Na abertura do seu livro Dirty Blonde (Picador, 2006), Courtney Love — nome verdadeiro: Courtney Michelle Harrison — reproduz o seu passaporte, aberto nas páginas de “modificações e apêndices”. Aí se diz que “este passaporte é um susbtituto para um passaporte roubado” e, depois, “a portadora é também conhecida como Courtney Love”.Singularíssima figura do mundo do rock (liderando a banda Hole e, depois, a solo), actriz irregular de cinema (com uma genial composição no filme de 1996 Larry Flynt, dirigido por Milos Forman), viúva e herdeira de Kurt Cobain (que se suicidou em 1994, contava 27 anos), Courtney Love é essa personagem de muitas contradições e derivas, também conhecida por...
Não admira que Dirty Blonde seja tudo menos uma típica autobiografia. Courtney Love recusa qualquer dispositivo que encerre as suas memórias num “destino”. Bem pelo contrário: este é um livro que mergulha na história da narradora/protagonista, am-pliando, página a página, um efeito de intimismo sem remorsos e, apetece dizer, sem tréguas.Muitas vezes citada pelos “excessos” da sua história privada, Courtney Love opta por multiplicar esse assombramento, propondo um livro de cruas e serenas confissões: são folhas soltas manuscritas, imagens recuperadas dos mais recônditos álbuns de família, momentos de riso ou lágrimas a que não pertencemos. Há mesmo algumas imagens, belíssimas, de Frances Bean, a filha de Courtney e Cobain — tudo recoberto pela estranha verdade de um paciente e silencioso pudor.
* Texto publicado na revista "6ª", Diário de Notícias (12 Jan.).