quarta-feira, janeiro 31, 2007

O corvo... mudo

No dia dos 70 anos de Philip Glass, uma reflexão:


Encomendado pela Comissão Nacional Para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses e estreada na recta final da Expo 98 no Teatro Camões, a 26 de Setembro de 1998, a ópera O Corvo Branco, de Philip Glass é, por razões distintas, um motivo de orgulho e vergonha para o nosso país. Orgulho por representar um dos mais notáveis episódios do já extenso catálogo operático do compositor, e a terceira das colaborações com o encenador Robert Wilson (depois do histórico Einstein On The Beach e de The CIVIL warS: Rome Section). Vergonha pela total ausência de movimentações (pelo menos visíveis) no sentido de assegurar não só a sua gravação, como eventual representação em Lisboa ou outras cidades portuguesas, depois das curtas três récitas públicas de Setembro de 1998.
Com libreto de Luísa Costa Gomes, cantado em português, O Corvo Branco é das óperas mais invisíveis de Philip Glass e, portanto, das menos conhecidas, a sua frequente menção devendo-se sobretudo ao facto de recuperar a dupla compositor/encenador de Einstein On The Beach. Co-produzida pelo Teatro Real de Madrid, O Corvo Branco teve passagem pela capital espanhola depois das discretas récitas lisboetas. Mesmo assim, ao contrário da RTP ou RDP, a RTVE não só transmitiu em directo uma das representações, como a deve manter no seu arquivo. Nove anos depois não se pedem mais contas pelo aparente imobilismo que não permitiu o registo áudio nem vídeo da ópera em Lisboa. Mas ninguém, na RTP, se lembrou ainda de pedir à RTVE a cedência do vídeo para exibição em Portugal?
O lindíssimo quinto acto de O Corvo Branco chegou a ter uma interpretação mais, numa noite dedicada a Glass no nova-iorquino Lincoln Center. E acabou ostensivamente citada no andamento VIII da sua Sinfonia Nº 5. Fora isso, é como se fosse coisa esquecida.Bradaram raios e coriscos muitos que não concordaram com o dinheiro gasto nesta produção. Cara, de facto, para apenas três noites de luxo em fim de Expo. Mas potencial registo da exposição (e de um olhar pela identidade portuguesa), caso tivesse direito a gravação e comercialização, sobretudo em disco. Mas não está tudo perdido. As partituras estão disponíveis em ChesterNovello.com. CCB? Culturgest? Serralves? Casa da Música? Ninguém as aluga, transforma em espectáculo, grava e edita em disco? Que o corvo não morra na praia...

PS Este texto foi publicado na revista '6ª', do Diário de Notícias