Samuel Beckett. O livro de Germain Viatte (ed. Gallimard), cuja capa se reproduz, é uma recentíssima publicação que recorda, precisamente, a criação do Centro Pompidou, traçando as linhas mestras da organização da sua colecção e também do seu sucesso junto do público.
Saír para fora lá dentro
Pessoal, mas transmissível
Pinned by a dream state
you are fearless
and your empty arms
waiting for no one
You wanted to be wanted
party to this party
you are blameless
ask a question
You get an earful
you are wanted
you are wanted
when you're head over heels
in shock
and the little green apples falling around you
In the darkest room
where the music's loud
the mouth you're seeking finds your mouth
we are wanted
we are wanted
Manobras orquestrais... às claras
Os interessados podem procurar informações regulares no renovado site oficial dos OMD, com abertura ao estilo de Peter Saville.
Mozart ou Vivaldi?
terça-feira, janeiro 30, 2007
Love story (*)
Singularíssima figura do mundo do rock (liderando a banda Hole e, depois, a solo), actriz irregular de cinema (com uma genial composição no filme de 1996 Larry Flynt, dirigido por Milos Forman), viúva e herdeira de Kurt Cobain (que se suicidou em 1994, contava 27 anos), Courtney Love é essa personagem de muitas contradições e derivas, também conhecida por...
Não admira que Dirty Blonde seja tudo menos uma típica autobiografia. Courtney Love recusa qualquer dispositivo que encerre as suas memórias num “destino”. Bem pelo contrário: este é um livro que mergulha na história da narradora/protagonista, am-pliando, página a página, um efeito de intimismo sem remorsos e, apetece dizer, sem tréguas.
Muitas vezes citada pelos “excessos” da sua história privada, Courtney Love opta por multiplicar esse assombramento, propondo um livro de cruas e serenas confissões: são folhas soltas manuscritas, imagens recuperadas dos mais recônditos álbuns de família, momentos de riso ou lágrimas a que não pertencemos. Há mesmo algumas imagens, belíssimas, de Frances Bean, a filha de Courtney e Cobain — tudo recoberto pela estranha verdade de um paciente e silencioso pudor.
* Texto publicado na revista "6ª", Diário de Notícias (12 Jan.).
FOTOGRAMAS: Café e Cigarros, 2003
COFFEE AND CIGARETTES / Café e Cigarros
EUA, 2003
Realização: Jim Jarmusch
Produção: Jason Kliot, Joana Vicente
Argumento: Jim Jarmusch
Interpretação: Roberto Benigni, Steve Buscemi, Cate Blanchett, Jack White, Meg White
Sequelas do 'Big Brother' (*)
Dos crimes sexuais à corrupção no futebol, muitos são os casos que, nos últimos anos, suscitaram a discussão do papel da televisão em relação à justiça e, mais especificamente, face ao funcionamento do aparelho estatal da justiça. Na esmagadora maioria desses casos, a discussão reduz-se à avaliação do respeito (ou não) do segredo de justiça. Insisto: reduz-se.
Escusado será sublinhar a importância social e simbólica do segredo de justiça. Tal importância tem sido, aliás, reiterada por personalidades de todos os quadrantes e sensibilidades políticas. Seja como for, o que está em causa excede o problema dos “desvios” a que, com chocante frequência, são sujeitos documentos e informações numa fase em que deviam existir apenas como matéria específica do exercício da justiça e do trabalho dos tribunais. O que está em causa decorre da assunção da televisão como instância de julgamento e, no limite, prova de verdade única e irrefutável.
Há, nesse aspecto, um revelador tique mediático. Sempre que, num debate televisivo, alguém tenta questionar o papel da televisão nessa reconstrução populista da justiça, os moderadores tendem a mostrar-se espantados, por vezes insinuando mesmo que alguém está a tentar anular o saudável papel democrático da própria televisão. Ora, o que é ainda mais espantoso é que tais moderadores não o fazem por cinismo nem desonestidade. Bem pelo contrário: estão apenas a ser genuínos porque, no fundo, acreditam que a televisão se transformou no oráculo automático de todas as verdades. Quer isto dizer que a ideologia do Big Brother conquistou o poder. Na prática, muitas formas de informação televisiva assumem-se como fonte divina de um conhecimento sem rugas nem ambiguidades.
Até mesmo a linguagem quotidiana banalizou essa violência. Dantes a expressão “eles dizem que...” remetia para a classe política e, no tempo do Estado Novo, para as práticas ditatoriais. Agora, “eles” são sempre a televisão. E se é verdade que tal não nos coloca a viver em ditadura, não é menos verdade que a democracia não pode prescindir desta interrogação: que significa termos, todos os dias, um tribunal em casa? Que percepção esse tribunal nos oferece da vida social? E que consciência cívica construímos através dele?
* Texto publicado na revista "6ª", Diário de Notícias (28 Jan.), com o título 'Tribunal caseiro'.
O carrossel dos esquisitos
O primeiro episódio, da primeira época, começava com uma breve declaração de dimensão quase bíblica na voz de Samson, um anão (interpretado por Michael J Anderson, que em tempos vimos em Twin Peaks): “Antes do começo de tudo, depois da guerra entre o céu e o inferno, Deus criou a Terra e deu-a a governar ao engenhoso símio a quem chamou homem. A cada geração nascia um ser da luz e um da escuridão... Grandes exércitos chocaram entre si, de noite, numa guerra entre o bem e o mal. Mas nesses tempos havia magia. Nobreza. E uma crueldade inimaginável. E assim foi até ao dia em que um falso Sol explodiu sobre Trinity, e o homem para sempre trocou o encanto pela razão”... Estas palavras encenam por si só o contexto. E depois de as escutarmos descobríamos os protagonistas e satélites desta última geração de seres da luz e escuridão em confronto. Por um lado um circo, chefiado pelo já referido anão, sob as ordens de uma entidade nunca vista, eternamente fechada numa carroça, a quem chama management... O circo, um verdadeiro freak show, onde encontramos uma cartomante coadjuvada por uma mãe em estado catatónico, um vidente cego que mantém uma relação com uma estranha mulher de barba, uma encantadora de serpentes, duas irmãs siamesas, um gigante, um homem de rosto desfigurado, uma família que vive dos espectáculos de strip tease (com complementos, pagos, a sós), entre outros mais. Circo que, a dada altura (descobriremos que a mando do management), passa por Milfay, descampado varrido pela desolação onde o foragido Ben Hawkins (interpretado por Nick Stahl, a “vítima” de Bully) é salvo e resgatado. Longe dali, conhecemos o Padre Justin (Clancy Brown), que começamos por ver entregue a uma missão de auxílio a migrantes sem-abrigo que não agrada à hierarquia da Igreja e à comunidade local mas que, depois de uma catástrofe, acaba transformado num anjo do mal encetando, com a ajuda da irmã, uma missão diabólica de que aos poucos vamos tomando consciência.
A Feira da Magia foi inicialmente pensada para ser contada ao longo de seis épocas, pelo que a decisão de a cancelar ao fim de duas acaba por deixar algumas pontas soltas. As audiências foram favoráveis à Feira da Magia no início da primeira época, mas ao cabo de 12 episódios tinham caído substancialmente. E nem mesmo a subida gradual a meio da segunda impediu a HBO de, a um terço da ideia concluída, ter decretado o fim, alegando a sua presidente, ter o desfecho da segunda época garantido um final condigno, orgulhando-se dos feitos conseguidos em 24 episódios. Lágrimas de crocodilo que colocaram um fim abrupto a uma série que, entretanto, ganhara estatuto de pequeno culto. Mais uma analogia “Lynchiana” aqui, se nos recordarmos que também Twin Peaks teve ordem de cancelamento no final da segunda época. Entre os extras que a caixa desta segunda série revela (sobretudo em comentários a alguns dos episódios) encontramos uma série de pistas sobre a história que ficou por contar e que, depois da intensa campanha de protestos, leva agora a HBO a ponderar a possibilidade de uma mini-série que resolva, em poucos episódios, a história incompleta.
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Shinszices (parte 1)
No Espelho
'Thursday's Child' (1999) - teledisco de Walter Stern
Há uma arte de envelhecer que se confunde, não com a cedência ao vazio, antes com a intensificação das descobertas. Envelhecer passa a ser, então, saber olhar o espelho, exigindo que nele aconteça mais do que o nosso reflexo. É o que David Bowie faz, literalmente, no teledisco de Thursday' Child. Ou seja: conceber o outro lado como o território vivo das memórias que, do lado de cá, se mostram carentes de imagem. Thursday's Child resulta, assim, uma breve e tocante história de amor — um homem e uma mulher; o mesmo homem e a mesma mulher num passado comum. E não é possível responder à pergunta "quem é corpo e quem é imagem?" — é dessa impossibilidade que nasce o amor.
segunda-feira, janeiro 29, 2007
Discos da semana, 29 de Janeiro
A voz de Kristin, aos 40 anos, é de tudo menos de alguém que procura imitar a estrela que não é nem quer ser. É uma voz vivida, magoada e recomposta. Veículo de dor e perda. De aparente resignação mais que de vontade em gritar por causas perdidas. Learn To Sing Like A Star é, todavia, tudo menos um álbum de uma desistente. É, antes, um olhar maduro sobre etapas de vida que a razão acaba de conquistar à emoção (nunca a obliterando, contudo). Este é um disco substancialmente diferente do anterior The Grotto (de 2003), no qual participavam Howe Gelb e Andrew Bird. Kristin é omnipresente. Toca quase todos os instrumentos, salvo a bateria (que entrega a David Narcizo, dos Throwing Muses) e as cordas, violino e violoncelo respectivamente nas mãos de Martin e Kimberlee McCarrick. As canções são híbridos não laboratoriais que cruzam a fragilidade das cordas e o desenhar de melodias no dedilhar da guitarra acústica com o vigor de uma electricidade contida (em evidente manifestação de uma linguística que tem nos Throwing Muses uma identidade há muito firmada). A voz transporta uma melancolia em estado de consciente nudez, que corta o fervor da intensidade que brota do amplificador. “Pinned by a dream state / you are fearless / and your empty arms /waiting for no one / you wanted to be wanted” canta logo nos primeiros instantes de In Shock, observando-se como se vista a si mesmo de fora. Ponto de partida para uma viagem onde a crueza sóbria das palavras convive com uma música tão terna quanto inquieta.
Madonna “The Confessions Tour”
Na verdade estamos mais frente ao extra de um DVD que, propriamente a um álbum ao vivo. Do DVD, sem gastar muito francês, diga-se que c’est genial! É o melhor dos filmes de concertos de Madonna, a colaboração com o realizador Jonas Akerlund atingindo aqui aquele sentido de empatia característico de velhos cúmplices. Este é o mais político de todos os concertos de Madonna, farpas lançadas sem o peso “oficioso” dos discursos de Bono ou Sting. E, na música e performance, o atingir da perfeição de um modelo de espectáculo feito de quadros que Madonna desenvolve desde a Girlie Tour de há quase 18 anos, espaço todavia para lançar pistas sobre futuras demandas performativas quando veste, simplesmente, a pele da cantora em I Love New York, os músicos bem visíveis a seu lado. Já o CD carece claramente da imagem para conseguir o mesmo efeito. Aqui estamos apenas perante uma reinvenção, com palmas e gritos do que escutámos em disco de estúdio, a diferença justificando-se apenas nos temas antigos trazidos para a linguagem “Confessions” ou no já citado I Love New York, onde a vova vive de facto a intensidade do palco da mesma forma que o corpo a dança nos demais momentos.
Clap Your Hands Say Yeah “Some Loud Thunder”
Há pouco mais de um ano as atenções voltavam-se para este colectivo de Brooklyn que, como poucos, conseguira encontrar espaço para afirmar um rasgo de personalidade própria em sede cut & paste. E, feitas as contas, o seu álbum de estreia, lançado sem editora, acabou como um dos mais significativos do ano. Um ano depois, o segundo disco não só mostra o que parecem ser sobras dispensáveis das sessões do primeiro (não o sendo na verdade), limitando-se a repetir modelos sem a eles trazer mais que uma ou outra pitada de intervenção política fácil. Some Loud Thunder é seco deserto de ideias e, sobretudo, de canções. Um inesperado soco no estômago de uma carreira que parecia poder afirmar-se como líder de uma nova mensagem. Mas que, para já, acaba com um único episódio digno de referência.
Philip Glass “The Witches Of Venice”
Entre as novas edições a assinalar os 70 anos do compositor contam-se primeiras gravações para a ópera The Voyage (experiência com travo de ficção científica com gancho na memória da histórica viagem de Colombo) e, mais cativante ainda, The Witches Of Venice, esta última uma peça de teatro nascida de um conto infantil do italiano Beni Montresor, cuja música evoca a de 1000 Airplanes On A Rooof (integralmente electrónica), todavia temperada pelo lirismo de La Belle et La Bête e um sentido mágico e terno que por vezes lembra lullabies (o disco surge num booklet com desenhos, e não tem edição para download nem está prevista a sua distribuição em Portugal).
Também esta semana: The Shins (apresentação, aqui, de hoje a oito dias), Benji Feree, Billy Bragg (reedições), Norah Jones, Dexys Midnight Runners, Sister Sledge (best of), Aretha Franklin (best of), Chumbawamba (live), Os Mutantes (compilação), Uri Caine
Brevemente
5 de Fevereiro: Field Music, Klaxons (edição local), Bloc Party, Triffids (reedições), Blind Zero (acústico), Nick Cave (DVD)
12 de Fevereiro: U-Clic, Amy Winehouse (edição local), Van Morrisson (músicas para cinema), Peter Björn & John, Nick Cave (live CD), Johnny Cash (live)
19 de Fevereiro: John Cale (live), Lucinda Williams, Johnny Greenwood
Fevereiro: Patrick Wolf, Pop Levi, Bowie (reedições), Kaiser Chiefs, Tarnation, High Llamas, Frank Black, Stereo Total, Gus Gus, Damned (reedição)
Março: Arcade Fire, Air, Bryan Ferry, Mika, The Knife (DVD), Gary Numan (BBC Sessions), Kieran Hebden + Steve Reid, Da Weasel, Arctic Monkeys, LCD Soundsystem, The Stooges
Abril: Rufus Wainwright, Bright Eyes, Spiritualized
Estas datas podem ser alteradas a todo o momento
A última tentação de Madonna
Em todo o caso, não menosprezemos a energia criativa desta Material Woman. Live to Tell é apenas um dos 21 temas de um alinhamento em que, de uma só vez, se reinventa o espectáculo de palco e se transfigura o conceito tradicional de "filme-concerto". De novo com a cumplicidade do realizador sueco Jonas Akerlund, Madonna revisita-nos, agora, com o DVD de The Confessions Tour, disponível em edição especial com um CD paralelo de 13 canções da digressão (lançamento oficial: hoje). Dizer que se trata da transcrição de um fabuloso espectáculo é escasso — estamos, afinal, perante uma admirável fusão de registos de espectáculo, do concerto ao vivo ao teledisco, tudo desembocando naquilo que é, em última instância, um singular objecto de cinema. I have a tale to tell...
domingo, janeiro 28, 2007
Para relançar a ficção
O mínimo que se pode dizer desta iniciativa (que envolve dezasseis argumentistas) é que, independentemente dos seus resultados práticos, há nela uma salutar vontade de ultrapassar aquilo que Nuno Artur Silva chama a "monocultura estabelecida nos canais, sobretudo nos privados". Trata-se, afinal, de defender e praticar a diversidade como valor primeiro. E é bom que se diga que tal valor não pode ser concebido como mera bandeira cultural — aliás, a força de tal diversidade depende sempre, como é óbvio, de opções de raiz claramente económica e, no limite, políticas.
Verde americano
Aceitar o envelhecimento
'Thursday's Child' - Single, 1999
Editado em Setembro de 1999, o aperitivo para o álbum hours... trazia-nos um Bowie como há muito se não escutava (completamente diferente de tudo o que nos havia dado nos anos 90, únicas comparações apenas possíveis com momentos da banda sonora de The Buddha of Suburbia). Através da BowieNet acompanhávamos então, dia a dia, a revelação do álbum que vinha a caminho, dos títulos das canções à imagem da capa (uma variação da clássica iconografia da "Pietà", um Bowie, com o aspecto pelo qual o havíamos visto nos anos 90, moribundo, no colo de um outro Bowie, rejuvenescido, aceitando mais uma morte do "eu"). Thursday's Child foi o primeiro som da mudança e, ao mesmo tempo, a canção que estabelecia o patamar introspectivo que o álbum depois revelaria em pleno. Apesar do discurso de Bowie ter alertado para o evitar de leituras autobiográficas nesta e outras canções de hours..., a ideia da personagem que encara o passado, olha o futuro e reflecte sobre a vida naquele instante, como a soma do que foi e o principio do que vai ser, passa por aqui. Esta é das canções de Bowie que mais nos permite mergulhar na sua aceitação do envelhecimento, do arrumar de velhos episódios de maior agitação pessoal e social. O título não fala na primeira pessoa (já que Bowie nasceu numa quarta-feira). Sem explicação "oficial", há quem o associe a uma referência a All Tomorrow's Parties dos Velvet Undreground ("Thursday's child is Sunday's clown") ou ao título de uma velha autobiografia de Eartha Kitt (esta a versão "encenada" por Bowie no VH-1 Storytellers de 1999). A canção, pompa sinfonista para banda e teclas, é uma das melhores da colheita Bowie de 90 e o single valeu-lhe um 16º lugar na tabela inglesa e, mais tarde, uma nomeação para um Grammy (Melhor Performance Vocal Masculina no Rock). A edição britânica surgiu em dois CD singles, cada qual com inéditos distintos, todos eles assinados pela dupla Bowie/Gabrels.
Thurdsay's Child
Virgin, 1999
CD 1: Thurdsay's Child (Radio Edit) + We All Go Through + No One Calls
CD 2: Thursday's Child (Rock Mix) + We Shall All Go To Town + 1917 + Thursday's Child (vídeo)
Produção: David Bowie + Reeves Gabrels
O teledisco de Thursday's Child assinalou a primeira colaboração de David Bowie com o realizador Walter Stern (que havia já trabalhado com os Prodigy e Madonna). Foi rodado num estúdio em Nova Iorque e revela a noção de encontro do presente com o passado que a própria canção sugere (e que a capa do álbum depois confirmaria). O novo alter ego de Bowie é agora ele mesmo, aos 52 anos, olhando para um espelho onde se revê jovem. A noção de envelhecimento (e da sua inevitável aceitação) é sublinhada pelo aparentemente inconsequente tirar das lentes de contacto de uma companheira, anónima, cujo reflexo de juventude também se materializa no mesmo espelho.
A Oeste...?
A ficção e as suas máscaras
Estranho porque, além do mais, se trata de um objecto gerado por gente com evidentes e muito respeitáveis talentos — o elenco inclui ainda, entre outros, Emma Thompson (a escritora) e Dustin Hoffmann, pertencendo a realização a Marc Forster (Monster's Ball, À Procura da Terra do Nunca). Dir-se-ia que há uma certa sensibilidade muito pós-moderna que "denuncia" o artifício das formas como se isso fosse o grau zero do cinema contemporâneo. Como se, do cinema ao romance, passando pela pintura, as máscaras da ficção não fossem, afinal, um dos temas nucleares de toda a arte do século XX...
Sendo Dennis Potter (1935-1994) um dos mestres desse mesmo tema — sobretudo através de séries televisivas que foram passadas ao cinema: Dinheiro do Céu e O Detective Cantor —, vale a pena chamar a atenção para um dos seus romances, Hide and Seek (1973), precisamente um livro sobre as especificidades internas da narrativa, com dois narradores cujas palavras se opõem, tentando cada um deles seduzir o leitor para a sua verdade. Vale também a pena passar pelo site oficial de Potter e por algumas das suas magníficas entrevistas à BBC.
sábado, janeiro 27, 2007
Discos Voadores 3.0 - O alinhamento
Os Discos Voadores regressaram ao Incógnito. Terceiro encontro imediato do terceiro grau marcado, com a música do ovni desde as 23.30... Regresso para breve... Até lá, aqui fica a ementa servida:
Murcof "Memoria"
Sven Vath "L'Esperança"
Junior Boys "FM"
William Orbit "Time To Get Wise"
Post Industrial Boys "Encounter #5"
Hot Chip "Tchaparian"
The Knife "Forest Families"
The Grid "Crystal Clear"
Fluke "Spacey (Catch 22 Dub)"
Kelley Polar "The Rooms In My House Have Many Parties"
Gothic Archies "We Are The Gothic Archies"
Goldenboy "Campari Soda"
Hacienda "Dust Heroes"
Albert Hammond Jr "Cartoon Music For Superheroes"
Regina Spektor "Fidelity"
Mates Of State "Fraud In The 80's"
Le Tigre "Hot Topic"
Cobra Killer "Mr Chang"
Pam Hogg "Honeyland"
Tanya Donelly "New England"
Howling Bells "Velvet Girl"
Clap Your Hands Say Yeah "Yankee Go Home"
Cold War Kids "Passing The Hat"
Steven Malkmus "Baby Come On"
The Veils "One Night On Earth"
Cat People "Everyone Can Tell You"
Franz Ferdinand "Come On Home"
Idle Hands "Loaded"
Hope Of The States "Sing It Out"
Soho Dolls "Prince Harry"
White Rose Movement "Girld In The Back"
We Are Scientists "Nobody Move Nobody Gets Hurt"
Shout Out Louds "The Comeback"
Interpol "C'mere"
Boy Kill Boy "Suzie"
Klaxons "Gravity's Rainbow"
The B-52's "Rock Lobster"
Cansei de Ser Sexy "Fuckoff Is Not The Only Thing You Have To Show"
Metric "Combat Baby"
The Sounds "Painted By Numbers"
Noblesse Oblige "Bitch"
Frankie Goes To Hollywood "Relax"
X-Wife "Ping Pong"
The Bravery "An Honest Mistake"
To My Boy "The Grid"
She Wants Revenge "I Don't Want To Fall In Love"
Neon Plastix "Dream"
Dirty Pretty Things "Bang Bang You're Dead"
Forward Russia! "Nine"
Klaxons "Magick"
Dead 60's "Riot Radio"
Razorlight "In The Morning"
Depeche Mode "Personal Jesus"
Strokes "Juicebox"
LCD Soundsystem "Give It Up"
LCD Soundsystem "Daft Punk Is Plaiyng In My House"
Greensleepers "Polo Club"
The Hives "Hate To Say I Told You So"
White Stripes "Seven Nation Army"
Metric "Handshakes"
Sonic Youth "100 %"
Yeah Yeah Yeahs "Cheated Hearts"
Love Is All "Make Out Fall Out Make Up"
Ladytron "Disco Traxx"
Cansei de Ser Sexy "Superafim"
The Sounds "Tony The Beat"
Blondie "Hanging On The Telephone"
M "Pop Muzik"
The Kills "The Good Ones (Tiga Remix)"
Noblesse Oblige "Bitch"
DFA 1979 "Little Girl (Masterkraft Edition)"
Infadels "Can't Get Enough"
Mount Sims "9 Voltz"
Vitalic "My Friend Dario"
Love & Rockets "Motorcycle"
Daft Punk "Technologic"
Klaxons "Gravity's Rainbow (Van She Remix)"
Every Move A Picture "Standing On The Edge Of Something Beautiful"
The Rakes "22 Grand Job"
Arctic Monkeys "I Bet You Look Good On The Dance Floor"
Franz Ferdinand "Do You Wanna"
The Smiths "Sheila Take A Bow"
Blur "Parklife"
Modest Mouse "Float On"
TV On The Radio "Wolf Like Me"
Bauhaus "Ziggy Stardust"
David Bowie "Jean Genie"
Placebo "20th Century Boy"´
Mão Morta "Budapeste"
Fun Boy Three "Murder She Said"
Fantastic Plastic Machine "Please Stop!"
e a fechar...
Bob Crewe "Barbarella"
Power Play: Bitch dos Noblesse Oblige (simplesmente irresistível)
Banda mais pedida: Klaxons
Mais pedidos sem resposta (porque não levei o disco): Nine Inch Nails
Canções que gereram as maiores doses da pergunta da praxe "o que é que está a tocar": Fidelity de Regina Spektor, Bitch dos Noblesse Oblige, Make Out Fall Out Make Up dos Love Is All e Everyone Can Tell You dos Cat People
Prémio "ai que já não ouvia isto há tanto tempo": Fluke, com Spacey
Ninguém pediu... Pixies!!!
Regresso dos ovnis ao Incógnito a meio de Marçou ou início de Abril... A confirmar brevemente.
quinta-feira, janeiro 25, 2007
Editora Emarcy já tem site
Fundada em 1954, como subsidiária da Mercury Records, a Emarcy possui um fundo de catálogo em que constam algumas gravações lendárias dos anos 50/60, por exemplo de Sarah Vaughan, Dinah Washington, Max Roach e Clifford Brown. Entre as suas novidades, a Emarcy está neste momento a promover Wayfairing Stranger, álbum de estreia da cantora norueguesa Kristin Asbjørnsen — uma magnífica interpretação ao vivo (Oslo, Junho de 2006) de Trying to Get Home pode ser descoberta no site noruguês da Universal.
Oscars vistos (e ouvidos) pela Apple
Arte na rua 53
Faqueiro reforçado
Os dias de Davie Jones
A primeira vez que David Bowie falou na televisão inglesa, em Novembro de 1964, não se deveu a nenhum feito musical, mas sim ao facto de ser ele, então, o presidente de uma bizarra sociedade pela defesa dos homens com... cabelo comprido! O gosto pela encenação, antes mesmo de uma etapa em que a descoberta de Lindsay Kemp e das artes do palco ajudariam a moldar e transformar o banal wannabe numa figura de personalidade única, distinguiu-o, mesmo assim, da multidão de bandas nascidas depois do sucesso dos Beatles e Rolling Stones.
Mesmo assim, o presidente da causa da cabeleira farta, era então um músico rodado, e já na sua terceira banda e com um single editado (pelo qual ninguém deu por nada)... Frequentemente apontando como desejo maior a vontade de ser o saxofonista da banda de Little Richard, deu os primeiros passos, ao saxofone, e também como vocalista, dos Kon-Rads, banda de vida curta que registou uma primeira sessão nos estúdios da Decca, em Londres, a 30 de Agosto de 1963. Gravaram apenas um tema, I Never Dreamed, ainda hoje inédito, mas cujas fitas foram vendidas há poucos anos, num leilão, por uma pequena fortuna.
Ainda incaracterística, moldada à imagem dos grupos de rhythm’n’blues que nasciam todas as semanas por aquelas bandas, a música da sua segunda formação, que se apresentava como Davie Jones & The King Bees, conseguiu-lhe mesmo assim a gravação de um single, custos suportados por um empresário de electrodomésticos a quem o jovem David Jones (Bowie era nome ainda a dois anos de distância) alertou, dizendo-lhe que, consigo e os seus músicos, poderia ser o novo Brian Epstein. E eles, os King Bees, os novos Beatles!... Era o actor a falar. A convencer... Mas sem conseguir o mesmo com o público comprador de discos, que passou ao lado do banalíssimo Liza Jane, single editado em Junho de 1964.
Dissolvidos os King Bees, Jones encontrou nova banda nos Manish Boys, cujo som moldou ao mostrar-lhes o álbum ao vivo, no Apollo, de James Brown. Gravara, um single, I Pity The Fool (Maio de 1965), um pastiche de blues à la Muddy Waters, mas ainda sem uma presença vocal expressiva (mais interessante sendo os indícios de teatro vocal que ensaia em Take My Tip, no lado B). Nem nada que cativasse mais que as mães e namoradas do membros da banda. Fim de banda. Next!
O terceiro single, com nova banda, mas apenas creditado como Davie Jones, foi editado em Agosto de 1965. You Have A Habit Of Leaving cruzava rhythm’n’blues com distrorção pré-The Who, denunciando uma personalidade a emergir, todavia sem capacidade ainda para mais... A própria BBC recusou gravar uma sessão consigo, apontando-o como vocalista sem carisma... O single foi, contudo, suficiente, para garantir ao novo manager, Ken Pitt, argumentos para um contrato com a PYE Records, pela qual o cantor lançaria três singles em 1966, o primeiro co-creditado aos Lower Third, todos eles exibindo já um novo nome: David Bowie, o apelido trocado para evitar potencial confusão com um outro Davie Jones (dos Monkees), escolha feita sobre o nome de uma faca (e do seu criador) que ficou célebre na batalha de El Alamo... O primeiro disco gravado como David Bowie (com os Lower Third) foi Can’t Help Thinking About Me (Janeiro de 1966), o primeiro onde, mesmo ainda imberbe, a “voz” de Bowie aflora pela primeira vez, todavia sem grandes resultados, o mesmo acontecendo aos sucessores Do Anything You Say (Abril de 1966) e I Dig Everything (Agosto de 1966).
quarta-feira, janeiro 24, 2007
Disco do ano? Já?
Toca a reunir
Pequena sinfonia marciana
'Life On Mars' - Yann Tiersen & Neil Hannon, 1999
Bowie vê canções suas a ser tomadas por outros todos os anos, e ao longo do 'Ano Bowie', aqui recordaremos algumas dessas versões. Há dias, Lulu inaugurou o cartaz de versões com The Man Who Sold The World. Hoje recordamos uma sessão ao vivo de Yann Tiersen, com a colaboração de Neil Hannon (dos Divine Comedy) em volta de Life On Mars. A versão consta do álbum Black Sessions, de Yann Tiersen.
Nova Iorque, fora de horas
Autor do assombroso O Segredo de Joe Gould (editado entre nós pela D. Quixote), e durante longos anos presença regular nas páginas da New Yorker, Joseph Mitchell trabalhou, em início de carreira, nos anos 30, como jornalista para diversos jornais nova-iorquinos. Natural de Iona (Carolina do Norte), tinha chegado a Manhattan em 1929 com 21 anos, falhado um futuro universitário pela absoluta inaptidão com a matemática. Salvo os meses em que atravessou o mar, até Leninegrado (hoje São Petesburgo), a bordo de um navio, regressando logo depois, viveu e descobriu Nova Iorque em busca de histórias e suas personagens.
Em tempo de colapso económico, encontrou primeiros trabalhos em pequenos e grandes jornais nos quais fez as rondas da noite entre esquadras de polícia, tribunais, quartéis de bombeiros, hospitais, enviando para a redacção pedaços de notícias cuja arte final escapava aos seus dedos. Começou no The World, depois fez notícias locais para o Herald Tribune e mais tarde trabalhou como colunista no hoje extinto The World Telegram antes de, em 1938, ser convidado para a New Yorker. Datam desta etapa de descoberta e aprendizagem os textos reunidos neste livro, não só um espantoso exercício do mais cativante e sóbrio jornalismo como, e sobretudo, um retrato vivo, com cor e cheiro, das gentes do lado errado da Nova Iorque dos anos 30.
Apesar de, no final do livro, se registarem encontros com George Bernard Shaw, Gene Krupa e algumas mais figuras públicas - a quem Mitchell chamava “moedores de ouvidos” – Sou Todo Ouvidos vive essencialmente de histórias e retratos de anónimos com “uma intimidade velha de anos com a pobreza”. Strippers em espectáculos de burlesque, bêbedos em noites de copos a fio em bares esquecidos, pregadores (e seus negócios pouco claros), jogadores de baseball frustrados, uma condessa pugilista, fumadores de marijuana em noitadas de rent party, praticantes de vudu no coração da grande cidade, sem abrigo em noites de sono solto em asilos, desempregados que passam as noites de Verão nas praias de Conney Island, condenados por assassínio de um colega de copos a caminho da cadeira eléctrica, um anarquista popular entre os desafortunados... “As únicas pessoas que não estou interessado em ouvir são as mulheres da alta-roda, os grandes industriais, os autores reputados, os ministros, os exploradores, os actores de cinema (...) assim como qualquer actriz com menos de trinta e cinco anos”, explica o autor num prefácio que define princípios, onde sublinha ainda que “não pode haver mais praga para um jornal que um jornalista que se põe a tentar escrever literatura”. A escrita de Joseph Mitchell é, de facto, clara, directa, intensa e realista, olhos e ouvidos feitos palavra. E Sou Todo Ouvidos, um documento de figuras e lugares de uma Nova Iorque verdadeira, que descobrimos com a mesma curiosidade de um jovem jornalista, em busca de histórias, há 70 anos.
Oscars: Abigail e os outros
Esta é uma das singularidades de um conjunto de nomeações que, se outros méritos não tivesse, serviria pelo menos para desmentir a visão simplista do cinema americano como uma máquina de "grandes orçamentos & efeitos especiais". Eis algumas dessas singularidades:
* Ryan Gosling — nomeado para melhor actor através de um dos fenómenos da recente produção independente: Half Nelson, de Ryan Fleck.
* Meryl Streep — candidata a melhor actriz em O Diabo Veste Prada, tem aqui a sua 14ª nomeação (recorde absoluto entre actores e actrizes).
* Helen Mirren — nas categorias principais de interpretação (melhor actor e melhor actriz), é a única que está nomeada por um título (A Rainha) que também está na corrida para melhor filme; todos os outros nove vêm de filmes não nomeados na categoria de melhor do ano.
* Paul Greengrass — nomeado para melhor realizador por um filme (Voo 93) que não está no lote de cinco candidatos ao Oscar de melhor filme.
* Babel, de Alejandro González Iñárritu
* Entre Inimigos, de Martin Scorsese
* Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood
* Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos, de Jonathan Dayton e Valerie Faris
A Argentina de Bernarda Fink
O concerto de Bernarda Fink foi ainda a revelação (creio que uma estreia absoluta em Portugal) do magnífico Octeto Ibérico de Violoncelos, dirigido por Elías Arizcuren. O grupo interpretou algumas peças instrumentais, incluindo a sublime Pampeana nº 2, de Ginastera — momentos inesquecíveis de um concerto mediaticamente "secundário", mas tão luminoso quanto empolgante.
terça-feira, janeiro 23, 2007
NY eighties
'Basquiat' (1996), de Julian Schnabel
O segundo a contar da esquerda não é Andy Warhol. Neste filme de um pintor, Julian Schnabel (n. 1951), sobre um pintor, Jean-Michel Basquiat (1960-1988), Bowie interpretava Andy Warhol (1928-1987) com a precisão maníaca de quem integra os traços e os tiques da figura, ao mesmo tempo que sabe sugerir as singularidades da sua personalidade e comportamento. Basquiat consegue ser a evocação nostálgica de uma figura tão fascinante quanto efémera, revisitando também as cenas (e os bastidores) de uma Nova Iorque/anos 80 em que os comportamentos artísticos se podiam confundir com novas formas de conceber e viver as relações humanas. Obviamente, nem Warhol nem Bowie foram exteriores a tal dinâmica e a sua fusão cinematográfica possui um revelador simbolismo. O brilhante Jeffrey Wright, à esquerda da imagem, interpretava Basquiat; os outros cúmplices são Gary Oldman e Dennis Hopper.
Cansei de Ser Sexy em Lisboa
E Jones fez-se Bowie
Presidente da Internet
O seu video de apresentação — I'm in — já entrou na história e na mitologia da Net. É um caso exemplar, pedagógico à sua maneira, que nos permite perceber que, hoje em dia, quase tudo passa por essa aliança peculiar de sound + vision. Mais do que isso: é legítimo supor que o seu site oficial se transformará num forum de discussão e prática dos novos modos de fazer e pensar a política. Não que a Net substitua as outras formas de cidadania. Antes as completa, transfigura e, eventualmente, enriquece.
segunda-feira, janeiro 22, 2007
Discos da semana, 22 de Janeiro
Um supergrupo feito de quatro Galácticos da pop? Damon Albarn, Paul Simonon, Tony Allen e Simon Tong preferem pensar que não. Vêem, antes, esta como uma aventura ocasional. Ou, como chegaram a afirmar por alturas da sua primeira actuação, há poucos meses, em Londres, uma “história” que assim se conta... Uma história que os toma por personagens, buscando depois figurantes anónimos em cenários na Londres dos nossos dias, aceitando a cidade como um conjunto de experiências e heranças que nos obrigam a pensar, necessariamente, em mais que apenas o presente. Damon Albarn já fez questão de apresentar o álbum que agora edita através do colectivo The Good The Bad And The Queen como o “sucessor natural” de Parklife. Na verdade, os retratos da Londres que vive para lá das ruas pejadas de turistas, que escutámos nesse álbum marcante de 1994, não dominaram a escrita subsequente dos Blur, e, naturalmente, não fizeram parte das rotas e destinos dos Gorillaz e outras aventuras em nome próprio que, entretanto, o músico protagonizou. Londres e os londrinos (os de gema e os muitos forasteiros que ali assentaram arraiais) são o objecto de The Good The Bad and The Queen, álbum que faz da cidade uma crónica pop, sóbria, por vezes amarga, desiludida, o tom cinzento que a caracteriza, sobretudo os seus submundos, a assombrar as canções que aqui escutamos. De certa maneira, este é o reverso da medalha da efusiva luminosidade pop de Parklife, as palavras agora mais ponderadas, quase reservadas, por vezes a esconder em si sentidos alternativos possíveis, como se, dez anos depois, o mesmo cenário se enfrentasse com outra gravidade. E claro desencanto. Todavia, musicalmente, há aqui mais que meras heranças de Parklife. Pelo contrário, sentem-se reencontros com a melancolia pop de alguns momentos do discreto Modern Life Is Rubbish (de 1993), passados por um filtro que reteve a então muito evidente presença inspiradora dos Kinks. Por outro, saboreia-se um gosto pela densidade cénica do magistral 13 (de 1999) e pela demanda de novas sensações texturais como se escutou no mais recente Think Thank (de 2003), todavia sob marcas de outras genéticas. The Good The Bad And The Queen é fruto da grande árvore da cultura rock’n’roll, mas deve muita da sua personalidade a uma pulsão rítmica plácida, todavia marcada, reflexo da personalidade de Tony Allen, a um sentido de eclectismo cool, não aristocrata, de genética Clash e, visivelmente, a uma arte final de texturas elaboradas nas quais as escolas dub se afirmam claramente protagonistas. Tudo isto sob a batuta de Danger Mouse, que produz e confere a forma final a um disco único, diferente de tudo o que já escutámos. A primeira obra-prima de 2007!
Nine Horses “Money For All”
Na verdade este é apenas um EP de continuidade. Ou, como quem diz, um episódio intermediário antes de nova operação de grandes dimensões. Mas é um episódio interessante por dois motivos. Em primeiro lugar porque parece solidificar a existência do colectivo Nine Horses como mais que apenas um episódio feliz (assim tinha já sido a última aventura de “banda” com David Sylvian, nos Rain Tree Crow, na verdade, nada mais que o núcleo duro dos Japan reunido anos depois de uma separação corajosa). Em segundo porque nos revela as melhores canções de Sylvian desde o já longínquo Secrets Of The Beehive (1987). Num alinhamento de oito temas (o que dá ao disco o sabor a quase-álbum), três são inéditos, os restantes, remisturas. E entre os inéditos, sobretudo Money For All e Get The Hell Out, reconhece-se, além da evidente presença textural e cénica de Burnt Friedman, um viço pop como poucas vezes Sylvian assumiu nos últimos 20 anos. O EP pede segundo álbum. E, mais que nunca, uma digressão!
The Partisan Seed “Visions Of Solitary Branches”
Há poucos meses, o projecto revelava-se como uma das mais apetitosas “novidades” presentes no suculento caldeirão mp3 que Henrique Amaro coleccionou em Acorda. Integrado no lote que abre a actividade da editora Transporte de Animais Vivos (ligada às Quasi Edições), a confirmação de mais um talento “trovadoresco” de novo milénio. Aqui esvoaçam as genéticas habituais no género (em The Old Garden, o melhor episódio do alinhamento, ecoando a memória de um Nick Drake)l. Filipe Miranda doseia melancolias, mas não fecha a janela a pontuais raios de luz. E Visions Of Solitary Branches oferece, cortesia de uma discreta paleta de colaborações instrumentais e vocais, quadros profundamente pessoais onde a monotonia não se instala nunca. Um belo depoimento de estreia, sem dúvida.
Cold War Kids “Robbers & Cowards”
Correram palcos europeus a acompanhar os Clap Your Hands Say Yeah e por cantos da blogosfera há quem grite por atenção para com estes rapazes... Com razão e nem por isso. Não fosse a boleia dos amigos de Brooklyn, teríamos de esperar ainda algum tempo para ouvir falar destes construtores de híbridos que cruzam paixões por Tom Waits, Velvet Underground, R.E.M. ou Richard Swift e, na hora de trazer as letras à berlinda, falam de Haruki Murakami ou David Foster Wallace. Nada de errado (tudo do melhor)... O álbum de estreia dos Cold War Kids é, imagem de marca desta idade da fragmentação e colagem, um híbrido em busca de personalidade na justaposição daquilo de que mais gostam. Muitos dos temas, na verdade, somam e somam, mas esquecem-se de completar a operação com o sinal de igual... Mas quando o fazem, como em Hang Me Up To Dry, Passing The Hat ou Hospital Beds, revelam sinais bem apetitosos do que potencialmente os espera caso tenham tempo e capacidade de levar a sua avante. Ou seja, banda a manter debaixo do... ouvido.
Sonic Youth “The Destroyed Room – B Sides and Rarities”
Depois de um album feito de canções de formas aprumadas, o reverso da medalha. Literalmente, num disco essencialmente feito da soma de outtakes, faixas extra de edições internacionais, raridades ou lados B (na verdade apenas um tema foi mesmo lado B). Este último, Razor Blade (a outra face do single Bull In The Heather, de 1994, é o que de mais próximo da “canção” (a língua franca de Rather Ripped) aqui se escuta, o grosso do alinhamento consistindo antes em longos instrumentais onde a exploração de texturas e improvisações feitas de pinceladas difusas levam avante sobre eventuais contornos melodistas. Entre devaneios repetitivos, mergulhos meditativos, numa colecção de gravações mais na linha do que têm editado através da sua SYR que na Geffen... Um recado à editora?
Também esta semana: David Bowie (6 reedições), Hold Steady, Paul Weller (DVD), Iggy Pop (live), Architecture In Helsinki (remisturas), The Who (DVD), Joni Mitchell (reedições)
Brevemente:
29 de Janeiro: The Shins, Clap Your Hands Say Yeah, Benji Feree, Kristin Hersh, Field Music, Billy Bragg (reedições), Norah Jones, Dexys Midnight Runners, Sister Sledge (best of), Aretha Franklin (best of), Chumbawamba (live)
5 de Fevereiro: Klaxons (edição local), Bloc Party, Triffids (reedições), Blind Zero (acústico), Philip Glass, Nick Cave (DVD)
12 de Fevereiro: U-Clic, Amy Winehouse (edição local), Van Morrisson (músicas para cinema), Peter Björn & John
Fevereiro: Patrick Wolf, Pop Levi, Bowie (reedições), John Cale (live), Kaiser Chiefs, Tarnation, High Llamas, Frank Black, Stereo Total
Março: Arcade Fire, Air, Bryan Ferry, Mika, The Knife (DVD), Gary Numan (BBC Sessions), Kieran Hebden + Steve Reid, Da Weasel, Arctic Monkeys, LCD Soundsystem, The Stooges
Abril: Rufus Wainwright, Bright Eyes, Spiritualized
Estas datas podem ser alteradas a todo o momento