Kon-Rads, King Bees, Manish Boys e Lower Third (1962-65)
É habitual falar-se de Bowie a partir de Space Oddity. A própria discografia “oficial” parece ignorar tudo o que aconteceu antes de 1969... Mas Bowie já fazia música desde 1962, tendo corrido por diversas bandas e gravado nove singles e um álbum antes de somar o seu primeiro êxito...
A primeira vez que David Bowie falou na televisão inglesa, em Novembro de 1964, não se deveu a nenhum feito musical, mas sim ao facto de ser ele, então, o presidente de uma bizarra sociedade pela defesa dos homens com... cabelo comprido! O gosto pela encenação, antes mesmo de uma etapa em que a descoberta de Lindsay Kemp e das artes do palco ajudariam a moldar e transformar o banal wannabe numa figura de personalidade única, distinguiu-o, mesmo assim, da multidão de bandas nascidas depois do sucesso dos Beatles e Rolling Stones.
Mesmo assim, o presidente da causa da cabeleira farta, era então um músico rodado, e já na sua terceira banda e com um single editado (pelo qual ninguém deu por nada)... Frequentemente apontando como desejo maior a vontade de ser o saxofonista da banda de Little Richard, deu os primeiros passos, ao saxofone, e também como vocalista, dos Kon-Rads, banda de vida curta que registou uma primeira sessão nos estúdios da Decca, em Londres, a 30 de Agosto de 1963. Gravaram apenas um tema, I Never Dreamed, ainda hoje inédito, mas cujas fitas foram vendidas há poucos anos, num leilão, por uma pequena fortuna.
Ainda incaracterística, moldada à imagem dos grupos de rhythm’n’blues que nasciam todas as semanas por aquelas bandas, a música da sua segunda formação, que se apresentava como Davie Jones & The King Bees, conseguiu-lhe mesmo assim a gravação de um single, custos suportados por um empresário de electrodomésticos a quem o jovem David Jones (Bowie era nome ainda a dois anos de distância) alertou, dizendo-lhe que, consigo e os seus músicos, poderia ser o novo Brian Epstein. E eles, os King Bees, os novos Beatles!... Era o actor a falar. A convencer... Mas sem conseguir o mesmo com o público comprador de discos, que passou ao lado do banalíssimo Liza Jane, single editado em Junho de 1964.
Dissolvidos os King Bees, Jones encontrou nova banda nos Manish Boys, cujo som moldou ao mostrar-lhes o álbum ao vivo, no Apollo, de James Brown. Gravara, um single, I Pity The Fool (Maio de 1965), um pastiche de blues à la Muddy Waters, mas ainda sem uma presença vocal expressiva (mais interessante sendo os indícios de teatro vocal que ensaia em Take My Tip, no lado B). Nem nada que cativasse mais que as mães e namoradas do membros da banda. Fim de banda. Next!
O terceiro single, com nova banda, mas apenas creditado como Davie Jones, foi editado em Agosto de 1965. You Have A Habit Of Leaving cruzava rhythm’n’blues com distrorção pré-The Who, denunciando uma personalidade a emergir, todavia sem capacidade ainda para mais... A própria BBC recusou gravar uma sessão consigo, apontando-o como vocalista sem carisma... O single foi, contudo, suficiente, para garantir ao novo manager, Ken Pitt, argumentos para um contrato com a PYE Records, pela qual o cantor lançaria três singles em 1966, o primeiro co-creditado aos Lower Third, todos eles exibindo já um novo nome: David Bowie, o apelido trocado para evitar potencial confusão com um outro Davie Jones (dos Monkees), escolha feita sobre o nome de uma faca (e do seu criador) que ficou célebre na batalha de El Alamo... O primeiro disco gravado como David Bowie (com os Lower Third) foi Can’t Help Thinking About Me (Janeiro de 1966), o primeiro onde, mesmo ainda imberbe, a “voz” de Bowie aflora pela primeira vez, todavia sem grandes resultados, o mesmo acontecendo aos sucessores Do Anything You Say (Abril de 1966) e I Dig Everything (Agosto de 1966).
PS. Excerto de texto originalmente publicado na revista '6ª', do Diário de Notícias